Ao contrário do que diz o ditado popular, a alagoana Ana Brígida acredita que “o essencial é, sim, visível aos olhos”. Guiada por esse pensamento, ela se tornou uma das primeiras gestoras de moda de Alagoas, levando a cultura do estado às Semanas de Moda de cidades como Nova York, Miami e Paris.
Na busca por reafirmar sua identidade e criar um espaço de celebração da cultura nordestina, Ana fundou a primeira Casa Sensorial Nordestina de São Paulo um lugar de acolhimento e escuta para artistas nordestinos em busca de memórias afetivas.
Desde criança, Ana Brígida compreendia que sua imagem carregava significados e que a maneira como se vestia e se expressava poderia ser uma ferramenta de autoafirmação e pertencimento, sentimentos que buscava desde a infância.
Criada por uma mãe solo, com o apoio da avó e das tias, crescer nesse ambiente a fez tentar, desde muito nova, se mostrar independente, para não dar trabalho à família. “Sou filha de uma mãe solo dos anos 80, e, para ela, isso foi muito difícil, sabe? Tinha a sensação de que eu era um incômodo, então tentava não dar trabalho”, lembra à Eufêmea.
Apesar da sensação de inadequação, o convívio com mulheres fortes deu régua e compasso para que Ana se tornasse quem é hoje. Foi também esse sentimento de não-pertencimento que a fez encontrar refúgio na moda, que mais tarde se tornaria seu maior triunfo.
Ainda na infância, entendeu que estética e imagem eram sua linguagem social. Preferia ganhar vestidos em vez de bonecas nos aniversários. Logo percebeu que, para ela, a moda não era só sobre vestir: era uma forma de reivindicar sua identidade.
“A imagem, para mim, sempre ocupou um lugar de importância. Era por meio dela que eu não precisava justificar de onde eu vinha. Eu não tenho pai, não venho de uma família tradicional. As pessoas sempre perguntavam: ‘Qual é o seu sobrenome?’. E, através da minha imagem, eu tinha a sensação de que me bastava”, conta.
Da feira de ciências à primeira loja
Os primeiros passos na carreira profissional de Ana Brígida foram dados aos 16 anos. Durante uma feira de ciências na escola, ela sugeriu ao grupo um trabalho sobre moda. Foi a partir desse projeto que conheceu seu orientador, Flavius Lessa Braga — que se tornaria seu mentor e principal incentivador na trajetória.
Ainda na adolescência, buscando se manter próxima da área, Ana foi até uma loja de roupas e pediu seu primeiro emprego. Começou como vendedora e, ao longo dos cinco anos em que permaneceu na loja, foi promovida a cargos de gerência e à área de desenvolvimento de pesquisa.
Mesmo com o crescimento profissional, Ana sentia que ainda faltava algo. Foi então que decidiu tirar do papel um antigo sonho: abrir a própria loja. Assim nasceu a Maria Bonita: um espaço de apenas 24m², no bairro Farol, com uma vitrine ousada e inesquecível, inspirada nas mulheres fortes de sua família, e que chamava atenção de quem passava.
“A gente saiu em revistas, fizemos muitas matérias, e eu lembro que criei uma comunidade no Orkut para divulgar a loja. O que as pessoas fazem hoje no Instagram, eu fazia naquela época com a Maria Bonita”, relembra.
Com a loja a todo vapor, Ana se formou em Gestão de Moda, tornando-se uma das pioneiras da área em Alagoas. Para ela, a moda sempre foi mais do que vestir: é linguagem, expressão e identidade. “Sempre enxerguei a moda como um espaço de reflexão sobre o comportamento. Um reflexo de ousadia. Um grito de liberdade”, afirma.
Rompendo fronteiras para o mundo

