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As renúncias invisíveis da maternidade

Eu poderia começar este texto falando sobre amor, afinal, se tem algo que a nossa cultura sempre associa é maternidade e amor. Mas para começar essa coluna, vou além desse clichê porque, paralelo ao sentimento mais bonito que possa existir, também vem uma lista silenciosa de renúncias e de mudanças que acontecem no instante que um filho chega.

Há renúncias que são fáceis de nomear: tempo, corpo, sono, rotina. Mas existem outras que escapam até da nossa própria consciência, acontecem de forma automática. Essas, geralmente, são detalhes quase imperceptíveis, que ninguém vê, comenta ou celebra. Mas, mesmo assim, reorganizam a vida inteira de uma mulher.

A renúncia ao espaço interno que antes era só nosso. A renúncia à espontaneidade, ao silêncio, ao direito de desmoronar sem precisar calcular o impacto disso em alguém que depende de nós. E, talvez, a mais profunda de todas que, particularmente, foi a que mais me impactou: a renúncia à mulher que fomos ou acreditamos que éramos antes da maternidade.

É importante destacar que essas renúncias não são necessariamente negativas, muitas vezes envolvem escolhas baseadas, inclusive, naquele amor comentado anteriormente, feitas com o corpo, coragem e com cansaço. Até aí, tudo bem, o caminho não é fácil, mas vamos tentando, cada uma de forma particular, encontrar aquele que melhor funciona para cada uma, dia após dia.

O problema advém quando tais renúncias acontecem sem validação e com uma romantização que as tornam minimizadas e até invisíveis. Quando se espera que a mulher siga funcionando sem reconhecer o que se perde ao longo do caminho. Quando o discurso social transforma maternidade em um enfeite e esconde aquilo que, na vida real, dói, atravessa e desorganiza.

Como psicóloga, eu vejo essa invisibilidade diariamente na clínica. Mulheres tentando entender de onde vem a sensação de insuficiência, o choro, a exaustão que não combina com a imagem forte da mãe que os outros projetam. Como mãe, eu também conheço essas camadas. Os lutos diários que me desconstroem e que, paradoxalmente, abrem espaço para outras versões de mim. Uma espécie de reconstrução silenciosa que ninguém ensina, mas toda mulher que materna vivencia.

Escrever sobre maternidade é falar sobre o que não cabe nas fotos bonitas das redes sociais, nas legendas e nos discursos prontos. É dar corpo ao que não é nomeado. É admitir que a maternidade também transforma a partir de perdas que merecem ser reconhecidas. Porque só o que é dito pode ser pensado e só o que é pensado pode ser elaborado.

Talvez este seja o convite da minha coluna: olhar para o que não aparece. Dar visibilidade às renúncias que moldam a experiência materna, mas não para lamentar, mas sim para compreender e, quem sabe, se acolher. Porque, quando uma mulher entende as suas próprias renúncias, algo nela deixa de carregar sozinha um peso que nunca foi individual.

E, no fundo, talvez seja essa a verdade mais íntima da maternidade: antes de sermos mães, somos mulheres. E continuar sendo mulher, apesar de tudo, é uma resistência.

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