Colabore com o Eufemea
Advertisement

Duas irmãs, um propósito: como elas transformaram um projeto universitário em negócio de impacto socioambiental em AL

Desde criança, Liliane Vicente dizia que queria ser empreendedora. Aos sete anos, o motivo era simples: não queria receber ordens de ninguém. Mas, por trás dessa frase, já existia um instinto de autonomia e criatividade que, anos depois, daria origem a um negócio com impacto real na vida de milhares de pessoas. Junto com a irmã, Lilian Vicente, ela cofundou a Amitis, uma startup alagoana de impacto socioambiental que desenvolve hortas hidropônicas automatizadas a partir de materiais reutilizáveis.

Hoje, a empresa já implantou hortas em três cidades do estado, impactou diretamente mais de seis mil pessoas, evitou a emissão de mais de 470 toneladas de CO₂ na atmosfera e levou educação de qualidade a centenas de crianças. Mas a história por trás desses números começa de forma bem mais simples: dentro da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), com um projeto quase esquecido.

De projeto esquecido a empresa de impacto

Foto: Arquivo Pessoal

À Eufêmea, Lilian conta que foi durante a graduação que as irmãs conheceram a Enactus UFAL, uma rede global presente em instituições de ensino que estimula o empreendedorismo social entre jovens. Liliane entrou primeiro, encantada com a proposta. Um ano depois, Lilian seguiu o mesmo caminho. As duas passaram a integrar um projeto chamado Amitis, então apenas uma horta hidropônica feita com garrafas PET, sem qualquer modelo de negócio.

“Quando entramos, o projeto estava praticamente abandonado. Não tinha visibilidade, não gerava impacto real. A gente decidiu reformular tudo, aplicar princípios de negócios e transformar a Amitis em uma empresa de verdade”, conta Lilian.

Segundo ela, o desafio foi grande. A vida acadêmica ficou em segundo plano, especialmente para Liliane, que liderava o projeto e acabou reprovando em quase todas as disciplinas naquele ano. “Ela não deixava de ir às hortas para fazer prova. Acreditava muito no potencial do que estávamos construindo”, relembra a irmã.

Persistência além do idealismo

Foto: Arquivo Pessoal

Lilian destaca que a trajetória da Amitis é marcada por resiliência. Entre 2022 e 2023, o calor excessivo e a falta de conhecimento técnico em hidroponia quase paralisaram as operações. “As hortas simplesmente não funcionavam. A gente plantava e nada brotava. Eu pensei em desistir”, confessa.

Sem recursos para contratar especialistas, as duas irmãs mergulharam nos estudos, buscaram apoio com agrônomos e, em 2024, desenvolveram uma solução de automação em parceria com uma empresa local. A inovação resolveu os problemas técnicos e marcou um novo capítulo na história da Amitis.

“Nós já tínhamos conquistado visibilidade, participado de premiações, vencido competições, mas por dentro eu sabia que a horta não estava funcionando. Isso me doía. A Liliane nunca desanimou. Ela me manteve firme”, relembra Lilian.

O impacto é real

Mais do que tecnologia ou sustentabilidade, o que move a Amitis é o impacto humano. Um exemplo emblemático é o de Jonathan, um aluno de uma escola pública na comunidade da Ponta Grossa, onde a empresa instalou uma de suas primeiras hortas.

“Ele era rebelde, não tinha apoio familiar. Quando perguntamos o que queria ser, respondeu: ‘policial para matar bandido’. Depois de meses de atividades com a gente, disse que queria ser cientista e criar um carro que espalhasse sementes pela natureza”, relembra Lilian, emocionada.

Esse momento foi decisivo para as irmãs. “Ali vimos que o nosso trabalho estava mudando vidas. Mesmo que aos poucos, era real.”

Hoje, a Amitis opera em plena capacidade e se prepara para entrar na fase de tração. A meta é expandir o negócio para outros estados ainda em 2025, com negociações em andamento para Rio de Janeiro, Curitiba e Espírito Santo. Paralelamente, as empreendedoras sonham em firmar parceria com a prefeitura de Maceió para ampliar o número de hortas em escolas públicas da capital.

Mulheres da periferia e nordestinas

A empresa já implantou dez hortas e mantém uma equipe majoritariamente feminina. “Nos sentimos mais seguras e confiantes trabalhando com mulheres. Já tivemos experiências frustrantes com funcionários homens que não entregavam com o mesmo compromisso. Aqui, a gente confia uma na outra e o trabalho flui”, afirma Lilian.

Ela reconhece que empreender no Brasil já é um grande desafio. Para duas mulheres alagoanas e de origem periférica, as barreiras são ainda maiores.

“Muitas vezes, só de nos verem, já não nos levam a sério. É sempre um choque para alguns quando começamos a apresentar resultados, prêmios e impacto”, relata.

A virada, segundo Lilian, vem com a consistência de resultados. Ela explica que, quando apresentam dados e mostram que entendem do que estão fazendo, a postura das pessoas muda.

“Infelizmente, ainda existe um julgamento inicial muito forte. A boa notícia é que, depois de nos conhecerem, quem quiser estar perto tem que provar que vale a pena porque agora somos nós que escolhemos quem se aproxima”, afirma.

Foto de Rebecca Moura

Rebecca Moura

Jornalista formada pela Universidade Federal de Alagoas e colaboradora no portal Eufêmea, conquistou o primeiro lugar no Prêmio Sinturb de Jornalismo em 2021. Em 2024, obteve duas premiações importantes: primeiro lugar na categoria estudante no 2º Prêmio MPAL de Jornalismo e segundo lugar no III Prêmio de Jornalismo Científico José Marques Melo.