Você já percebeu uma queda no desejo sexual sem entender exatamente o motivo? A baixa libido feminina vai muito além das oscilações hormonais. Fatores como exaustão emocional, sobrecarga mental, conflitos no relacionamento e pressões sociais também exercem influência direta sobre o interesse pelo sexo.
Segundo a especialista Chris Cavalcante, ginecologista, psicóloga e sexóloga, o tabu em torno da sexualidade feminina tem sido gradualmente quebrado. A busca por compreensão e tratamento cresceu, especialmente entre mulheres que notam mudanças em sua vida sexual. “Há duas décadas, as mulheres silenciavam mais. Hoje, elas procuram ajuda”, afirma.

Cavalcante explica que essas mudanças no desejo sexual nem sempre têm origem biológica. Embora oscilações hormonais como a queda de estrogênio, progesterona e testosterona influenciem a libido, elas raramente são o único ou principal fator envolvido.
Aspectos emocionais e sociais costumam ter um peso significativo. Entre os mais citados pelas pacientes estão a exaustão causada pela dupla jornada, a sobrecarga mental e o cansaço acumulado, especialmente durante a maternidade.
“Muitas vezes, a mulher está tão envolvida com as demandas da casa, do trabalho, dos filhos e até do cuidado com pais idosos, que sua mente se distancia completamente de qualquer estímulo erótico”, afirma a médica.
Autoimagem, exaustão e rotina
A especialista destaca que mudanças na imagem corporal também influenciam diretamente o desejo sexual. Ao se perceber distante dos padrões de beleza reforçados pela mídia, muitas mulheres passam a evitar o sexo por insegurança ou baixa autoestima. “A crença de que é preciso ter um corpo sarado para ser desejável tem afetado muitas mulheres”, afirma.
Além do cansaço físico e emocional, a repetição e a falta de novidade na vida sexual também contribuem para a queda da libido. A médica chama atenção para a importância da erotização mental — a capacidade de permitir-se fantasias, imaginação e estímulos que não estejam necessariamente ligados ao ato sexual.
“Quando a sexualidade entra em modo automático, sem espaço para desejo, fantasia ou prazer genuíno, o corpo e a mente respondem com desinteresse.”
Como retomar o protagonismo da vida erótica
Para lidar com a baixa libido, a médica afirma que o primeiro passo é o autoconhecimento. Entender o que estimula, o que inibe, quais crenças estão ligadas à sexualidade e como tudo isso influencia a rotina é essencial para resgatar o desejo.
Segundo ela, esse processo é frequentemente facilitado com o apoio da terapia sexual, que oferece um espaço seguro para reflexão e transformação.
“A terapia oferece um espaço seguro para a mulher assumir o protagonismo da sua vida erótica. Não mais como objeto do desejo do outro, mas como sujeito ativo da relação.”
O desejo não é sempre espontâneo

A sexóloga e educadora sexual Mel Falcão explica que compreender os diferentes tipos de desejo é essencial para aliviar culpas e pressões. Segundo ela, existem dois principais: o espontâneo, que surge de forma natural e inesperada, e o responsivo, que depende de estímulos para se manifestar.
“Recebo muitas mulheres, geralmente cis e heterossexuais, que dizem: ‘Não tenho vontade de iniciar o sexo, mas quando meu parceiro mexe comigo, aí a vontade aparece’. E isso é completamente normal”, afirma.
Apesar disso, muitas relatam sentir-se cobradas por não apresentarem o desejo espontâneo, como se houvesse algo de errado. Para Mel, essa cobrança é alimentada por uma expectativa social de que a mulher esteja sempre disponível e desejante, mesmo diante da exaustão.
“Os parceiros muitas vezes não contribuem com as tarefas da casa, não criam espaço para o cuidado da mulher e, ainda assim, esperam que ela deseje sexo sem qualquer estímulo.”
A complexidade do desejo feminino
Mel reforça que essa cobrança ignora a complexidade da sexualidade feminina. O desejo responsivo pode ser despertado por diferentes estímulos — como leitura erótica, filmes ou fantasias — e tudo isso faz parte da normalidade.
Embora a libido seja considerada parte da energia psíquica vital, como propôs Freud, o desejo sexual é multifatorial. Pressões culturais, jornadas exaustivas, estresse, uso excessivo de tecnologia, medicamentos como antidepressivos e anticoncepcionais são alguns dos fatores que impactam diretamente o desejo.
No consultório, é comum que mulheres busquem soluções rápidas, como um “viagra feminino”. No entanto, segundo Mel, o tratamento é mais profundo e exige uma abordagem personalizada, que inclui avaliação de hábitos, rotina, saúde mental, uso de medicamentos e, muitas vezes, a participação do parceiro no processo.
“É preciso querer a mudança para si, e não apenas para agradar ao parceiro”, conclui.