Foto: Freepik
Quando a pensão alimentícia atrasa, muitas mães se veem diante de um dilema: insistir no diálogo com o pai da criança ou acionar a Justiça. O medo de desgastar ainda mais a relação, somado à falta de informação sobre como o processo funciona, faz com que muitas deixem de buscar um direito que pertence aos filhos. Afinal, a pensão alimentícia garante mais do que comida: ela representa o sustento e o bem-estar da criança e do adolescente.
À Eufêmea, a advogada Lavínia Cavalcanti, professora da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e especialista em Direito de Família, explica que a Justiça considera inadimplente qualquer atraso, mesmo que seja de apenas um dia.

“No dia seguinte ao vencimento, a pensão já é considerada em atraso, e a mãe pode pedir a prisão do devedor. Não é necessário esperar tempo algum, já que está em risco o bem-estar da criança ou do adolescente”, afirma.
Segundo Lavínia, o primeiro passo é reunir documentos que comprovem a obrigação e o não pagamento, como sentença ou acordo judicial, além de extratos bancários. Esse processo pode ser feito diretamente com advogado particular ou via Defensoria Pública, sem necessidade de passar antes pelo Ministério Público.
Sobre as consequências, a especialista lembra que a prisão civil só é concedida para dívidas recentes, referentes aos três últimos meses, ou para parcelas vencidas durante o processo. Para dívidas antigas, a cobrança é possível, mas sem prisão.
Prisão não é a única consequência
Além da prisão, a Justiça pode adotar outras medidas para pressionar o devedor. É possível determinar bloqueio de contas bancárias, penhora de bens, desconto em folha de pagamento, retenção de valores do FGTS e da restituição do Imposto de Renda.
Também se admite a inclusão do devedor em cadastros de inadimplência, protesto em cartório, suspensão de passaporte e carteira de motorista, bloqueio de milhas aéreas e até de criptomoedas, se forem identificadas.
A advogada cita uma lista das possíveis consequências:
- “Teimosinha”, que é um bloqueio diário das contas do devedor;
- Bloqueio no uso de aplicativos como iFood, Netflix e Uber;
- Suspensão da carteira de motorista e do passaporte;
- Inclusão do nome do devedor no SPC/Serasa;
- Protesto em cartório do devedor;
- Instauração de inquérito policial para investigar crime de abandono material;
- Bloqueio de criptomoedas, se forem encontradas;
- Bloqueio de milhas;
- Quando o devedor for empresário, possibilidade de pedir a desconsideração da personalidade jurídica inversa, fazendo com que a empresa pague a pensão alimentícia;
- Possibilidade de concessão do “pix pensão”, um pix recorrente descontado automaticamente das contas do devedor todos os meses;
- Outras medidas que podem ser solicitadas pela advogada ou advogado a qualquer tempo, sempre que houver indícios de que o devedor tem condições de pagar.
Para Lavínia, a Justiça deve usar com criatividade os mecanismos disponíveis, de acordo com cada caso. Ela defende, inclusive, a criação do chamado “pix pensão”, que permitiria desconto automático do valor diretamente das contas do devedor, evitando atrasos.
Formalizar o direito

Se Lavínia chama atenção para a rapidez com que o atraso pode ser levado ao Judiciário, a advogada Manuela Gatto, especialista em Direito de Família e Sucessões e conselheira federal da OAB/AL, reforça a importância da formalização.
Ela explica que, quando não há decisão judicial ou acordo homologado, é preciso ingressar com uma ação de alimentos na Vara de Família. “Essa ação pode ser proposta pela mãe, pai ou representante legal do menor, e deve demonstrar a necessidade do filho e a possibilidade econômica do responsável”, detalha.
De acordo com Gatto, a ação deve reunir documentos como certidão de nascimento, comprovante de residência, comprovantes de despesas, eventuais provas da renda do alimentante e, se já houver, decisões anteriores sobre guarda ou separação. Caso exista acordo ou sentença e o pagamento não esteja sendo cumprido, basta juntar os registros dos atrasos para propor a execução de alimentos.
“O essencial é não esperar, porque cada parcela atrasada compromete diretamente o bem-estar da criança”, aconselha a advogada.
O que está incluído na pensão
A advogada lembra ainda que a pensão não se limita à comida. Ela deve abranger moradia, saúde, educação, lazer, transporte, vestuário e demais necessidades essenciais da criança ou do adolescente. Em outras palavras, a pensão deve garantir que o filho cresça com dignidade e dentro do padrão de vida compatível com a família.
Outro ponto prático é a diferença entre o pai assalariado e o autônomo ou empresário. Quando há carteira assinada, o juiz pode determinar desconto direto em folha, o que assegura mais estabilidade para o recebimento. Já quando o responsável trabalha por conta própria ou administra negócios, a fixação pode ser em valor fixo ou em percentual sobre rendimentos, o que torna a fiscalização mais difícil.
“Nesses casos, a Justiça pode recorrer a investigações bancárias e patrimoniais. Também pode aplicar a chamada teoria da aparência, que considera sinais de riqueza, como carros, viagens e imóveis — inclusive exibidos em redes sociais”, explica Manuela.
Pagamento parcial também gera dívida
Manuela alerta que o pagamento parcial não elimina a dívida. Se o pai deposita apenas uma parte do valor, o restante continua sendo cobrado judicialmente. Caso o atraso envolva as três últimas parcelas ou aquelas que vencerem durante a execução, ainda existe a possibilidade de prisão civil.
Por fim, a advogada destaca que muitas mães têm receio de entrar na Justiça com medo de piorar o relacionamento com o pai da criança. Mas, segundo ela, essa visão é equivocada.
“A pensão alimentícia não é um favor do pai, é um direito da criança. Recorrer ao Judiciário não significa criar conflito, mas proteger os filhos. A mãe não deve sentir culpa, porque está apenas cumprindo seu papel de zelar pelo futuro e pela dignidade da criança”, conclui.