Durante muito tempo, dizer que “queria ser paga” soava quase como um pecado. Como se o dinheiro, quando pronunciado por uma mulher, viesse acompanhado de ambição, egoísmo ou falta de vocação. Quantas vezes você já ouviu alguém dizer, sobre uma mulher que afirmou “eu sou cara”, que ela “se acha”?
Ainda hoje, persiste a ideia de que a mulher precisa trabalhar por favor, por dom, por cuidado ou por amor. E que, por isso, não deve cobrar nada. Eu não quero, e não aceito esse lugar.
Quando a Eufêmea nasceu, há cinco anos, eu acreditava que seria um espaço para ajudar mulheres por meio da informação. Não pensava em ganhar nada. Mas, poucos meses depois, entendi que não dá para sustentar esse propósito sem investimento, sem grana, sem dinheiro. Eu precisei desconstruir muita coisa dentro de mim e entender que, se este é o meu trabalho, eu preciso ser paga e valorizada por ele.
Falar sobre mulheres, com profundidade e responsabilidade, custa. Custa tempo, energia, equipe, deslocamento, internet, luz, saúde mental. Custa existir. E o que mais me marcou nesse processo foi perceber como o trabalho feito por mulheres, especialmente quando fala sobre mulheres, ainda é tratado como um favor, um ato de boa vontade ou de militância gratuita.
Ouvi muitas vezes: “Mas você faz porque acredita, né?”, como se acreditar bastasse para pagar boletos, manter colaboradora, contratar gente, investir em estrutura. Como se fé e propósito pudessem substituir o valor do trabalho.
E eu acreditei por um tempo. Acreditei que bastava amor, que bastava propósito. Mas amor e propósito não pagam salário, não sustentam jornalismo, não alimentam equipe. A Eufêmea só continuou porque, mesmo com todos os desafios, eu aprendi a dizer o que tantas mulheres têm medo de dizer: meu trabalho tem preço.
A romantização do “fazer por amor” é uma das formas mais sutis de manter as mulheres na escassez. É o mesmo discurso que dizia às nossas avós que cuidar era vocação e não profissão; que ser dedicada era obrigação, não escolha. É o mesmo sistema que lucra com a nossa entrega e nos chama de ingratas quando pedimos retorno.
Eu não quero que a Eufêmea sobreviva apenas de boa intenção. Eu quero que ela prospere e prospere com mulheres sendo pagas pelo que fazem. Porque cada texto, cada vídeo, cada entrevista tem um custo invisível que o público muitas vezes não vê: o emocional, o técnico, o criativo.
A verdade é que empreender sendo mulher, jornalista e nordestina é atravessar o tempo inteiro o abismo entre o que as pessoas dizem valorizar e o que realmente estão dispostas a pagar. Mas eu continuo acreditando: agora com os pés mais firmes no chão.
Homens raramente são convidados a trabalhar de graça “porque vai ser bom para o portfólio”. O que para eles é carreira, para nós é “jeitinho”, “missão”, “serviço”. Querem que sejamos apaixonadas pelo que fazemos, mas não aceitam que a paixão também cobre. Querem o nosso texto, a nossa escuta, a nossa sensibilidade, o nosso tempo, o nosso olhar e, de preferência, sem custo.
Eu quero ser paga pelo que faço. Porque por muito tempo disseram que bastava eu amar o que fazia e foi assim que tantas de nós adoeceram tentando transformar paixão em sobrevivência.
Hoje, o amor continua, mas ele vem junto com boleto, com contrato, com nota fiscal e com limite. Porque a luta das mulheres também é essa: aprender a cobrar o que o mundo sempre tentou chamar de favor.