Por Adelayde França, CRP 15/5833
A mente humana é mais complexa do que se pensa.
Não acompanhei em detalhes o caso da recém-nascida Ana Beatriz, no município de Novo Lino, Alagoas. Sei que a história mobilizou muitas pessoas, sobretudo nas redes sociais. Mas não é sobre o caso em si que quero falar. Até porque, como profissional da psicologia, seria irresponsável fazer qualquer diagnóstico ou julgamento sobre a saúde mental daquela mãe sem conhecimento profundo dos fatos.
O que me inquietou, na verdade, foi o debate que emergiu a partir disso. Um incômodo mais profundo: a maneira como seguimos falhando no cuidado com a mulher — especialmente com a mulher puérpera. Aquela que está atravessando transformações físicas, hormonais e emocionais. Que está, quase sempre, esgotada. E, ainda assim, invisível.
Apesar de serem maioria nas unidades básicas de saúde, quando essas mulheres se tornam mães, algo lhes é retirado. Aos olhos da sociedade — e muitas vezes das instituições — elas deixam de ser indivíduos com história, subjetividade e dor. Tornam-se uma função: a mãe. E só.
Durante uma conversa com amigas sobre o caso, uma delas compartilhou uma experiência com o filho recém-nascido: ele adoeceu e, ao procurar atendimento médico, foi recebida com um olhar acusador. Nenhuma escuta. Nenhum acolhimento. Apenas a ideia de que, se a criança estava doente, a culpa era dela.
Ali, não existia uma mulher experienciando um momento extremamente desafiador e difícil. Existia apenas uma mãe. E não qualquer mãe — mas aquela que precisa dar conta de tudo. Forte. Incansável. Sempre disponível. Nunca vulnerável.
O puerpério é um território sensível. E pode ser perigoso. A depressão pós-parto, os transtornos psiquiátricos perinatais, o luto por uma identidade que se dissolve — tudo isso ainda é silenciado ou tratado como fraqueza. E, quando não há espaço para escuta, sobra julgamento. É o “como assim ela fez isso?”.
Mas é preciso lembrar: o que acontece com essa mulher que acaba de ter uma criança importa. E precisa importar mais. Porque cuidar de uma mãe também é cuidar de uma criança. E, sobretudo, de uma sociedade inteira.