Foto: Lalesca Moreira/Arquivo Pessoal
A tentativa de feminicídio acontece quando uma mulher é atacada com intenção de ser morta por razões de gênero, mas a morte não se consuma por circunstâncias como socorro médico, intervenção de terceiros ou erro na execução. Apesar disso, a falta de clareza na identificação desses casos faz com que muitas ocorrências ainda sejam registradas como violência doméstica ou lesão corporal grave, o que dificulta a responsabilização adequada dos agressores.
Segundo a advogada criminalista Lalesca Moreira, a tentativa se configura quando o autor do crime utiliza meios capazes de interromper a vida da vítima, como armas, sufocamento ou golpes fatais, mas, por alguma circunstância, a morte não aconteceu.
Ainda de acordo com a advogada, é importante ressaltar que, embora nem toda situação de violência doméstica constitua a tentativa de feminicídio, em muitos casos, ela funciona como um sinal de alerta para situações que podem escalar para algo mais grave.
Como comprovar a tentativa de feminicídio?
Já que o dolo, ou seja, a intenção do agressor, é o principal critério para diferenciar o crime de feminicídio de lesão corporal, a juíza Naiara Brancher, titular do Juizado de Violência Doméstica de Florianópolis, explica que observar características como a intensidade das lesões, a forma como elas foram produzidas, as circunstâncias do crime e as características do local são fundamentais para chegar à conclusão da tentativa de feminicídio.

Ela conta que o relato da vítima também é essencial para o julgamento. “Muitas vezes os crimes cometidos no ambiente doméstico não têm testemunhas”, diz.
Para garantir que a mulher seja ouvida, o Conselho Nacional de Justiça determina que todos os magistrados e magistradas utilizem o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero.
Além do relato da vítima, outras provas, como laudos periciais, registros de medidas protetivas, boletins de ocorrência anteriores e mensagens e áudios em redes sociais, podem evidenciar uma ameaça. A intenção é atestar, durante o processo, que o agressor não tinha apenas a intenção de ferir.
“Mesmo que não haja uma confissão explícita, os indícios do padrão de violência e da dinâmica de poder vivida pela vítima são suficientes para caracterizar o feminicídio tentado”, afirma Lalesca Moreira.
Psicologia forense: solução para falta de provas físicas

E quando a tentativa de feminicídio não deixa marcas físicas? Em um cenário como esse, o setor de psicologia forense, disponível em alguns estados do país, é importante para atestar que a mulher foi vítima de uma tentativa de feminicídio.
Em casos assim, Laura Cavalcante, perita criminal da Polícia Científica do Rio Grande do Norte, esclarece que é utilizada a psicologia forense. É feita uma entrevista semiestruturada com a vítima e, a partir da análise das respostas, é possível colher vestígios imateriais.
“A partir de alguns protocolos da psicologia investigativa, é possível apontar se aquela mulher tem danos psíquicos provenientes da violência doméstica”, comenta Laura. Com essa identificação, aliada a outras provas periciais e à conduta do acusado, é possível estabelecer um nexo causal que aponte para a tentativa de feminicídio.
Sinais de alerta para risco de feminicídio
As especialistas também alertam para sinais que podem ser percebidos e que, muitas vezes, precedem a tentativa de feminicídio. Agressões físicas, isolamento social, comportamentos controladores, ameaças explícitas ou implícitas e atitudes possessivas e de ciúme extremo são alguns dos indícios de que a mulher precisa buscar ajuda. “Estudos mostram que, em muitos casos de feminicídio consumado, havia um histórico claro de escalada da violência”, ressalta Lalesca.
Para evitar o pior cenário, a mulher pode solicitar uma medida protetiva de urgência. Assim, a Justiça determina que o agressor se afaste do lar e não faça qualquer tipo de contato com a vítima. A medida também pode determinar a remoção de conteúdos ofensivos das redes sociais.
Com esse primeiro passo, a denunciante passa a ter acesso à rede de proteção estabelecida pela Lei Maria da Penha, que inclui rondas da polícia, acesso ao botão do pânico e a determinação de que o agressor frequente grupos reflexivos para autores de violência.
“Em alguns estados, até 80% das vítimas de feminicídio não tinham medidas protetivas”, diz a juíza Naiara. Ela reforça que perceber-se dentro de uma situação de violência e buscar ajuda é essencial para garantir acesso às redes de proteção.