Por Bruna Sales
No imaginário social, a maternidade ainda vem com manual de abnegação, sacrifício e presença integral. Mas e quando a realidade impõe outro caminho e a mãe opta (ou precisa) deixar os filhos sob a custódia do pai? O que acontece quando a “escolha materna” fere as expectativas sociais?
A resposta, infelizmente, costuma vir em tom de julgamento.
Apesar dos avanços legais em matéria de guarda compartilhada, o peso simbólico do cuidado ainda recai majoritariamente sobre as mulheres. É por isso que mães que deixam os filhos com os pais, mesmo com acordos prévios e por razões legítimas, são frequentemente rotuladas de “egoístas”, “desnaturadas” ou “abandonadoras”. Ainda que essa decisão tenha sido feita com base no que havia de mais amoroso e racional naquele momento.
E se essa mulher estiver adoecida, precisando cuidar de si para voltar a cuidar dos seus filhos com dignidade? E se ela estiver sem condições financeiras mínimas? Ou se decidir estudar fora por um período, com o aval do pai, para garantir um futuro melhor para todos? Será que, nesse contexto, ela ainda é vista como “culpada”?
A verdade é que nem sempre a guarda com o pai representa abandono. Às vezes, é um exercício profundo de amor, confiança e responsabilidade conjunta. Mas a sociedade não costuma perdoar uma mãe que não “ocupa seu posto” como se estivesse em plantão vitalício.
Já vimos pais ausentes por anos voltarem a ser tratados como heróis ao demonstrarem o mínimo. Já as mães, mesmo presentes, são cobradas incessantemente. Quando erram, ou apenas desviam do “roteiro esperado”, são desumanizadas.
O mais grave é que esse julgamento não vem apenas da sociedade: muitas vezes, vem do próprio Judiciário. Juízes e promotores(as) validam narrativas que colocam essas mulheres no banco das rés morais. Suas escolhas são lidas sob a lente da culpa, e não da complexidade.
É nesse ponto que a perspectiva de gênero no Direito de Família se mostra não apenas necessária, mas urgente.
Precisamos aprender a fazer outras perguntas:
Por que pais podem estudar fora do país e ainda serem vistos como responsáveis, enquanto mães são rotuladas de egoístas por fazerem o mesmo?
Por que o cuidado integral materno é visto como dever absoluto, mas o paterno é celebrado como exceção?
Por que seguimos punindo mulheres que escolhem — ou precisam — sair de cena por um tempo, como se isso anulasse o vínculo, o amor e o compromisso?
Essa conversa não é sobre “quem ama mais”. É sobre reconhecer que o amor também pode se expressar pela confiança, pela partilha e até pela ausência temporária. É sobre respeitar os contextos. E, principalmente, é sobre parar de julgar mulheres por não corresponderem a um ideal de maternidade que nunca foi justo.
Sim, há mães que escolhem deixar os filhos com os pais. E muitas fazem isso não por desamor, mas por coragem.
Que possamos, como sociedade, desenvolver maturidade para compreender que a maternidade também pode ser diversa — e que toda escolha feita com responsabilidade, cuidado e afeto merece ser respeitada.