Eu poderia encerrar esse texto aqui, porque ele já diz muito. Mas, infelizmente, diz mais sobre o que ainda precisamos enfrentar do que sobre o elogio em si.
Ano passado, fui contratada como professora de oratória e comunicação para um curso voltado a membros do executivo e legislativo de municípios do interior. Mais de 160 alunos, majoritariamente homens. Cheguei cedo, me posicionei na frente da sala — afinal, eu era a professora, a autoridade da sala, a pessoa cujo rosto estava em toda a divulgação do evento.
Enquanto aguardava os alunos chegarem, um deles se aproximou e pediu para tirar uma foto comigo. Natural. Isso acontece muito nas minhas turmas. Mas foi aí que veio o episódio que não sai da minha cabeça:
Outro homem, ao ver aquele colega vindo tirar a foto, gritou lá de trás:
“EU TAMBÉM QUERO!” — e veio andando na minha direção. Mas não para tirar uma foto comigo.
Ele me entregou o celular, como se eu fosse parte da equipe técnica, e me pediu:
“Bate uma foto minha com ele.”
O amigo, constrangido, respondeu na hora:
“Mas… é com ELA que eu vou tirar foto. ELA é a professora.”
O sujeito, sem graça, respondeu:
“Eita, achei que era ele ali…”, apontando para o rapaz do som, que estava com uma camisa preta escrito STAFF.
Você acha que isso é falta de instrução? Falta de percepção? Não. Isso é cultura. Isso é preconceito estrutural. Isso é violência de gênero no ambiente de trabalho. E, não se engane, isso não escolhe CEP, não escolhe nível acadêmico, nem crachá.
Hoje, mais de um ano depois, voltei para a mesma sala, com mais de 150 pessoas — de novo, majoritariamente homens — para falar sobre oratória, comunicação eficiente e impacto no serviço público.
Ao final, veio o comentário que abre esse texto. Colocar meu nome no mesmo parágrafo que Ariano Suassuna é, sem dúvida, uma honra. Mas não posso deixar de pensar no subtexto que carrego junto: para ser reconhecida como autoridade, como competente, como referência — eu, mulher, precisei ser absolutamente impecável. Precisei ser brilhante.
Enquanto isso, muitos colegas homens podem ser medianos e ainda assim jamais terão sua presença confundida com a do técnico de som.
Falar sobre violência de gênero no ambiente de trabalho não é mimimi, não é vitimismo e nem sobre episódios isolados. É sobre as microviolências que normalizamos todos os dias. É sobre os espaços que ainda nos são negados — às vezes de forma explícita, às vezes no automático de quem não percebe o quanto está atravessado pela cultura do machismo.
É por isso que sigo. É por isso que construí a Sandora, uma plataforma de impacto, que nasceu para ajudar empresas e instituições a olharem para isso de frente. Para que outras mulheres não precisem ser confundidas com qualquer coisa — além de quem de fato são: autoridade, potência e competência.