Colabore com o Eufemea
Advertisement

Maternidade e saúde mental: como cuidar da mente desde o desejo de ser mãe até o primeiro ano do bebê

Cuidar da saúde mental durante a maternidade é um desafio constante. A cada fase do bebê, surgem novas demandas, emoções intensas e uma carga emocional que pode levar ao estresse e à culpa.

Embora cada experiência seja única, especialistas destacam que o cuidado psicológico começa ainda antes da decisão de ser mãe e deve continuar por toda a jornada, com apoio, acolhimento e respeito à individualidade da mulher.

O cuidado começa antes da maternidade

Ter um filho e formar uma família é o sonho de muitas mulheres. No entanto, a maternidade é uma fase que exige atenção contínua à saúde mental. Para viver esse período de forma saudável e plena, é importante que os cuidados com o bem-estar emocional comecem ainda antes da gravidez.

Estruturalmente, as mulheres estão inseridas em um contexto social e cultural que favorece o adoecimento mental, alimentado por machismo, racismo e desigualdades vividas ao longo da vida. No Brasil, 53% das pessoas que vivem com algum tipo de transtorno mental são mulheres, segundo o Relatório Esgotadas, realizado pelo Think Olga.

As pressões sociais e as expectativas irreais sobre o desempenho da mulher na sociedade geram uma carga emocional que a torna mais vulnerável ao desenvolvimento de transtornos mentais.

Fatores como estresse, ansiedade e depressão podem ser agravados por condições biológicas e genéticas, como explica Elisângela Barbosa, psicóloga especialista em gênero, sexualidade e direitos, e uma das representantes da Campanha Maio Furtacor de Saúde Mental Materna.

Elisângela também alerta para uma realidade em que até mesmo os momentos de prazer se tornam obrigações a serem cumpridas com alta eficiência. A cobrança para que a mulher dê conta da carreira, da aparência e ainda cuide de todos à sua volta provoca frustração quando ela não consegue realizar tudo.

“O ócio não é permitido para as mulheres. Tenho ouvido muitas pacientes frustradas por não conseguirem dar conta de tudo, inclusive de ter hobbies e não conseguir mantê-los por causa da sobrecarga e da exaustão psíquica”, relata a psicóloga.

Quero ser mãe, e agora?

Quando uma mulher decide se tornar mãe, um dos pontos essenciais é compreender de onde parte essa decisão. É importante que a maternidade seja um desejo individual, e não apenas o reflexo do que é imposto pelas pressões sociais.

Quando a maternidade é uma escolha consciente, a preparação psicológica deve ser encarada como um processo contínuo. Isso envolve acesso a informações sobre essa fase, além de contar com uma rede de apoio acolhedora e compreensiva, formada pelo parceiro, profissionais de confiança, amigos e familiares.

Ainda de acordo com Elisângela, para que a saúde mental da mulher seja preservada, todos esses pontos precisam funcionar como uma única engrenagem, formando um ambiente positivo para a futura mãe. “Tudo está interligado, desde a aceitação da maternidade até o apoio emocional, que vai da gestação ao puerpério”, explica.

Foto: Arquivo Pessoal

O autocuidado e o gerenciamento do estresse e da ansiedade são aspectos que devem ser desenvolvidos antes mesmo da decisão de ter filhos. Assim, quando chegar o momento, a mulher estará mais preparada para lidar com as mudanças e diferentes fases que acompanham a criação de um filho.

O cuidado com a saúde mental materna é constante, mas deve ser redobrado logo após o nascimento do bebê, período em que a mulher pode desenvolver depressão pós-parto. Apesar de não haver uma causa única, alterações hormonais, falta de suporte familiar ou histórico pessoal e familiar de depressão estão entre os fatores que podem contribuir.

Segundo pesquisa da Universidade de São Paulo, entre 15% e 30% das mulheres apresentam depressão pós-parto durante o puerpério. Por isso, priorizar o autocuidado e buscar apoio nos primeiros meses de maternidade é essencial.

Entre as formas de fazer isso, a neuropsicóloga Fabiana Lisboa destaca o acompanhamento psicológico, que ajuda as mães a reconhecerem suas próprias emoções durante esse período. Além disso, a profissional pode orientá-las no desenvolvimento de habilidades para lidar com as necessidades emocionais do bebê.

Foto: Arquivo Pessoal

“Ter uma psicóloga nesses primeiros meses de reorganização familiar pode ser fundamental para identificar e tratar problemas de saúde mental, como depressão pós-parto e baby blues. Além disso, ajuda os pais a criarem um ambiente seguro e positivo para o bebê”, afirma Fabiana.

Conectar-se com pessoas que vivenciam situações parecidas, como grupos de apoio formados por outras mães, também é uma forma de autocuidado. Compartilhar anseios, medos e dúvidas ajuda a aliviar a carga emocional e fortalece o sentimento de pertencimento e acolhimento mútuo.

Fabiana reforça que, nos primeiros meses de maternidade, a busca pela perfeição pode ser a grande vilã da saúde mental. “É importante que cada mãe e cada criança sejam únicas, e que se busque um equilíbrio entre as diferentes responsabilidades. Isso é fundamental para a saúde mental”, destaca.

O silêncio depois do primeiro ano do bebê

Foto: Arquivo Pessoal

Durante a gestação e nos primeiros meses de vida do bebê, muitas mães sentem que mergulham em uma realidade “paralela”, marcada pela dependência do recém-nascido e pela responsabilidade quase exclusiva de seus cuidados.

No entanto, após o primeiro ano, à medida que a criança conquista mais autonomia, surgem novos desafios: redefinir rotinas, lidar com as novas demandas e, muitas vezes, retomar aspectos da própria identidade que ficaram em segundo plano.

Nesse período, pode levar um tempo até a mãe perceber que, se o filho se torna menos dependente, ela também passa a ter mais tempo para si, como explica a psicóloga clínica Lavínia Lins. Não é incomum, nessa fase, a mulher sentir-se perdida depois de tanta dedicação, encontrando dificuldades para retomar atividades que fazia antes de ter o filho.

Assim como em outras fases da maternidade, esse é um momento que pede uma escuta atenta e respeitosa, para que a mulher compreenda esse novo processo e permita a si mesma reconhecer suas próprias necessidades e individualidade para além da função materna.

Na clínica, é comum ouvirmos frases como: “Parece que estou voltando pra mim.” Esse momento de reencontro exige respeito, acolhimento e doses homeopáticas — sobretudo de autoexigência moderada —, afirma Lavínia.

Mãe, mas também mulher

Reconhecer a própria individualidade e entender que a mulher não desaparece ao se tornar mãe são pontos fundamentais para manter o equilíbrio emocional e a saúde mental durante toda a jornada da maternidade.

Nesse processo, encarar os erros com leveza e vê-los como oportunidades de aprendizado pode ser o combustível para se tornar uma mãe melhor a cada dia. Mais do que isso, aceitar a própria humanidade permite levar a vida com mais leveza e abrir espaço para a autodescoberta.

“A mulher que, para além de mãe, consegue enxergar que é, antes de tudo, pessoa, tende a desfrutar de uma saúde física e mental que extrapola os limites do corpo e da mente”, afirma Lavínia.