Um projeto de lei apresentado na Câmara de Maceió pelo vereador Leonardo Dias (PL) busca proibir qualquer forma de acompanhamento para adolescentes trans: de bloqueadores hormonais a psicoterapia. É um texto que, sob o pretexto de “proteger”, retira direitos, viola a Constituição e colide com a melhor evidência científica. E, pior, coloca jovens já vulnerabilizados em maior risco.
A proposta busca proibir a realização de qualquer procedimento médico, cirúrgico ou terapêutico voltado à transição de gênero de pessoas menores de 18 anos (incluindo o uso de bloqueadores hormonais, hormonoterapia, intervenções cirúrgicas e até mesmo acompanhamento psicológico ou psiquiátrico) em unidades de saúde públicas ou privadas do município. Além disso, prevê multa de R$ 50 mil para instituições e a cassação do alvará de funcionamento de estabelecimentos que ofereçam suporte a esses adolescentes.
Na justificativa, o vereador afirma: “O presente projeto de lei tem como objetivo proteger crianças e adolescentes de intervenções médicas e psicológicas que possam causar impactos irreversíveis em seu desenvolvimento físico e mental, assegurando que decisões desse porte sejam tomadas apenas após a maioridade, quando o indivíduo já possuir maturidade suficiente para avaliar as consequências de maneira consciente.”
(Leia a reportagem da Mídia Caeté sobre isso)
Tá, mas você deve está se perguntando: o que isso realmente significa?
Caso seja aprovado, esse PL significa, na prática, criminalizar o cuidado. Jovens que hoje já enfrentam altos índices de depressão, ansiedade e risco de suicídio seriam privados de acompanhamento básico. Famílias que buscam apoio em meio ao sofrimento de seus filhos ficariam desamparadas. Profissionais de saúde passariam a atuar sob ameaça de punição, o que empurraria muitos atendimentos para a clandestinidade.
Ou seja: em vez de proteger, o projeto amplia o isolamento e a dor de adolescentes que precisam, mais do que nunca, de acolhimento.
A vereadora Teca Nelma (PT) gravou um vídeo e publicou nas redes sociais, afirmando que o PL é inconstitucional. A Constituição Federal garante, no art. 196, que saúde é direito de todos e dever do Estado. O art. 227 assegura prioridade absoluta à proteção de crianças e adolescentes. Isso significa que nenhuma lei municipal pode restringir o acesso a tratamentos de saúde definidos por diretrizes nacionais do SUS e pelos conselhos profissionais.
Outro ponto que é super importante e que precisa ser trazido aqui: o Conselho Federal de Psicologia (CFP), por meio da Resolução nº 01/2018, determina que profissionais não podem patologizar identidades trans e devem oferecer acompanhamento ético, acolhedor e não discriminatório. Isso inclui garantir espaço de escuta, cuidado e fortalecimento emocional para adolescentes e famílias.
“Ah, mas um adolescente menor de 18 anos não pode passar por esses tratamentos”
Essa fala ignora que, no Brasil, nenhum adolescente inicia procedimentos irreversíveis sem autorização médica, acompanhamento multiprofissional e consentimento da família. O que existe, na maioria dos casos, é o uso de bloqueadores hormonais, que são reversíveis e servem justamente para dar tempo ao jovem decidir com segurança sobre seu futuro.
Além disso, o acompanhamento psicológico não é um “tratamento para transição”, mas sim uma forma de acolher, reduzir sofrimento e fortalecer a saúde mental. Ou seja, não se trata de “permitir que adolescentes façam cirurgias”, mas de garantir cuidado ético e responsável para que adolescentes não enfrentem sozinhos os impactos da violência e da exclusão.
No fim, o que quero saber é: os pais e adolescentes foram ouvidos? O problema é que, mais uma vez, um político acredita que sabe o que é melhor para corpos e vidas que não são os dele, sem escuta, sem diálogo, sem base científica e sem considerar quem de fato vive essa realidade.
Legislar sem ouvir é transformar opinião em política pública e isso não protege ninguém, apenas reforça violências já existentes.