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O perigo que cresce em silêncio: especialistas alertam para os transtornos alimentares

A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) estima que mais de 70 milhões de pessoas no mundo convivam com algum tipo de transtorno alimentar (TA). No Brasil, o número chega a 15 milhões de pessoas, segundo o psiquiatra Táki Cordás, coordenador do Programa de Transtornos Alimentares do Hospital da Universidade de São Paulo (USP). Entre os diagnósticos, a bulimia nervosa e a compulsão alimentar estão entre os mais comuns.

A pesquisa realizada em 16 países, incluindo o Brasil, revela que um em cada cinco jovens de 6 a 18 anos tem algum transtorno alimentar e, entre as mulheres, a proporção chega a um terço.

Comportamentos de risco disfarçados de hábitos saudáveis

Ações como compensar calorias ou seguir dietas restritivas são alguns dos exemplos que Ana Luisa Seixas, psicóloga especializada em transtornos alimentares, considera problemáticos. Ela explica que esses comportamentos são compartilhados e normalizados na sociedade, o que dificulta que a pessoa com o transtorno perceba o problema e busque ajuda.

Ana Luisa. Foto: Cortesia à Eufêmea

“A vergonha e a culpa associadas à imagem corporal também levam o indivíduo a adotar comportamentos não saudáveis de forma silenciosa, como vômitos, restrição severa, jejum ou episódios de compulsão”, diz.

Em alguns casos, a anorexia pode ser considerada uma doença egossintônica, ou seja, a perda de peso e a restrição alimentar são vistas pela pessoa como algo desejável e positivo.

“A desnutrição também prejudica a percepção corporal, exacerba distorções e altera circuitos neurais de recompensa. Mesmo quando o peso atinge níveis perigosos, o indivíduo pode não reconhecer sua condição como doença”, explica Patrícia Fortes, doutora em Nutrição pela UFBA e pesquisadora de transtornos alimentares.

Patrícia Fortes. Foto: Cortesia à Eufêmea

Entre as consequências, a desnutrição é a mais predominante, levando à perda de massa muscular e óssea. Arritmias, pressão baixa, desequilíbrios hormonais e complicações gastrointestinais e dentárias também estão entre os danos deixados pelos transtornos. O diagnóstico correto é fundamental para evitar tratamentos tardios.

Quais são os sinais dos transtornos alimentares

Em muitos casos, é difícil diagnosticar o transtorno alimentar porque a pessoa que precisa de ajuda não reconhece que está doente. Por isso, a observação de amigos e familiares sobre mudanças de comportamento pode ser essencial.

A nutricionista Fernanda Rodrigues explica que os sintomas variam conforme o tipo de transtorno, mas alguns sinais em comum ajudam a identificar. Entre eles estão mudanças bruscas no padrão alimentar (restrição ou compulsão severa), obsessão por calorias, peso e exercícios físicos.

Nos sintomas físicos, ela destaca queda de cabelo, pele seca, fraqueza, fadiga, desmaios, alterações menstruais e infertilidade. Já entre os sinais mentais, ansiedade, irritabilidade, depressão e isolamento social são recorrentes.

Como é feito o diagnóstico clínico

A detecção precoce deve ser feita por um profissional de saúde e envolve uma avaliação clínica detalhada, com entrevistas sobre hábitos alimentares, exames físicos e uso de critérios diagnósticos específicos.

“Devemos esclarecer que o tratamento é multidisciplinar, incluindo psicoterapia, acompanhamento nutricional individualizado e suporte médico para tratar as possíveis complicações”, explica a nutricionista.

Em casos mais graves, a internação hospitalar pode ser necessária para garantir a recuperação.
Durante o tratamento, podem ser indicados antidepressivos para lidar com sintomas de depressão e ansiedade.

“Devemos salientar que o apoio familiar e social é essencial para a adesão e sucesso do tratamento”, reforça.

A pressão social como gatilho

Embora os transtornos alimentares atinjam todas as pessoas, as mulheres são mais suscetíveis a desenvolver algum tipo de TA, especialmente anorexia e bulimia nervosa.

Segundo Patrícia Fortes, os critérios para o diagnóstico envolvem fatores biológicos, psicológicos e sociais. Alguns estudos indicam ainda predisposição genética e neurobiológica no sexo feminino.

“Historicamente, estruturas como a mídia e a moda foram, e são, influentes em estabelecer o que é o corpo ideal, ajudando a instituir padrões de beleza inalcançáveis para a maioria”, ressalta Patrícia.

A pesquisadora também cita perspectivas do movimento feminista que ajudam a compreender como a pressão sobre a imagem corporal feminina atua como um mecanismo de controle social. Esse controle gera estigmas em torno do peso corporal e comportamentos alimentares de risco.

De acordo com Ana Luisa Seixas, a sociedade ainda associa magreza à beleza e ao sucesso, especialmente entre mulheres.

“Desde cedo são feitos comentários sobre a imagem das meninas, sobre como elas deveriam aparentar, sobre o corpo que têm e sobre como não podem se portar. Isso impacta fortemente a relação que elas constroem com o corpo”, diz.

Ela acrescenta que a repreensão constante dos hábitos alimentares desde a infância cria uma relação de sofrimento com a comida e constrangimento com o corpo. “Essa influência ambiental é um fator de risco para o desenvolvimento de TAs”, afirma.

Efeito das redes sociais na percepção corporal

Nutricionista Fernanda Rodrigues. Foto: Cortesia à Eufêmea.

Segundo a nutricionista Fernanda Rodrigues, as redes sociais são o maior gatilho para o surgimento e manutenção dos transtornos alimentares. Esses espaços promovem padrões irreais de beleza e intensificam a comparação social, especialmente entre os mais jovens.

“O contato constante com imagens editadas faz com que adolescentes e jovens internalizem esses padrões como normais, aumentando a insatisfação com o próprio corpo e aparência”, afirma Fernanda.

Ela alerta que os algoritmos priorizam conteúdos sobre aparência, criando um ciclo de comparação permanente.

“Pessoas com baixa autoestima e perfeccionismo são especialmente vulneráveis, podendo adotar dietas restritivas, exercícios excessivos e até compulsões alimentares”, diz.

Para Ana Luisa Seixas, é necessário que as plataformas assumam responsabilidade sobre os conteúdos que divulgam e incentivem debates sobre os riscos do consumo excessivo de material relacionado à imagem corporal.

Um risco para todas as idades

A infância e a adolescência são períodos de maior vulnerabilidade ao meio cultural. Além das mudanças corporais, é nessa fase que se formam os mecanismos psicológicos de enfrentamento da pressão social sobre corpo e aparência, explica Patrícia Fortes.

“Pesquisas mostram que crianças e adolescentes expostos ao fat talk — conversas que expressam insatisfação ou críticas ao corpo — têm maior tendência a internalizar julgamentos negativos sobre o próprio peso e desenvolver percepção de menor valor pessoal”, diz.

A pesquisadora alerta que, embora a maioria dos transtornos alimentares comece antes dos 25 anos, eles continuam sendo relevantes na vida adulta.

Um estudo representativo dos Estados Unidos, publicado na revista JAMA em 2019, estima que 19,7% das mulheres que desenvolvem TA continuam com o transtorno até os 40 anos.

No Brasil, embora as pesquisas ainda sejam limitadas, os dados seguem a tendência global, com prevalência significativa entre mulheres adultas.

“Esses achados desafiam a visão de que os transtornos alimentares são condições da adolescência e reforçam a importância de estratégias de rastreamento e tratamento direcionadas também à população adulta”, diz.

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