A partir de novembro, entra em vigor a lei que amplia o direito de mulheres recorrerem ao Sistema Único de Saúde (SUS) para realizar cirurgia plástica reparadora de mama em casos de mutilação, total ou parcial, causada por qualquer motivo. Até então, o procedimento era autorizado apenas para pacientes com câncer de mama.
A mudança, prevista no PL 2.291/2023 e sancionada em 17 de julho, passa a incluir no atendimento do SUS casos benignos que, até então, não eram contemplados. A nova lei também garante acompanhamento psicológico e atendimento multidisciplinar especializado para mulheres que tiveram a mama comprometida em decorrência de técnica cirúrgica.
À Eufêmea, a mastologista Ligia Teixeira, especialista em reconstrução mamária, explica que a ampliação abrange situações como malformações congênitas — entre elas, a síndrome de Poland, que pode causar ausência completa da mama em um dos lados ou grande assimetria —, deformidades provocadas por acidentes, remoção de tumores benignos volumosos que deixem alterações significativas e sequelas de cirurgias plásticas malsucedidas.
Reconstrução como parte do tratamento, não como opção estética

Para a mastologista Ligia Teixeira, a reconstrução mamária não deve ser encarada como um luxo ou algo opcional, mas como parte essencial do tratamento. “É uma etapa fundamental, com impacto incalculável na qualidade de vida, na autoestima e na recuperação emocional. Imagine retirar a mama e voltar para casa sem ela, e compare com quem já retorna com a mama reconstruída. A diferença, do ponto de vista emocional e funcional, é enorme”, afirma.
Ligia ressalta que, para muitas mulheres, a ausência da mama interfere na vida social, na prática de exercícios e até no conforto ao se vestir, situações que podem ser revertidas com a reconstrução.
Segundo a especialista, o ideal é que o procedimento seja realizado, sempre que possível, no mesmo ato cirúrgico da retirada do câncer ou da correção de alguma deformidade.
Quando o procedimento precisa esperar
Há situações em que a reconstrução mamária precisa ser adiada, principalmente quando a paciente não apresenta condições clínicas para suportar uma cirurgia mais extensa. “Quando a reconstrução é imediata, o reflexo psicológico e emocional é muito positivo”, destaca Ligia Teixeira.
Os cuidados após a cirurgia variam conforme o perfil de cada paciente, considerando idade, histórico de doenças como diabetes e a complexidade da intervenção, que pode ir de procedimentos menores a cirurgias de grande porte, com retirada total da mama.
A mastologista também ressalta a importância da fisioterapia oncológica no pós-operatório de qualquer cirurgia para tratamento de câncer de mama. “Sempre que possível, recomendo que a paciente tenha acesso à fisioterapia, porque isso faz toda a diferença na recuperação funcional e no retorno às atividades”, afirma.
Medo de perder sensibilidade e riscos da cirurgia

A mastologista Carolina Fioretto Torres, especialista em cirurgia oncoplástica e reconstrução mamária e coordenadora do Programa Ame-se, em Alagoas, explica que uma das principais preocupações das pacientes é a perda de sensibilidade após a cirurgia.
Segundo ela, a região de maior inervação da mama está na aréola, no mamilo e nas áreas próximas à pele. “Quando o tumor está distante dessas regiões, a preservação da sensibilidade é mais provável”, afirma.
No entanto, quando é preciso intervir no complexo aréolo-papilar, seja para retirada do tumor ou simetrização da outra mama, o impacto é inevitável e não há muito o que fazer além de evitar essas áreas sempre que possível.
Carolina explica que os riscos também variam conforme o porte do procedimento e as condições de saúde da paciente. “Cirurgias menores têm menos risco, cirurgias maiores têm mais risco. Pacientes saudáveis, com peso adequado e menos de 65 anos são as que têm menos chance de complicações”, resume.
Para ela, a reconstrução mamária é muito mais do que estética. As mamas representam parte importante da identidade corporal feminina, e o procedimento tem efeito direto na autoimagem e na qualidade de vida.
De acordo com a especialista, é quase como se esse período ruim tivesse uma compensação. A paciente que tem acesso à reconstrução de mama enfrenta esse momento da vida com mais facilidade e menos traumas psicológicos e corporais. “Sem a reconstrução, as cicatrizes muitas vezes são mutiladoras, lembrando diariamente todo o sofrimento.”
Desafios do SUS para atender à nova demanda
Apesar da ampliação prevista na nova lei, Carolina afirma que o SUS ainda não está preparado para absorver toda a demanda. Segundo ela, apenas cerca de um quarto das pacientes têm acesso à reconstrução imediata, apontada por especialistas como a abordagem ideal.
“Muitos centros oncológicos não contam com equipes capacitadas para realizar a cirurgia no mesmo ato cirúrgico, nem com os materiais necessários, como próteses, expansores, drenos e instrumentais adequados.”
Sobre os casos de mutilações antigas, Carolina ressalta que a complexidade é maior. “A pele já tem menos elasticidade, muitas vezes falta pele, principalmente nas mastectomias. Nesses casos, podemos precisar trazer pele de outros locais ou realizar cirurgias que estiquem o tecido antes da reconstrução definitiva.”
Ela acrescenta que, nas reconstruções tardias, há limitações no resultado, já que nem sempre é possível imitar perfeitamente a mama contralateral e as próteses não têm a mesma forma da mama natural.
Programa Ame-se amplia atendimento
O Programa Ame-se, iniciativa do Governo de Alagoas por meio da Secretaria de Estado da Saúde (Sesau), tem transformado a vida de mulheres que enfrentam o câncer de mama. Com foco na reconstrução mamária, a estratégia oferece suporte para quem já concluiu o tratamento oncológico e busca recuperar a autoestima.
Coordenadora do projeto, a mastologista Carolina Fioretto Torres explica que a ação começou voltada para reconstruções tardias em pacientes que passaram por mastectomia, mas foi ampliada. “Hoje também atendemos pacientes que fizeram cirurgia conservadora e tiveram impacto estético na mama”, diz.
Segundo ela, nesses casos, é possível realizar tanto a reconstrução quanto, quando necessário, a simetrização da outra mama. A paciente só recebe alta quando está satisfeita com o resultado. “Já tivemos casos de quatro, cinco, seis cirurgias até a alta”, conta, acrescentando que não há limite para intervenções, desde que haja possibilidade de melhora e condições clínicas para operar.