A atuação de Ana nos bastidores da moda marcou presença em Alagoas, especialmente por meio de sua parceria com o Sebrae, onde contribuiu para o lançamento de novos talentos — como os estilistas alagoanos Los Santos D’arca — e fomentou o empreendedorismo criativo na região.
Mais tarde, já em São Paulo, ela se aventurou no concorrido mercado de luxo, onde, por diversas vezes, sentiu-se pressionada a silenciar sua identidade como mulher nordestina.
Ana conta que enfrentou xenofobia e constante tentativa de apagamento de suas raízes, mas ela disse que seguiu rompendo barreiras e pensando em fazer diferente. Sua atuação junto a grandes marcas alcançou projeção internacional, levando-a a participar das semanas de moda em Paris, Nova York e Miami. Nessas cidades, apresentou o tradicional bordado filé de Alagoas, um feito inédito até então.
A experiência no mercado de luxo e nas passarelas internacionais fez com que Ana enxergasse com ainda mais clareza o valor simbólico e histórico da moda nordestina. Foi esse olhar que reafirmou seu propósito: transformar a moda em uma ferramenta de pertencimento.
“Hoje, como representante da moda nordestina em São Paulo, vejo que ser pioneira neste lugar, trazendo essa validação cultural, me faz refletir sobre o lugar onde nasci. É a moda que vem do passado, com nova releitura e novos valores, mas que resgata a essência”, afirma.
A pandemia e a descoberta de um novo propósito

Em 2020, a empresa onde Ana atuava como diretora executiva suspendeu as atividades durante a pandemia de Covid-19, dando início a um processo de reestruturação. Foi nesse mesmo período que, em contato com a família em Maceió, ela soube do caso Braskem e que isso provocou a perda das duas casas da família.
“Nesse momento, percebi que, por causa de uma catástrofe, eu não teria mais aquele lugar físico onde me abastecia com as minhas memórias de infância e juventude”, relembra.
Com a notícia do afundamento, o isolamento social e a saudade da família e das origens, Ana passou a refletir sobre o significado de sua trajetória em São Paulo, cidade onde já vivia há seis anos.
“Como gestora, você deu nome a tantas marcas, fez tantos desfiles, lançou tantas pessoas no mercado. E o que as pessoas sabem sobre isso? Com 18 anos de carreira, comecei a refletir sobre qual era o meu legado”, questionou-se.
Foi nesse mergulho interno que Ana entendeu que poderia fazer mais por si mesma. Em uma caminhada pela cidade, como um sinal do universo, encontrou uma rua chamada “Brígida”. Em meio ao caos urbano, a via se destacava pelas casas simples e uma atmosfera que, de imediato, a transportou de volta ao Nordeste.
“Nessa rua, me deparei com uma casa com a mesma estrutura da que estava sendo derrubada em Maceió. Portãozinho e muro baixo, com corredor de chão rachado. Ali, eu me revi no meu lugar de origem”, relembra.
O Nordeste em São Paulo

Como uma extensão emocional da casa que estava sendo perdida, nasceu a Casa de Brígida — um refúgio no coração de São Paulo, pensado para acolher pessoas nordestinas em busca de um abraço quente e da memória afetiva que remete ao lar.
“Por isso o nome de casa sensorial: porque ela te faz sentir. Ela faz sentido na vida de quem entra. E quem sai, nunca sai igual”, reflete Ana.
Mais do que um espaço de afeto em meio ao concreto, a Casa também celebra a cultura nordestina e abre portas para novos artistas que buscam visibilidade. Seja na música, na moda ou em outras formas de expressão, o local leva um pedaço do Nordeste para a capital paulista.
Representatividade da mulher nordestina
“A minha maior promoção hoje, como nordestina e como marca, é mostrar ao mundo que a mulher nordestina vai muito além do estereótipo. Vai além do trejeito, do coração generoso. Ela carrega uma força que nasce das entranhas. Uma força embriagada de sede: sede de conhecimento, de fazer mais, de ser vista”, afirma.
Guiada por esse propósito, Ana Brígida deixou sua marca em Maceió como pioneira, e partiu para São Paulo. Não para apagar sua origem, mas para ampliar os próprios horizontes — e os de tantas outras mulheres que também migraram em busca de um “sim”.
“Buscar esse sim me faz uma mulher mais forte, mais resiliente e mais certa de que muitas mulheres que virão depois de mim manterão meu legado”, conclui.