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Violência doméstica invisível: quando o ex usa a justiça para te controlar

Por Bruna Sales

Sair de uma relação abusiva é um passo gigantesco para a mulher, mas a violência nem sempre termina com a separação. Muitas vezes, ela apenas muda de forma e se perpetua dentro do sistema judiciário. Disputas pela guarda, visitas e pensão alimentícia podem ser usadas pelo agressor como ferramentas de vingança e controle.

O Direito de Família, que deveria proteger os mais vulneráveis, muitas vezes é usado para manter a mulher presa ao ciclo de violência. Isso tem nome: litigância abusiva. Trata-se de uma estratégia manipulativa na qual o agressor se vale do processo judicial para desgastar, ameaçar e descredibilizar a vítima.

Como a Justiça vira arma contra a mulher

No Brasil, a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) reconhece a violência psicológica e moral como formas de violência doméstica. No entanto, quando essas violências ocorrem dentro dos processos de família, a Justiça nem sempre as coíbe com a seriedade necessária. Enquanto isso, o agressor se aproveita da morosidade do sistema e das brechas legais para continuar exercendo poder sobre a ex-companheira.

Os principais mecanismos usados para perpetuar essa violência incluem:

  • Guarda e visita como forma de coerção – Muitos pais solicitam a guarda compartilhada sem real interesse na criação dos filhos, apenas para manter um vínculo forçado com a mãe.
  • Acusações infundadas de alienação parental – A Lei de Alienação Parental (Lei 12.318/2010) é frequentemente utilizada contra mulheres que denunciam violência, invertendo a lógica de proteção e colocando a vítima como culpada.
  • Uso da lentidão do sistema para exaustão emocional e financeira – Processos que se arrastam por anos favorecem o agressor, que prolonga o sofrimento da mulher.

Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 61% das mulheres vítimas de violência enfrentam dificuldades na definição da guarda dos filhos. Além disso, as ações de alienação parental cresceram 1.200% nos últimos dez anos, levantando sérias dúvidas sobre seu uso como ferramenta de silenciamento de mulheres.

As novas leis que podem mudar esse cenário

Nos últimos anos, algumas mudanças legislativas surgiram para frear essa instrumentalização da Justiça:

  • Lei 14.713/2023 – Proíbe a guarda compartilhada em casos de violência doméstica, evitando que o agressor use os filhos como forma de retaliação.
  • Projeto de Lei 2613/2024 (em tramitação) – Propõe que a guarda provisória seja prioritariamente concedida à mãe quando há indícios de violência, garantindo mais segurança às crianças.

Esses avanços representam um passo importante, mas ainda há desafios para que a Justiça reconheça, de forma ampla, como a violência doméstica pode se perpetuar através dos tribunais.

O papel da advocacia familiarista na proteção das vítimas

A advocacia tem um papel essencial na defesa de mulheres que enfrentam essa forma de violência. Algumas estratégias fundamentais incluem:

  • Evitar litígios prolongados – Pedidos de urgência e medidas protetivas podem reduzir a exposição da vítima ao agressor.
  • Aplicar a Lei Maria da Penha nas disputas de guarda – A jurisprudência reconhece que a violência contra a mãe impacta diretamente o bem-estar da criança.
  • Usar apoio interdisciplinar – Relatórios de psicólogos e assistentes sociais ajudam a comprovar os impactos negativos da convivência da criança com o agressor.

Além disso, é fundamental combater a narrativa do “pai injustiçado”, que muitas vezes é utilizada para esconder padrões de abuso e revitimização da mulher no sistema judiciário.

O Direito de Família, quando interpretado sem uma perspectiva de gênero, pode ser usado como ferramenta para prolongar a violência doméstica. A recente proibição da guarda compartilhada para agressores é um avanço, mas ainda há um longo caminho para que o sistema jurídico impeça de vez essa forma de abuso.

A advocacia tem um papel crucial na proteção de mulheres e crianças, garantindo que a Justiça não se torne mais uma ferramenta nas mãos do agressor. O enfrentamento dessa realidade passa pela conscientização, pela mudança de paradigmas no Judiciário e pela atuação firme de advogados e advogadas comprometidos com a proteção das vítimas.

Referências

  • BRASIL. Lei Maria da Penha, Lei 11.340/2006. Disponível em: www.planalto.gov.br.
  • BRASIL. Lei 14.713/2023. Disponível em: www.planalto.gov.br.
  • CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Relatório sobre Violência Doméstica e Disputas de Guarda. Brasília, 2023.
  • O GLOBO. “Ações de alienação parental crescem treze vezes desde 2014, mas lei gera controvérsias”. Disponível em: oglobo.globo.com.
  • SILVA, Mariana. A alienação parental como estratégia de descredibilização das vítimas de violência doméstica. Revista Brasileira de Direito de Família, 2022.
Foto de Direito Delas

Direito Delas

Comprometidas com a defesa dos direitos das mulheres e a construção de uma justiça mais acessível e humanizada. Anne é Mestra em Sociologia pela UFAL e especialista em Direitos Humanos, Direito das Famílias, Direito Civil e Processo Civil; Bruna é Mestra em Direito Público pela UFAL, especialista em Direito do Trabalho, Doula e Analista Comportamental.