Criar políticas públicas mais eficazes. É com esse objetivo que nasce o Observatório Alagoano de Igualdade de Gênero (OAIG), uma iniciativa inédita que reúne a Polícia Civil de Alagoas (PCAL), a Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e o Centro de Defesa dos Direitos da Mulher (CDDM).
Com base em dados históricos e um convênio firmado em 2024, o Observatório transforma números em ações para enfrentar desigualdades que colocam diariamente a vida de milhares de mulheres em risco.
Dados que salvam vidas
Os números de violência contra a mulher em Alagoas são alarmantes. Em 2024, o Ligue 180 registrou 10.633 atendimentos — um aumento de 5% em relação a 2023. Só nos primeiros meses de 2025, Maceió contabilizou mais de 2 mil ocorrências de violência doméstica.
Coletar, organizar e analisar esses dados é fundamental para criar políticas públicas efetivas. A construção de um banco de dados consistente sobre violência de gênero só teve início após a aprovação da Lei Maria da Penha, em 2006.
Foi a partir desse marco que a professora Andréa Pacheco, pesquisadora do curso de Serviço Social da UFAL, começou a organizar com colegas do grupo de pesquisa Frida Kahlo uma base de dados que cobre o período de 2006 a 2024. Alimentado anualmente, o banco reúne informações sobre perfis de vítimas e agressores.

Com esse acervo, nasceu o OAIG. “A universidade é lugar de produção do conhecimento, mas esse conhecimento só faz sentido se for usado para melhorar a vida da sociedade”, afirma Andréa.
Uma parceria tripla
Em 2024, Andréa, junto às professoras Marli Araújo e Elaine Pimentel, reuniu-se com a Polícia Civil e o CDDM para formalizar a parceria. O objetivo era institucionalizar pesquisas que até então eram conduzidas de forma independente.
A partir da formalização, o acesso aos dados foi facilitado. As pesquisadoras agora contam com um canal direto com a polícia, que também passou a colaborar com melhorias no atendimento às mulheres que buscam ajuda.
O CDDM, por sua vez, representa a força dos movimentos sociais e leva ao Observatório as pautas e urgências que surgem do contato direto com as mulheres vítimas de violência.
Como o Observatório atua

Coordenado pela delegada Ana Luiza Nogueira, o Observatório conta com o apoio do setor de estatística e análise criminal da Polícia Civil, responsável pela coleta dos dados.
A análise dos números considera recortes por gênero, raça, território, idade de vítimas e agressores, além dos tipos de violência. Com esses filtros, é possível entender com mais precisão quais grupos sociais são mais vulneráveis.
Os resultados serão divulgados em relatórios trimestrais abertos à imprensa e à sociedade. A proposta é que esses dados sirvam de base para implementar ações que realmente reduzam os índices de violência no estado.
“É um projeto pioneiro em Alagoas. Pela primeira vez, unimos segurança pública, universidade e movimentos sociais para enfrentar a violência de forma estruturada”, destaca a delegada.
Para além dos números

Um dos grandes diferenciais do OAIG é o compromisso com a análise interseccional da violência. Raça, classe, território e identidade de gênero são marcadores que estruturam as desigualdades e muitas vezes invisibilizam grupos inteiros.
“Queremos políticas públicas voltadas a subgrupos que raramente são considerados dentro do espectro da violência de gênero, como mulheres trans, quilombolas e indígenas”, explica Vanesa Cavalcante, presidente do CDDM e coordenadora do Observatório.
Mulheres negras, lésbicas, periféricas, indígenas e transexuais costumam ser apagadas das estatísticas. Para Andréa Pacheco, o enfrentamento à violência precisa ser, também, antirracista, antipatriarcal e anticlassista.
“Romper com as desigualdades de gênero e raça exige mudanças estruturais e políticas públicas que enfrentem o modelo que toma o homem branco e rico como padrão universal”, afirma.
Desafios e caminhos
Para a delegada Ana Luiza, o patriarcado e a ideia de superioridade masculina são raízes profundas da violência de gênero no Brasil. “A principal barreira é fazer a sociedade entender que mulheres e homens devem ter os mesmos direitos. Só assim um dia vamos comemorar um feminicídio zero”, declara.
A delegada reforça que o combate à violência deve ser uma responsabilidade coletiva, como prevê a própria Lei Maria da Penha. Por isso, o Observatório também atua com ações de capacitação para policiais civis, organizações da sociedade civil e instituições que atendem diretamente as vítimas.
A proposta é clara: impedir que a mulher seja revitimizada no momento em que procura ajuda. E garantir que o enfrentamento à violência de gênero em Alagoas se baseie, cada vez mais, em evidências — e não em achismos.