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Por que mulheres criam vínculos com bonecas reborn? Psicólogas explicam os impactos emocionais

Foto: Reprodução/PupilasReborn

Elas não choram, não mamam, mas recebem nome, enxoval, quarto decorado e impressionam pela semelhança com bebês reais. Nas redes sociais, as bonecas reborn têm ganhado visibilidade impulsionadas por influenciadoras que simulam partos e celebridades que as apresentam como filhas. O fenômeno, cada vez mais em alta, desperta curiosidade, mas também levanta debates sobre afeto, carência, e os limites do real e do imaginário.

Apoio emocional

Foto: Arquivo Pessoal

À Eufêmea, a psicóloga e sexóloga Ágata Santos ressalta que é essencial considerar o contexto em que cada mulher se relaciona com a boneca. Segundo ela, as reborn podem funcionar como forma de conforto para quem enfrenta momentos difíceis, como o luto, a solidão ou traumas emocionais. Também podem ser usadas em preparações para a maternidade.

“Elas proporcionam uma sensação de companhia, segurança ou cuidado, criando um tipo de apoio emocional”, afirma. Em alguns casos, completou, ajudam a preencher um vazio ou a manter um vínculo simbólico com alguém que se perdeu ou que se gostaria de ter por perto.

Ela destaca que não há uma única motivação para o uso das bonecas reborn. Os significados atribuídos a elas variam conforme o momento de vida, o histórico emocional e os vínculos afetivos de cada mulher.

Em contextos clínicos, as reborn têm sido utilizadas como ferramentas auxiliares em processos terapêuticos especialmente em casos de luto por perda gestacional ou na vivência da ausência de filhos.

“Algumas pessoas encontram nas reborn um conforto que as ajuda a atravessar o processo da perda, planejada ou não. Elas também podem auxiliar no enfrentamento do isolamento, promovendo uma sensação de conexão”, explica Ágata Santos.

No entanto, ela alerta para os riscos: quando a boneca passa a ser usada como uma fuga da realidade, impedindo o enfrentamento saudável dos sentimentos, o sofrimento pode se agravar e até gerar uma dependência emocional.

Instinto materno?

O fenômeno das bonecas reborn também abre espaço para uma reflexão social mais ampla. Para além das experiências individuais, seu uso pode ser entendido como reflexo de uma expectativa histórica e cultural sobre o papel das mulheres no cuidado. A simples imagem de “acolher um bebê” aciona o imaginário coletivo da maternidade como algo naturalmente feminino.

A psicóloga Ágata Santos observa que essa associação entre mulher, afeto e instinto materno não é nova, mas continua sendo reforçada social e culturalmente. A psicologia, segundo ela, tem analisado com atenção a forma como esses vínculos simbólicos influenciam o comportamento das mulheres.

“A sociedade ainda sustenta a ideia de que cuidado, sensibilidade e instinto materno são traços naturais das mulheres. Essa expectativa molda a forma como muitas se relacionam com objetos como as reborn, associando-os à expressão de zelo, afeto e conexão emocional”, alerta.

Nesse contexto, a escuta terapêutica também precisa considerar as pressões simbólicas envolvidas. Ao acolher uma mulher que utiliza a boneca como suporte emocional, o cuidado profissional não deve se limitar à validação dos sentimentos, mas incluir uma reflexão crítica sobre os motivos que fazem do cuidado um papel quase sempre atribuído às mulheres.

“É essencial oferecer um espaço seguro e sem julgamentos, onde elas possam expressar suas experiências. Mas também é preciso incentivar uma reflexão sobre as imposições sociais que associam o vínculo materno exclusivamente ao feminino. Isso permite que cada mulher compreenda que suas escolhas e emoções são legítimas, sem a obrigação de corresponder a expectativas externas”, diz.

