Foto: Edilson Omena
Negócios de impacto são empreendimentos que geram resultados positivos tanto para a sociedade quanto para o meio ambiente. Em Alagoas, o projeto criado por Mayris Nascimento, 29 anos, — nascida e criada no Pontal da Barra — não apenas atua na preservação dos manguezais, mas também resgata a ancestralidade e reforça a representatividade do território.
Foi nesse cenário que Mayris Nascimento cresceu. Filha de pescadores, acompanhava desde cedo a família tirando sustento das águas, uma conexão com a natureza que surgiu de forma natural. Mas foram as oportunidades criadas por projetos sociais na comunidade que, segundo ela, moldaram sua trajetória.
“Os projetos me ajudaram a descobrir que a minha paixão pela natureza é algo correlacionado tanto com a história da minha família quanto com o meu território. Acho que se esse elo não existisse, eu também não estaria aqui”, reflete a fundadora do Nosso Mangue.
A convivência com as iniciativas sociais ampliou sua percepção sobre desigualdades e fortaleceu o vínculo afetivo e ancestral com o bairro onde nasceu. Foi esse contexto que despertou nela o desejo de transformar o Pontal da Barra.
O despertar para o ativismo ambiental

Questões ambientais sempre fizeram parte dos projetos sociais desenvolvidos na comunidade do Pontal da Barra. Mas foi aos 14 anos que Mayris Nascimento teve o primeiro contato real com o ativismo social, participando de uma ação que buscava melhorar o próprio bairro.
Com o apoio de amigos, ela se mobilizou para enfrentar um problema antigo: a falta de coleta seletiva no Pontal. “Lá é um bairro que recebe muitos turistas, e eles sempre questionavam sobre a falta de lixeiras na comunidade e um local adequado para descartar o lixo”, relembra.
A partir dessa inquietação, começou a articulação com as autoridades municipais para implantar um plano de coleta seletiva. Nessa etapa, Mayris teve um papel fundamental: desenhou à mão um mapa detalhado do projeto em sua comunidade.
O esforço deu resultado. A iniciativa ganhou destaque em uma publicação da UNICEF, agência da ONU dedicada aos direitos de crianças e adolescentes.
Do amor pela natureza ao empreendedorismo de impacto
Depois da primeira experiência bem-sucedida, o vínculo de Mayris com a preservação ambiental se fortaleceu. Foi ao perceber o avanço do desmatamento no mangue — ecossistema que sempre garantiu sustento para sua família — que ela decidiu transformar o cuidado com o território em uma ação contínua.
Foi assim que surgiu o primeiro esboço do projeto que hoje é reconhecido como um dos negócios de impacto social mais relevantes de Alagoas. O Nosso Mangue nasceu da proposta simples de uma jovem que queria fazer a diferença na própria comunidade.
“Na época eu trabalhava com artesanato e estudava no contraturno. Mas eu cheguei para o Seu Eduardo, um barqueiro do bairro, e disse: ‘tenho 50 reais para o senhor me levar no mangue a cada 15 dias para cuidarmos, o senhor topa?’”, conta.
A proposta foi aceita. Durante muito tempo, os dois realizavam a travessia quinzenalmente para cuidar da natureza. Mais do que um compromisso ambiental, aquela rotina se tornou, para ambos, um gesto de gratidão ao ecossistema que sustentava suas famílias.
Esse trabalho seguiu de forma voluntária até que Mayris conheceu o Sebrae e passou a enxergar o projeto como um potencial negócio de impacto. A partir dali, as atividades começaram a ser organizadas com foco na preservação do manguezal e na sustentabilidade financeira da iniciativa.
Mayris continuou se especializando na área e fez cursos voltados ao empreendedorismo, como o Negócios de Impacto pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ) e Gerenciamento e Gestão de Projetos pelo Project Management Institute (PMI-PE). Na área ambiental ela se voltou a estudar sobre Mercado de Carbono pelo Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPE-SP) e em Gestão e Precificação de Carbono pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Atualmente, ela é graduanda em Química e segue se especializando em áreas que fortalecem a sua atuação no campo socioambiental.
Formalizado em 2019, o projeto “Nosso Mangue” passou a oferecer serviços como oficinas educativas, turismo regenerativo, recolhimento de resíduos, compensação das emissões de gases de efeito estufa e o programa “Vozes do Manguezal”, que transforma alunos e moradores da região em embaixadores da preservação ambiental.
Racismo estrutural
Mayris se identifica como uma mulher negra, periférica e integrante da comunidade LGBTQIAPN+. Ela conta que, por carregar essas características, viu muitas portas se fecharem ao longo da vida sob o argumento de que “não correspondia ao perfil esperado de liderança”.
“O racismo estrutural está presente em muitos espaços, inclusive no ecossistema de inovação e investimentos. Não foram poucas as vezes em que precisei reafirmar minha voz e minha visão”, relata.
Embora ainda sinta os olhares de julgamento, Mayris segue firme no propósito de transformar suas dores em força. Reconhece que suas individualidades, tantas vezes questionadas, são, na verdade, motivo de orgulho e a consciência de que sua trajetória abre caminhos para que outras meninas do mangue ocupem espaços com dignidade, potência e pertencimento.
“Hoje, me reconheço como uma mulher que veio do mangue e segue enraizada nele, mas que aprendeu a navegar por outros mundos sem perder a essência”, afirma.
Reconhecimento nacional e internacional
O que começou como uma ação voluntária de cuidado e amor pela natureza ganhou, em pouco tempo, projeção nacional e internacional. O Nosso Mangue se consolidou como um dos primeiros negócios de impacto ambiental de Alagoas. Em 2023, conquistou o prêmio BNDES Garagem — considerada a maior premiação da América Latina para iniciativas com propósito social e ambiental.
A conquista foi um divisor de águas na trajetória da fundadora. A história de Mayris passou a ser contada em reportagens, programas de rádio e jornais de todo o país. O projeto também foi selecionado por programas como o Startup Nordeste, o Geração do Hoje (da FAPEAL) e o programa global da Shell, que apoia soluções sustentáveis em quatro países.
“O prêmio não veio só para mim, veio para mostrar a potência do nosso estado e o quanto só faltam oportunidades para a gente lapidar os diamantes que temos no território”, destaca Mayris, orgulhosa do caminho percorrido.
Entre saberes tradicionais e soluções inovadoras
Hoje, o Nosso Mangue ultrapassa as fronteiras do bairro onde nasceu e projeta soluções ambientais para todo o Brasil. Com um trabalho que une ancestralidade, tecnologia e saber popular, o projeto já impactou diretamente mais de duas mil pessoas e conecta-se a outras oito mil, em sua maioria pescadores artesanais da região da lagoa Mundaú, em Maceió.
A atuação da iniciativa vai além da preservação ambiental. O projeto movimenta a economia local, valoriza cadeias produtivas e fortalece a identidade dos territórios. Para Mayris, o futuro passa por soluções baseadas na natureza e por uma lógica de compensação ambiental que mantenha os recursos circulando dentro das próprias comunidades tradicionais.
“Não adianta ocuparmos novos espaços sem levar conosco a nossa história, as nossas raízes. A lama do mangue é o que me sustenta”, resume. Com essa perspectiva, ela trabalha para consolidar o Nosso Mangue como referência nacional na geração de crédito de carbono em áreas de manguezais, garantindo que a reparação ecológica também beneficie o social e o território.