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Copa das Rachas transforma quadras do Pontal da Barra em espaço de resistência feminina

O barulho da torcida, a bola rolando e a quadra tomada por mulheres que decidiram ocupar um espaço por muito tempo negado a elas. A Copa das Rachas, realizada no Pontal da Barra, em Maceió, vai além de um torneio de futsal: é o encontro de gerações que se fortalecem no esporte e transformam o futebol em território de liberdade e pertencimento.

Idealizada pelo Ateliê Ambrosina, a competição nasceu em 2019 e, desde então, se consolidou como espaço de convivência, resistência e visibilidade para o futebol feminino local. Mais que um campeonato, a Copa das Rachas tornou-se um marco de afirmação em meio a um cenário ainda marcado pelo preconceito e pela exclusão de mulheres no esporte.

Da ideia à realização

À Eufêmea, Ticiane Simões, diretora e fundadora do Ateliê Ambrosina, explicou que a Copa surgiu de forma orgânica, a partir das atividades desenvolvidas pela Casa Ambrosina. O coletivo já oferecia oficinas de arte, cultura e esporte e buscava dar às alunas de futsal um momento de culminância, assim como acontecia em outros cursos.

Ticiane Simões/ Foto: @biah_854

“Assim como no teatro tínhamos a apresentação de um espetáculo no fim do ano, pensamos em uma atividade para marcar o encerramento da turma de futsal. Foi em uma discussão coletiva que surgiu a ideia de um campeonato só de mulheres, que não fosse profissional, mas que tivesse a cara das jogadoras que participavam do projeto. Nasceu, então, a Copa das Rachas”, relembra.

Desde o início, o torneio se estruturou como um espaço aberto. Podem participar mulheres de diferentes idades, experiências e trajetórias de quem já passou por clubes profissionais a quem nunca tinha pisado em uma quadra oficial.

“Não aceitamos inscrições de times profissionais, mas muitas jogadoras que já atuaram profissionalmente se inscrevem com amigas ou formam equipes mistas. Isso permite que jogadoras de diferentes níveis dividam a mesma quadra. É um espaço para confraternizar e resistir, não para separar”, completa Ticiane.

Entre resistência e acolhimento

Foto: @‌ju.barretto

A Copa das Rachas já contou com edições em 2019, 2021 e 2023, e deve retornar no fim de 2025. Para além das quadras, o torneio tem transformado a relação da comunidade do Pontal da Barra com o futebol feminino.

Ticiane lembra que o bairro é tradicional e conservador, o que trouxe desafios iniciais. “O Pontal é um bairro muito religioso e militarizado. No começo, houve resistência. Mas, com o tempo, as famílias passaram a acompanhar os jogos, torcer pelas meninas. Hoje já entendem que o projeto é um espaço seguro e necessário para quem gosta de jogar bola.”

Segundo ela, o evento não busca grandes proporções, mas cumpre um papel fundamental: “Não temos a pretensão de ser referência para a cidade inteira. Nossa ambição é criar lugares onde nos sentimos acolhidas. Projetos como a Copa das Rachas nascem das nossas necessidades reais e, por isso, alcançam tantas outras pessoas que também sentem essa falta.”

“O futebol é o protagonista”

Entre acolhimento e pertencimento, a Copa das Rachas se consolidou como uma iniciativa que une esporte, cultura e resistência. “O futebol é o protagonista. No fim dos jogos, sobra uma grande batucada, uma celebração coletiva. É nesse encontro que a gente se fortalece para seguir no ano seguinte”, resume Ticiane.

De acordo com ela, no Pontal da Barra, as quadras se transformaram em palco de celebração e luta. Ali, cada gol representa mais do que um ponto no placar: é a confirmação de que o futebol também é das mulheres, em todas as suas formas.

Organização e crescimento

Quem hoje está à frente da preparação do time da casa é Milenna, 23 anos, estudante de Educação Física e coordenadora administrativa do Ateliê Ambrosina. Ela começou em 2019 como atleta e, ao longo dos anos, assumiu funções de monitora, professora e organizadora.

