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“Alienação parental” ou Silenciamento? Como proteger mulheres e crianças de acusações injustas

Por Anne Caroline Fidelis e Bruna Sales

A alienação parental se tornou um tema central em disputas de guarda, mas um problema grave tem se intensificado: a utilização indevida desse conceito para descredibilizar denúncias de violência e retirar direitos das mães. Em um sistema de justiça moldado pelo machismo estrutural e por estereótipos de gênero, muitas mulheres enfrentam processos injustos que favorecem padrões patriarcais de autoridade, colocando em risco não apenas sua relação com os filhos, mas também a segurança das crianças.

A história da lei de alienação parental e seus problemas

A lei da alienação parental (lei 12.318/2010) foi criada com o objetivo de impedir que um dos genitores manipulasse a criança contra o outro. No entanto, sua formulação e implementação são altamente questionáveis. A teoria da alienação parental tem suas raízes no trabalho de Richard Gardner, um psiquiatra norte-americano que desenvolveu o conceito na década de 1980.

Gardner alegava que, em disputas de guarda, muitas mães acusavam falsamente os pais de abuso sexual para afastá-los dos filhos. Suas ideias foram amplamente contestadas por especialistas, especialmente porque ele frequentemente defendia acusados de estupro infantil, minimizando relatos de violência e colocando a culpa nas próprias crianças.

No Brasil, a lei da alienação parental foi aprovada de maneira excessivamente rápida, sem um amplo debate público ou participação social efetiva. O texto da lei foi construído com forte influência de grupos que priorizam a manutenção do poder paterno, muitas vezes sem considerar a segurança da criança. Isso criou um cenário em que mães que denunciam abusos cometidos pelos pais são frequentemente acusadas de alienação parental, sendo pressionadas judicialmente a permitir a convivência dos filhos com possíveis agressores.

O machismo estrutural e os estereótipos de gênero no direito

Desde cedo, a sociedade impõe às mulheres o papel de cuidadoras e aos homens o de provedores. Esse modelo faz com que, em disputas de guarda, as mães sejam constantemente questionadas, enquanto os pais, muitas vezes ausentes, tenham sua paternidade preservada sem o mesmo nível de escrutínio.

Quando uma mãe denuncia abusos cometidos pelo pai, ela não apenas precisa provar a violência, mas também lutar contra a suspeita de que está manipulando a criança. Esse fenômeno, amplamente discutido por teóricas feministas como Silvia Pimentel e Patricia Hill Collins, evidencia como a justiça ainda opera sob um viés patriarcal.

O protocolo de julgamento com perspectiva de gênero e a alienação parental

O protocolo de julgamento com perspectiva de gênero do CNJ alerta para o uso indevido do conceito de alienação parental como ferramenta de silenciamento. O documento destaca que “a lei da alienação parental tem sido amplamente utilizada para desqualificar denúncias de abuso e violência, retirando a credibilidade da palavra das mulheres e das crianças, além de ser empregada como estratégia de revitimização em processos judiciais”.

Dessa forma, o protocolo orienta que magistrados e magistradas adotem uma análise cuidadosa e humanizada, garantindo que a alegação de alienação parental não seja um artifício para acobertar violências preexistentes.

O ECA como alternativa para proteger crianças

Ao contrário da lei de alienação parental, que muitas vezes serve como ferramenta para deslegitimar denúncias de violência, o estatuto da criança e do adolescente (ECA) prioriza o bem-estar infantil de maneira mais ampla.

O ECA prevê medidas como escuta especializada e proteção contra abusos, garantindo um olhar mais cuidadoso sobre cada caso. Para evitar injustiças, é essencial que a proteção das crianças seja conduzida sob as diretrizes do ECA, e não por uma legislação que pode ser manipulada para favorecer interesses dos agressores.

O debate sobre a revogação da lei

Nos últimos anos, tem crescido o debate sobre a revogação da lei de alienação parental. Organizações feministas, defensoras dos direitos das crianças e especialistas em violência doméstica argumentam que a lei tem sido amplamente usada para silenciar mães e colocar crianças em risco. Algumas propostas legislativas já sugerem a sua revogação ou, no mínimo, uma reformulação que impeça sua instrumentalização contra vítimas de violência.

O que fazer em casos de falsas acusações de alienação parental?

  1. Busque um advogado ou advogada especializada: o acompanhamento jurídico por profissionais experientes em direitos das mulheres e violência doméstica é essencial.
  2. Documente tudo: guarde mensagens, gravações e qualquer prova que demonstre a relação saudável com a criança e a ausência de alienação parental.
  3. Solicite perícias e avaliação psicológica: profissionais capacitados podem comprovar a ausência de manipulação e, em alguns casos, evidenciar a existência de violência por parte do outro genitor.
  4. Acione o Ministério Público e redes de proteção: caso a falsa acusação esteja sendo usada para afastar a mãe da criança injustamente, o MP pode intervir.
  5. Busque apoio em grupos feministas e coletivos de mães: organizações e redes de apoio podem oferecer suporte emocional e jurídico.

A luta contra falsas acusações de alienação parental é, antes de tudo, uma luta pela justiça de mulheres e crianças. A advocacia especializada no atendimento a mulheres desempenha um papel fundamental na garantia de direitos e na proteção contra violações. Diante do uso indevido da lei de alienação parental, é fundamental que o debate seja ampliado e que políticas públicas eficazes sejam implementadas para evitar que essa ferramenta continue sendo usada como forma de silenciamento e opressão.

Referências bibliográficas

  • Collins, Patricia Hill. Pensamento feminista negro. Editora Boitempo, 2019.
  • Pimentel, Silvia. Gênero e justiça: reflexões críticas. Editora Saraiva, 2018.
  • Brasil. Estatuto da criança e do adolescente. Lei 8.069/1990.
  • Brasil. Lei da alienação parental. Lei 12.318/2010.
  • Brasil. Conselho nacional de justiça. Protocolo de julgamento com perspectiva de gênero. CNJ, 2021.
  • Gardner, Richard. The parental alienation syndrome and the differentiation between fabricated and genuine child sex abuse. Creative Therapeutics, 1998.
Foto de Direito Delas

Direito Delas

Comprometidas com a defesa dos direitos das mulheres e a construção de uma justiça mais acessível e humanizada. Anne é Mestra em Sociologia pela UFAL e especialista em Direitos Humanos, Direito das Famílias, Direito Civil e Processo Civil; Bruna é Mestra em Direito Público pela UFAL, especialista em Direito do Trabalho, Doula e Analista Comportamental.