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A popularização do termo “narcisista”, especialmente nas redes sociais, ampliou a visibilidade sobre o tema, mas também ajudou a banalizar o conceito. Nesse cenário, surgem dúvidas recorrentes: todo homem é narcisista? Como identificar, de fato, o transtorno de personalidade narcisista? E, principalmente, de que forma esse comportamento afeta a vida das mulheres em relacionamentos afetivos?
O que é o transtorno de personalidade narcisista?
Inspirado no mito de Narciso — o jovem que se apaixonou pelo próprio reflexo —, o Transtorno de Personalidade Narcisista (TPN) é considerado um desvio de comportamento no qual a autopercepção e as interações interpessoais são marcadas por uma sensação constante de superioridade e grandiosidade.
Com a banalização do termo, surgem consequências ambíguas, como explica a psiquiatra Jéssyca Leite. Segundo ela, a popularização do tema pode ajudar a chamar atenção para comportamentos problemáticos que indicam a presença de um transtorno psicológico. No entanto, o uso indiscriminado da palavra pode gerar confusão, estigmatizar o diagnóstico e dificultar o acesso a um tratamento adequado.
“É importante que essa banalização funcione como um alerta para buscar avaliação profissional qualificada, de modo que o diagnóstico adequado seja realizado”, afirma Jéssyca.
Todo homem é narcisista?

À primeira vista, um homem com Transtorno de Personalidade Narcisista (TPN) pode parecer autoconfiante, seguro de si e sedutor. Costuma tomar a iniciativa nos relacionamentos e atrair os olhares para si, criando uma personalidade “magnética” que, com o tempo, se revela nociva.
Com o passar dos dias, comportamentos típicos do transtorno tendem a se intensificar. Atitudes controladoras, desejo de dominar todas as situações, falas frequentes sobre status e obsessão pela aparência são alguns sinais de alerta.
Entre as principais características de um homem com TPN, estão:
- Senso grandioso de autoimportância;
- Fantasias sobre sucesso ilimitado, poder ou beleza;
- Crença de que é especial e único, buscando se associar apenas a pessoas de alto status;
- Necessidade excessiva de admiração;
- Expectativa de tratamento especial ou favorecido;
- Tendência a explorar os outros para alcançar seus objetivos;
- Falta de empatia;
- Inveja dos outros ou crença de que é invejado.
“Vale destacar: nem todo homem que apresenta traços narcisistas possui o transtorno. O TPN só é diagnosticado quando esses padrões são persistentes e comprometem o funcionamento pessoal, social ou profissional”, afirma a psiquiatra Jéssyca Leite.
O relacionamento com um homem narcisista
Relacionamentos amorosos com homens narcisistas costumam começar da mesma forma: inicialmente, eles se mostram carismáticos e colocam a parceira em um pedestal, adotando uma postura de encantamento e idealização. No entanto, em pouco tempo, a dinâmica se inverte. Eles passam a exigir elogios constantes, reconhecimento e valorização, reagindo de forma desproporcional diante de qualquer crítica.
Com o tempo, o comportamento controlador tende a se intensificar, e atitudes de manipulação emocional tornam-se frequentes na relação. O controle pode ocorrer de maneira explícita — como a restrição das escolhas da parceira — ou de forma sutil, disfarçado de “conselhos para o bem”.
“Técnicas como gaslighting (fazer o outro duvidar da própria percepção), tratamento do silêncio (ignorar como forma de punição) e inversão de culpa (responsabilizar a parceira por problemas que ele próprio causou) são frequentemente utilizadas”, explica a psicóloga Kathleen Lima.
Quais as consequências para a mulher?

Estar em um relacionamento com uma pessoa narcisista pode gerar consequências profundas e duradouras para a autoestima da mulher. Com o tempo, a desvalorização e as críticas tornam-se constantes, levando a parceira a questionar seu próprio valor e sua percepção sobre si mesma.
Segundo a psicóloga Kathleen Lima, é comum que o parceiro narcisista desqualifique as conquistas da mulher, minimize seus sentimentos ou atribua a ela os problemas da relação. Como resultado, a mulher tende a internalizar as críticas e humilhações que recebe, o que provoca um desgaste progressivo da autoestima.
“Além das distorções cognitivas, a convivência com um narcisista faz com que a mulher comece a acreditar que há algo de errado com ela, que é inadequada, inferior ou indigna de amor”, afirma a psicóloga.
Repetindo o padrão de uma relação abusiva, essa percepção negativa sobre si mesma é alimentada por ciclos de abuso emocional. Momentos breves de validação são seguidos por rejeição e críticas, gerando confusão e dependência emocional.
“É comum que ela passe a sentir impotência e desesperança, acreditando que não consegue se proteger emocionalmente ou sair da relação”, explica Kathleen. Em casos de convivência prolongada, podem surgir consequências mais graves, como ansiedade, depressão e sintomas de estresse pós-traumático.
Como se desvincular da relação e se proteger emocionalmente?
Desvincular-se de uma relação abusiva não é simples. Uma das principais barreiras é o vínculo emocional criado ainda no início do relacionamento. Essa fase idealizada gera uma memória afetiva que se torna difícil de romper, mesmo diante de sinais de violência emocional.
Para se proteger emocionalmente, a psicóloga Kathleen Lima explica que é necessário adotar um conjunto de estratégias que envolvam o fortalecimento interno, o estabelecimento de limites claros e, muitas vezes, o acompanhamento psicoterapêutico.
Ela destaca que o primeiro passo é reconhecer a dinâmica abusiva, reorganizando, aos poucos, os pensamentos e comportamentos disfuncionais — como a internalização das críticas ou a tendência de assumir a culpa pelo comportamento do parceiro.
Outro ponto fundamental é o fortalecimento da autoestima e da identidade pessoal, por meio de projetos individuais, hobbies e da retomada de vínculos sociais. Essas atividades reforçam o senso de pertencimento e ajudam a mulher a enxergar suas qualidades e seu valor.
“É importante desenvolver a capacidade de validar as próprias emoções e tomar decisões baseadas no que é melhor para o seu bem-estar — e não apenas para agradar o outro ou evitar conflitos”, orienta a psicóloga.
Kathleen ressalta que relações com homens narcisistas tendem a isolar a vítima, afastando-a de amigos, familiares ou redes de apoio que poderiam ajudá-la a manter a clareza emocional. Em casos mais graves, é necessário o afastamento físico e emocional do abusador, com suporte profissional, para que a mulher desenvolva ferramentas emocionais que permitam romper com o ciclo de abuso de forma segura.
Importância do diagnóstico para combater o estigma
Os sintomas de um transtorno de personalidade podem ser amenizados com tratamento. No entanto, como ressalta a psiquiatra Jéssyca Leite, no caso do Transtorno de Personalidade Narcisista (TPN), o processo tende a ser mais complexo. “Fatores como o diagnóstico correto, a aceitação do transtorno e a motivação para a mudança são fundamentais para o progresso do paciente”, afirma.
A psicóloga Kathleen Lima reforça que é necessário falar sobre comportamentos narcisistas e os danos que eles causam, para que possam ser enfrentados com clareza. No entanto, ela alerta para os riscos de reduzir o transtorno à identidade da pessoa diagnosticada.
Segundo Kathleen, o único caminho possível para acolher a vítima e, ao mesmo tempo, promover mudanças em quem vive com o transtorno passa pela compaixão e pela humanidade. “É preciso combater o estigma, informar com base científica e preservar a dignidade humana de todos os envolvidos”, conclui.