Um estudo inédito desenvolvido pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal), em parceria com a Universidade do Havaí, identificou a presença de microplásticos em placentas e cordões umbilicais de gestantes alagoanas. Ao todo, o estudo prevê a análise de 205 placentas. Na etapa piloto, foram examinadas amostras de 10 gestantes e em oito delas foram encontrados microplásticos.
Mas o que isso significa? Quais os riscos para a saúde das mulheres e dos bebês? E por que esse achado deve acender um alerta para políticas públicas de saúde e meio ambiente?

Como os microplásticos chegam ao corpo?
A principal via de ingestão de microplásticos (MPs) é a alimentação. Mas não é só isso: o uso de cosméticos com microesferas, o contato com roupas sintéticas que liberam microfibras, o uso de materiais descartáveis e até a inalação de partículas no ar contribuem para a exposição diária a essas substâncias, especialmente entre mulheres em situação de vulnerabilidade.
No Brasil, o problema se agrava com um hábito comum: o consumo de água mineral armazenada em galões plásticos expostos ao sol, o que aumenta significativamente os níveis de ingestão de microplásticos.
Apesar da gravidade do cenário, a regulamentação sobre o tema ainda é incipiente no país. De acordo com Stephanie Ospina-Prieto, pesquisadora da equipe, há apenas propostas regionais em andamento, nenhuma delas com alcance nacional.
“Para resolver esse problema, todo mundo precisa se envolver: cientistas, governo, empresas e sociedade. Precisamos de métodos mais claros, tecnologias acessíveis e regras que funcionem de fato”, afirma.

Mulheres em situação de vulnerabilidade são as mais expostas
Embora toda a população esteja sujeita à ingestão de microplásticos, mulheres em situação de vulnerabilidade social enfrentam um risco ainda maior. A enfermeira Camila Oliveira, integrante da equipe de pesquisa, aponta que a desigualdade financeira é um dos principais fatores que ampliam essa exposição.

“Elas têm menos acesso a alimentos naturais e consomem mais produtos ultraprocessados, o que aumenta a ingestão de microplásticos”, explica. A falta de saneamento básico e o contato direto com ambientes poluídos também elevam o risco.
Para a especialista em saúde pública e epidemiologia Lenira Almeida, a descoberta evidencia duas questões centrais: a relação nociva da sociedade com o meio ambiente — refletida no descarte inadequado de plásticos — e as condições sociais que submetem mulheres a riscos evitáveis.

“Essa exposição é resultado de fatores sociais, econômicos, políticos e culturais que tornam essas mulheres mais vulneráveis. E a verdade é que a saúde e a vida dessas mulheres e de seus bebês ainda não são tratadas como prioridade”, critica.
Lenira também denuncia os obstáculos enfrentados por pesquisadores na divulgação de estudos que afetam interesses de grandes corporações. “É difícil realizar ou publicar pesquisas sobre problemas de saúde pública, porque os resultados ferem interesses políticos e de empresas do setor alimentício, farmacêutico, de agrotóxicos, entre outros”, afirma.
O que os microplásticos podem causar à saúde da mãe e do bebê?

Segundo a pesquisa da Ufal, microplásticos foram encontrados em oito das dez amostras analisadas, tanto na placenta quanto no cordão umbilical. A presença dessas partículas levanta um alerta: elas podem estar atravessando a barreira placentária e atingindo diretamente o feto.
Com base em estudos in vitro e em modelos animais, pesquisadores identificam possíveis riscos para a saúde materno-fetal, como alterações no crescimento do bebê (especialmente no peso), impactos no desenvolvimento neurológico e cardiovascular, além do aumento do fígado. Esses efeitos estariam associados à elevação na produção de radicais livres provocada pela presença das micropartículas.
“Alguns estudos também apontam uma possível relação entre a exposição aos microplásticos e o aumento de casos de parto prematuro”, afirma Isabela Agra, médica obstetra e especialista em medicina fetal.
No entanto, Isabela destaca que ainda são necessárias mais evidências científicas para confirmar essas associações em humanos, sobretudo entre gestantes em situação de vulnerabilidade social. “A pesquisa da Ufal está sendo ampliada e, em breve, teremos dados mais consistentes que podem ajudar a entender melhor como esses resultados impactam mães e bebês a longo prazo”, completa.
Como as gestantes podem se proteger?
Como o tema ainda é relativamente novo, não há um protocolo clínico específico para prevenir a exposição aos microplásticos durante a gestação. No entanto, especialistas apontam algumas medidas simples que podem ajudar a reduzir o risco.
De acordo com a médica Isabela Agra, algumas atitudes no dia a dia podem fazer diferença:
- Evite embalagens plásticas descartáveis, especialmente as que ficam expostas ao sol ou a altas temperaturas;
- Reduza o consumo de alimentos ultraprocessados, que podem conter micropartículas ou ter passado por processos contaminantes;
- Prefira água filtrada em vez de água engarrafada, principalmente se armazenada em galões plásticos;
- Modere o consumo de frutos do mar como moluscos, que são animais filtradores e tendem a acumular microplásticos;
- Descarte corretamente plásticos e outros resíduos, contribuindo para a redução da poluição ambiental.