Manipular a imagem ou a voz de uma mulher com inteligência artificial, como forma de ameaça ou chantagem, agora pode custar mais caro. A Lei 15.123/2025, sancionada em abril, aumenta em até 50% a pena para casos de violência psicológica contra mulheres quando houver uso de tecnologias para gerar ou alterar conteúdos íntimos. A medida, proposta pela deputada Jandira Feghali, tenta frear a escalada da violência digital de gênero no Brasil.
A nova legislação surge como resposta ao aumento dos casos de violência virtual de gênero no Brasil. Segundo o Ministério das Mulheres, mulheres brasileiras estão 27 vezes mais propensas a sofrer assédio ou ataques em ambientes digitais do que os homens. Em 2024, o canal Ligue 180 recebeu mais de 101 mil denúncias relacionadas à violência psicológica.
Como a nova lei reforça a proteção contra a violência digital

A principal mudança da Lei 15.123/2025 é a alteração no artigo 147 do Código Penal, que passa a considerar como violência psicológica a ameaça feita contra mulheres por meio de imagens, vídeos ou áudios que exponham ou simulem sua intimidade. Esse tipo de crime pode envolver chantagem, humilhação, manipulação e outras práticas que caracterizam a violência cibernética.
“O crime de ameaça continua existindo, mas agora a lei prevê uma forma mais grave quando o conteúdo íntimo é gerado por inteligência artificial”, explica Larissa Montanhas, advogada especialista em direito digital.
Entre as principais inovações da norma está o aumento de até 50% na pena, desde que a vítima seja mulher e haja exposição ou ameaça de exposição de conteúdo íntimo gerado por IA ou outro recurso tecnológico.
Larissa reforça que a simples ameaça de divulgar esse material já configura crime, mesmo que ele não tenha sido publicado. Coagir ou chantagear uma mulher para obter algum tipo de vantagem pessoal, com base em conteúdos artificiais, pode e deve ser denunciado.
“Se um homem ameaça expor uma mulher para que ela saia com ele ou o favoreça de alguma maneira, isso já configura crime de ameaça. Se esse conteúdo for criado com uso de IA, a pena pode ser agravada em até 50%”, detalha a advogada.
Perfis falsos e falhas no sistema dificultam punição de agressores
Apesar do avanço representado pela nova lei, a identificação dos autores ainda esbarra em obstáculos. A criação de perfis e o uso de informações falsas estão entre os principais desafios para punir quem comete crimes virtuais. Em muitos casos, as vítimas não sabem a origem das ameaças, o que dificulta a coleta de provas suficientes para formalizar a denúncia.
A lentidão da Justiça e o despreparo de parte das autoridades para lidar com crimes digitais também agravam o cenário. “No ambiente virtual, onde tudo acontece de forma instantânea, é fundamental que a resposta do sistema seja rápida”, alerta a advogada Larissa Montanhas.
A violência virtual contra mulheres não começou com a inteligência artificial. Um dos marcos desse tipo de crime no Brasil ocorreu em 2012, quando a atriz Carolina Dieckmann teve fotos íntimas vazadas por um hacker. O episódio deu origem à Lei nº 12.737/2012, que tipifica crimes cibernéticos.
Com o avanço da tecnologia e a popularização da IA — inicialmente criada para facilitar o dia a dia —, surgem novas formas de violência. Para a pesquisadora Marli de Araújo, da Universidade Federal de Alagoas, essas ferramentas digitais vêm sofisticando práticas misóginas já existentes.

Ela também chama atenção para a banalização da violência. “Justificativas como ‘foi só uma brincadeira’ são estratégias que desresponsabilizam o agressor. Mas a Justiça já reconhece esse tipo de conduta como violência contra a mulher”, afirma.
Ainda assim, Marli aponta um ponto crítico: a ausência de responsabilização das plataformas digitais. A nova lei trata apenas da responsabilização individual dos autores, sem avançar sobre o papel das redes sociais no combate à violência. “Enquanto essas empresas não forem incluídas no debate, o ciclo de impunidade tende a continuar”, completa.
Educação, acolhimento e leis mais firmes para frear a violência
As especialistas ouvidas reforçam que o combate à violência digital contra mulheres vai além da criação de leis. Educação e conscientização são pilares fundamentais para enfrentar o problema.
É preciso aliar as mudanças legais a campanhas que informem as vítimas sobre seus direitos e incentivem o uso responsável das redes sociais.
“A inteligência artificial vai continuar se aprimorando, e isso pode ampliar o número de casos. Ainda estamos longe de ter uma internet segura, mas precisamos pensar em formas concretas de frear esse comportamento”, avalia Marli Araújo.
Para a advogada Larissa Montanhas, além de fortalecer a legislação, é urgente discutir a responsabilidade das plataformas digitais. Ela também destaca a importância do acolhimento precoce.
“Essas mulheres precisam ser ouvidas desde o momento da ameaça. O acolhimento é o que dá força para que elas denunciem seus agressores”, conclui.