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Elas voltaram a estudar: histórias de mulheres que reescreveram seus caminhos pelo EJA

Diversos são os motivos que levam meninas e mulheres a interromperem os estudos. Gravidez, necessidade de trabalhar ou até mesmo a perda de um ente querido estão entre as dificuldades que podem adiar ou impedir a conquista do tão sonhado diploma.

Em situações como essas, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) surge como uma oportunidade de recomeço. Nesta reportagem, ouvimos mulheres que retomaram os estudos por meio da modalidade, para entender suas motivações, desafios e conquistas ao longo do processo.

Uma tragédia interrompeu seus estudos

Foto: Arquivo Pessoal

A baiana Roqueline Martins sempre foi estudiosa. Em casa, os pais — uma professora de Filosofia e um ajudante de caminhão — incentivavam os filhos a se dedicarem à escola. Mas uma tragédia familiar, em 2003, mudaria essa realidade e levaria Roqueline a interromper os estudos por anos.

“Aos 17 anos, perdi meu pai em um acidente e acabei enterrando o desejo de continuar os estudos.” Em estado de choque, ela passou meses sem emitir qualquer som e precisou de um longo tratamento psicológico e fonoaudiológico para se recuperar.

Anos depois, já casada e mãe de três filhas, Roqueline decidiu voltar a estudar. Motivada a conseguir um emprego formal que lhe permitisse oferecer uma vida melhor à família, matriculou-se na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Assim, 14 anos após a perda do pai, ela retornou à sala de aula.

“Meu marido foi meu principal motivador. Com o apoio dele, consegui conciliar os cuidados com a casa, a família e o trabalho e concluí o ensino médio em seis meses.”

Sempre dedicada, ela não parou por aí: ingressou e concluiu o curso de Direito, e hoje atua como advogada previdenciarista.

Aos 38 anos, Roqueline revela seus planos para o futuro. Pretende ingressar em um mestrado na Argentina. A cada passo, ela se distancia da dor que um dia a paralisou e honra a memória do pai que sempre sonhou em vê-la formada.

Estudos interrompidos para cuidar dos filhos

Foto: Arquivo Pessoal

“Aos 18 anos, precisei parar de estudar para sustentar meus filhos. Eles moravam com os meus pais, e eu precisava trabalhar para mandar dinheiro todo mês.” A fala é da servidora pública Maria Quitéria, hoje com 58 anos.

A principal causa de evasão escolar entre mulheres é a necessidade de trabalhar, segundo dados de 2024 da PNAD Contínua. Em seguida, aparecem a gravidez (23,1%) e os afazeres domésticos ou cuidados com outra pessoa (9,5%).

Quando decidiu voltar a estudar, aos 57 anos, Maria Quitéria precisou reorganizar completamente a rotina para encaixar as aulas no período da noite. Trabalhava em tempo integral e, muitas vezes, ia direto do trabalho para a escola, retornando para casa apenas depois das 22h.

“Meus amigos e familiares diziam que eu tinha muita disposição para dar conta de tudo. Ouvir isso sempre me deixava muito feliz e me dava ainda mais vontade de continuar”, disse.

Com o EJA concluído no fim de 2024, ela relembra que celebrou todo o esforço do último ano realizando um sonho: sua festa de formatura. Durante a cerimônia, entrou de mãos dadas com o neto, um momento emocionante, que marcou o início de um novo ciclo em sua trajetória.

Estudos como refúgio

Foto: Arquivo Pessoal

Para a dona de casa Ana Lúcia Leymann, 55, o retorno à escola foi um refúgio diante de uma rotina marcada pelos cuidados com o marido. Após uma complicação causada pela diabetes, ele precisou amputar uma das pernas. A nova realidade levou Ana a refletir sobre sua autonomia e o papel do estudo em sua vida.

“Ele teve que amputar a perna e parar de trabalhar. Aí decidi: vou voltar a estudar e arrumar um emprego, para conseguir meu próprio dinheiro e ocupar a mente”, conta.

Ana interrompeu os estudos aos 14 anos. Logo depois, aos 15, casou-se e teve filhos, o que impediu a continuidade da vida escolar. Na volta à sala de aula, ela encontrou apoio essencial na família, especialmente nas filhas, que a ajudavam até mesmo nas tarefas de casa.

“Quando eu não sabia responder, perguntava e elas me ajudavam. Todos os dias, perto da hora de sair, meu marido dizia: ‘Olha a hora, Ana, vai se atrasar pra escola’. Tive muito apoio da minha família.”

Realização pessoal

Hoje, ao relembrar sua trajetória, Ana fala com entusiasmo sobre a decisão de voltar a estudar. Para ela, mais do que concluir uma etapa, foi a concretização de um sonho que havia sido adiado por muitos anos.

“Concluir o ensino fundamental foi uma grande conquista. Para mim, é a realização de um sonho”, afirma.

Agora, Ana planeja continuar aprendendo: seja inglês, espanhol ou até mesmo uma nova profissão. Ainda sem um rumo definido, ela se mostra animada e confiante para os próximos passos.