“Cuidar e ser cuidada”

Foto: Arquivo Pessoal

Para a psicóloga Lorena Maia, o vínculo com uma boneca reborn nem sempre representa apenas a figura de um bebê. Em muitos casos, trata-se da possibilidade simbólica de cuidar e ser cuidada — uma troca emocional que vai além da maternidade idealizada.

Ela chama atenção ainda para um aspecto frequentemente negligenciado: o brincar. “Mesmo na vida adulta, brincar é uma forma legítima de expressão emocional, de reconexão com a espontaneidade e de cuidado com a saúde mental”, afirma. “Permite criar, imaginar, simbolizar… e tudo isso é essencial para processar vivências internas. O brincar não é patológico. Ele cura.”

No entanto, a psicóloga faz um alerta. Quando a relação com a boneca substitui completamente os vínculos humanos e impede o enfrentamento da dor, surgem riscos importantes. Isso é mais comum, segundo ela, em mulheres com traços dissociativos, histórico de trauma precoce ou padrões de apego desorganizado. Nesses casos, o vínculo simbólico pode, na verdade, cristalizar a dor, impedindo sua transformação.

Diferenciar um uso simbólico de um apego disfuncional exige, segundo Lorena, observar qual função emocional a boneca ocupa na vida daquela mulher. “Quando ela permite acessar sentimentos como tristeza, saudade ou raiva e aos poucos favorece a elaboração e a ressignificação de uma perda, estamos diante de um uso emocionalmente saudável”, pontua.

Por outro lado, quando a boneca ocupa rigidamente o lugar de um vínculo perdido e impede que a ausência seja reconhecida como definitiva, o processo de luto pode ser bloqueado. “A dor fica encapsulada. E a mulher, emocionalmente estagnada”, diz.

Suporte terapêutico

O suporte psicológico é fundamental para entender o vínculo que se estabelece com as bonecas reborn. “O acompanhamento ajuda a mulher a compreender o que essa boneca representa, que lugar ela ocupa e quais caminhos emocionais estão sendo construídos”, afirma a psicóloga Lorena Maia.

A predominância de mulheres entre as consumidoras revela como afeto e cuidado seguem sendo socialmente atribuídos ao feminino — não por natureza, mas por construção histórica. “Desde cedo, aprendemos que nosso valor está em cuidar. Muitas vezes, o reconhecimento social vem às custas do nosso bem-estar emocional”, observa.

Escolha ou imposição?

Nesse contexto, as reborn podem tanto ser uma forma legítima de expressar afeto quanto sinalizar que ainda se espera das mulheres o papel de cuidadoras. “A pergunta que precisamos fazer é: por que tantas mulheres sentem que precisam cuidar para se sentirem completas?”, questiona Lorena. “E como podemos ampliar os espaços de afeto para além da maternidade, para que o cuidado seja uma escolha, não uma obrigação?”

Para ela, o fenômeno pode reforçar estereótipos de gênero ao naturalizar a ideia de que carinho, acolhimento e maternagem são papéis exclusivamente femininos. “Isso desresponsabiliza os homens, invisibiliza o sofrimento das mulheres e transforma o afeto em dever.”

O desafio, segundo Lorena, é duplo: acolher essas mulheres sem julgamento e, ao mesmo tempo, abrir espaço para reflexão. “Não se trata de dizer se é certo ou errado ter uma reborn. O objeto não é o problema, o importante é entender o que ele simboliza. O acolhimento precisa vir com escuta ativa e espaço para que essas mulheres falem sobre suas dores e afetos.”

Foto de Rebecca Moura

Rebecca Moura

Estudante de Jornalismo pela Universidade Federal de Alagoas e colaboradora no portal Eufêmea, conquistou o primeiro lugar no Prêmio Sinturb de Jornalismo em 2021. Em 2024, obteve duas premiações importantes: primeiro lugar na categoria estudante no 2º Prêmio MPAL de Jornalismo e segundo lugar no III Prêmio de Jornalismo Científico José Marques Melo.