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Lugar de mulher é também no STJ: a vez de Marluce Caldas

Por Anne Caroline Fidelis e Bruna Sales

Foto: Ascom MP/AL

A ausência de mulheres nos espaços de poder não é acidental, tampouco casual. Trata-se de um projeto histórico de exclusão que se renova, resiste e se reinventa, mesmo diante dos discursos de paridade e inclusão.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), autointitulado “Casa da Cidadania”, tem hoje apenas cinco ministras entre os 33 membros da Corte — uma composição que escancara o abismo de gênero no Judiciário brasileiro. A recente nomeação feita pelo presidente Lula para uma das duas vagas abertas no STJ reforçou esse descompasso.

O escolhido foi um desembargador homem. A segunda vaga, que poderia representar um avanço na correção dessa distorção histórica, permanece em aberto — apesar da forte mobilização de mulheres por uma indicação feminina.

Entre as candidaturas à vaga deixada pela ministra Assusete Magalhães, uma figura se destaca: a procuradora de Justiça Marluce Caldas, mulher de origem nordestina, cuja trajetória profissional foi construída no Estado de Alagoas. Com 38 anos de atuação no Ministério Público, Marluce reúne não apenas qualificação técnica, mas também uma história marcada por pioneirismos, enfrentamento das desigualdades e compromisso com os direitos humanos.

Em um país onde apenas nove mulheres ocuparam assentos no STJ desde sua criação, a indicação de Marluce Caldas seria a décima ministra da Corte — e mais do que uma escolha simbólica, seria um ato de reparação e afirmação democrática. Sua possível nomeação está inserida no chamado Quinto Constitucional, que reserva um quinto das vagas dos tribunais superiores para membros do Ministério Público e da advocacia. Esse dispositivo deveria garantir diversidade e representatividade, mas não tem cumprido esse papel quando o recorte é de gênero.

Não à toa, o movimento de juristas, coletivos feministas e integrantes do sistema de justiça tem se insurgido contra a perpetuação da exclusão feminina nos tribunais superiores. Como apontam matérias recentes do UOL, Plato BR e Metrópoles, o Planalto foi pressionado a ouvir esse grito, mas a escolha masculina prevaleceu mais uma vez. Lula, inclusive, já indicou 16 homens e apenas 3 mulheres para os tribunais superiores — um número incompatível com a promessa de igualdade e com os princípios constitucionais de paridade e pluralismo.

A sub-representação feminina nos tribunais superiores não é apenas um problema estatístico — ela afeta diretamente o conteúdo das decisões, a aplicação do direito e a efetividade da justiça. Como nos ensina a teoria feminista do direito, a experiência das mulheres importa. Decisões judiciais são atravessadas por vivências, valores e trajetórias. Um tribunal onde a voz masculina predomina tende a reproduzir padrões de invisibilização, silenciamento e preconceito institucionalizados.

O Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ nos lembra que aplicar a justiça com equidade exige mais do que boas leis: exige sensibilidade, escuta e diversidade entre os julgadores. A entrada de Marluce Caldas no STJ significaria a presença de uma mulher que conhece a realidade brasileira do litoral ao sertão, que construiu sua carreira defendendo os mais vulneráveis, e que já fez história como promotora do júri, procuradora de Justiça e secretária de Estado da Mulher.

Diante da lacuna gritante de representatividade, é urgente que o governo federal ouça as vozes que clamam por justiça de gênero. Que a nomeação da nova ministra do STJ não seja mais uma oportunidade perdida. Que Marluce Caldas — e tantas outras mulheres competentes, éticas e comprometidas — possam ocupar os espaços que historicamente lhes foram negados.

Se o Brasil deseja mesmo ser um Estado democrático de direito, não pode mais aceitar que suas cortes supremas permaneçam como templos quase exclusivos do patriarcado togado.

Referências:

  • CNJ. Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero. Brasília: CNJ, 2021.
  • DINIZ, Débora. O que é lugar de fala? São Paulo: Boitempo, 2017.
  • SILVA, Flávia Biroli. Autonomia e desigualdades de gênero: contribuições do feminismo para a crítica
    democrática. São Paulo: Boitempo, 2013.
  • https://www.metropoles.com/colunas/igor-gadelha/por-que-lula-segurou-a-indicacao-da-segunda-vaga-do-stj
  • https://platobr.com.br/lula-ignora-lobby-por-mulheres-e-nomeia-um-homem-para-vaga-no-stj
Foto de Direito Delas

Direito Delas

Comprometidas com a defesa dos direitos das mulheres e a construção de uma justiça mais acessível e humanizada. Anne é Mestra em Sociologia pela UFAL e especialista em Direitos Humanos, Direito das Famílias, Direito Civil e Processo Civil; Bruna é Mestra em Direito Público pela UFAL, especialista em Direito do Trabalho, Doula e Analista Comportamental.