“É uma honra treinar o Ambrosina no campeonato que a gente mesma idealizou. Sempre quis comandar um time feminino e aqui tive essa chance. Durante o ano participamos de amistosos, mas a Copa das Rachas é o grande momento, o campeonato mais esperado”, afirma.

O processo de inscrição e sorteio dos grupos também faz parte da experiência coletiva. “Abrimos inscrições, divulgamos o regulamento, fazemos uma conferência para sorteio das chaves e esclarecimento de dúvidas. No dia, a quadra do Pontal da Barra recebe os jogos de manhã até a noite. É um domingo inteiro de futebol, torcida, emoção e premiação. Cobramos apenas uma taxa simbólica para custear a estrutura.”

Para Milenna, a principal diferença entre um racha comum e a Copa está no clima que se cria: “Nos rachões, jogamos de forma mais descontraída. Na Copa, existe toda a preparação, o espírito competitivo saudável e a sensação de estar disputando um campeonato de verdade. Isso mexe com todas nós, cria um sentimento coletivo de realização.”

Vivência de quem joga

Para as atletas, a Copa também cumpre papel essencial. Roberta Barbara, 18 anos, conheceu o torneio em 2022 e desde então marca presença.

Roberta Barbara/ Foto: @‌ju.barretto

“Foi uma experiência boa. Sempre joguei com mulheres mais velhas e aqui encontrei um espaço para me conectar com outras. O campeonato ajuda cada uma a se conhecer e mostra que existe futebol feminino, que precisa ser valorizado e livre de preconceito”, afirma.

Acostumada a participar de campeonatos e amistosos, Roberta destaca que a Copa tem um diferencial: “Ainda existe muito julgamento quando mulheres jogam bola. Mas há mulheres que jogam melhor que muitos homens. Aqui, o espaço é aberto: cis, trans e LGBTQIA+. Joga quem quer e quem sabe.”

“Não sintam vergonha de jogar. Eu também tive, mas aprendi errando. É errando que se aprende”, conclui.

Ateliê Ambrosina: artivismo e pertencimento

Fundado em 2018, o Ateliê Ambrosina nasceu em Maceió como um coletivo de pesquisadoras, artistas e empreendedoras que usam arte e ativismo (artivismo) para promover igualdade de gênero. A proposta é construir espaços de criação e resistência feminista interseccional, em diálogo com diferentes corpos, sexualidades e trajetórias.

Foto: @‌ju.barretto

Entre os projetos já realizados estão oficinas de artes visuais, música, teatro, cinema e esporte, sempre com a perspectiva de fortalecer mulheres cis e trans em seus territórios. “Cada vez que entro no Ateliê, sinto a leveza tomar conta de mim. A ansiedade dá lugar à paz e à sensação de pertencimento”, conta Alyce Bárbara, 21 anos, participante desde 2019.

A atuação da Ambrosina já se desdobrou em iniciativas como a Casa Ambrosina, que funcionou no Pontal da Barra entre 2018 e 2022 com apoio da Fundação ROHFC, do Canadá. Também deu origem a projetos como Bolacha com Café – Artivismo Lésbico em Maceió, Bumba Minha Vaca, Retratos Defiças, além de eventos coletivos como o Slam das Minas, a competição de sinuca Tacada das Bruxas e a própria Copa das Rachas.

Para quem frequenta, o espaço vai além das oficinas e eventos: é um lugar de acolhimento. “A Ambrosina é como um abraço constante: me ensina, me fortalece e me lembra do poder que existe em estar junto”, resume Alyce.

Assim, o Ateliê se tornou um território de criação, afeto e resistência em Maceió. “Enquanto existir, estarei presente e comprometida. Porque ele não é apenas um lugar, é parte de quem eu sou”, completa Alyce.

Foto de Rebecca Moura

Rebecca Moura

Jornalista formada pela Universidade Federal de Alagoas e colaboradora no portal Eufêmea, conquistou o primeiro lugar no Prêmio Sinturb de Jornalismo em 2021. Em 2024, obteve duas premiações importantes: primeiro lugar na categoria estudante no 2º Prêmio MPAL de Jornalismo e segundo lugar no III Prêmio de Jornalismo Científico José Marques Melo.
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