Denunciar o próprio pai e transformar essa dor em denúncia pública é uma decisão que exige coragem e uma urgência que ultrapassa o medo. Foi assim que a advogada alagoana Bárbara Ribeiro escolheu romper o silêncio sobre os abusos sexuais que sofreu na infância.
À Eufêmea, a advogada Bárbara Ribeiro contou que convive há anos com pesadelos recorrentes, sem entender, por muito tempo, a origem daquele sofrimento. O trauma vivido aos 10 anos, quando foi abusada pelo próprio pai, ficou enterrado por anos na memória até que, no ano passado, ela descobriu que a irmã mais nova, de 28 anos, também havia sido vítima dos abusos.
O caso ganhou visibilidade depois que Bárbara publicou, em seu perfil no Instagram, um vídeo revelando que o pai, hoje com 74 anos, não pode mais ser processado ou julgado criminalmente, pois o crime de estupro de vulnerável está prescrito.
“Eu desconfiava que alguma coisa tinha acontecido. Em uma conversa com a minha irmã fiquei sabendo que ela passou por coisas ainda piores do que eu”, contou à Eufêmea.
Depois de descobrir o que havia acontecido com a irmã, Bárbara decidiu procurar outras pessoas da família. Ela já desconfiava de que os abusos não haviam se limitado às duas.
“Eu percebia o afastamento de algumas pessoas da família, mas elas foram sumindo… Quando descobri a história da minha irmã, fui atrás para entender por qual motivo elas haviam sumido”, contou. “Foi então que outras vítimas também decidiram falar.”
Pressão familiar para ela se manter calada
Com essa descoberta, Bárbara disse que a relação com o pai ficou insustentável e ela não queria que ele ficasse mais perto dela e da família que ela construiu. Ela disse que ouviu de familiares que “ela estava muito revoltada com a história da irmã e que parecia que o pai tinha feito mais coisas com ela”.
Além do trauma, Bárbara também enfrentou pressão de familiares para manter o caso em silêncio. Houve tentativas de impedir que a história se tornasse pública, sob o argumento de preservar a imagem da família.
Bárbara relata que a irmã carrega lembranças dos abusos desde os quatro anos de idade, prolongando-se até por volta dos dez. Por anos, ela não compreendia exatamente o que havia vivido, até que as duas se reencontraram na dor e decidiram dar nome ao que haviam sofrido.
“São lembranças que doem. A gente só conseguiu entender o que realmente aconteceu quando se uniu e começou a falar sobre isso”, disse Bárbara.
Quando o silêncio se rompe
Diante da gravidade dos relatos e da certeza de que o pai havia cometido abusos contra mais de uma pessoa, Bárbara e a irmã decidiram formalizar a denúncia. Procuraram a Delegacia Especial de Combate aos Crimes Contra Criança e Adolescente de Maceió e o Ministério Público, levando provas e testemunhas. Elas não estavam sozinhas: outras mulheres da família, inclusive primas, também relataram terem sido vítimas do mesmo agressor.
O Ministério Público solicitou à Justiça a prisão preventiva do idoso, mas o crime de estupro de vulnerável estava prescrito. No entanto, ele também está sendo processado por outro crime por ter tentado subornar uma pessoa.
“Escutei que era melhor deixar pra lá porque ele estava idoso, já fazia muito tempo”, disse. A família ficou dividida: uma parte que defende o acusado e outra que está do lado de Bárbara. “Nós recebemos muitas ofensas após a formalização da denúncia, sofremos duplamente”, disse.
Ao tornar o caso público, Bárbara lamentou o fato de que o pai não pode mais ser preso. O crime de estupro de vulnerável prescreveu, impedindo que ele responda judicialmente pelos abusos cometidos.
“Na minha opinião, esse deveria ser um crime imprescritível. A realidade de quem sente isso na pele é profunda e eterna. Por isso, às vezes chega a ser chocante ver as penas previstas”, comentou.
Conhecimento liberta
Apesar da dor, Bárbara encontrou força no acolhimento que recebeu após compartilhar sua história. O apoio que veio de pessoas desconhecidas e vítimas de situações semelhantes a impulsionou a seguir com coragem.
“Conhecimento liberta, sabe? Quero encontrar outras vítimas dele, porque sei que existem. Mas, mais do que isso, quero ajudar pessoas que passaram pelo mesmo crime e incentivá-las a falar. Porque a verdade, por mais que doa, cura.”
Segundo Bárbara, o acusado nunca tentou negar as acusações, tampouco demonstrou arrependimento.
“Ele nunca pediu desculpas. Só pergunta o que a gente quer, numa tentativa de fazer com que a história não venha à tona”, relatou.