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“Ficamos esgotadas”: relatos de mães expõem abandono e a batalha por pensão alimentícia

“A cada mês, a incerteza sobre se — e quanto — o pai enviaria de pensão dificultava o planejamento financeiro mais básico. Ter que prover tudo sozinha, sem um suporte garantido, é extremamente estressante e sobrecarrega qualquer mãe. Depois de uma década convivendo com essa incerteza, tive esgotamento emocional e físico, desenvolvi depressão e doenças autoimunes.” O relato é de uma mãe que prefere não se identificar e que, há dez anos, assume sozinha a responsabilidade financeira pelos dois filhos.

Ela conta que foi casada por 14 anos e se separou há uma década. Desde então, o pai dos filhos, que se mudou para outra cidade, praticamente os abandonou. Na época da separação, a filha tinha oito anos e o filho, 13.

A mulher também contou à reportagem que o divórcio foi consensual e que, na época, houve um acordo judicial para o pagamento da pensão alimentícia. No entanto, o valor nunca foi pago de forma regular. Segundo conta, ‘ele pagava o que queria, quando dizia poder’. “Nunca houve uma responsabilidade financeira fixa ou previsível. Mesmo com o acordo homologado pela Justiça, nunca recebi o valor combinado”, diz.

Durante anos, ela não acionou a Justiça para cobrar a dívida. Preferiu se virar sozinha para suprir todas as necessidades dos filhos. Essa situação mudou em abril deste ano, quando o ex-companheiro entrou com um pedido de revisão da pensão. Foi então que ela decidiu executar os valores atrasados dos últimos dez anos, com pedido de prisão incluso. O processo ainda está em andamento e não há previsão de conclusão.

“Ele seguiu a vida”

A instabilidade também afetou diretamente os filhos, que deixaram de participar de atividades extracurriculares, passeios e experiências importantes para o desenvolvimento. Além disso, ela não conseguiu investir na própria carreira. Com a mente ocupada em garantir a sobrevivência e atender às necessidades imediatas dos filhos, não teve espaço para estudar, fazer cursos ou crescer profissionalmente.

Enquanto isso, o pai das crianças constituiu uma nova família, abriu empresas e manteve uma vida estável. “Enquanto eu renunciei a sonhos e aspirações, ele seguiu a vida sem as mesmas responsabilidades. Essa disparidade gera uma sensação contínua de injustiça”, resume.

“Ficamos esgotadas”

O peso emocional também passou a fazer parte da rotina. “Além da sobrecarga, há sentimentos de solidão, frustração, raiva. Tive que dar conta de tudo, mesmo quando estava esgotada. Ensinar tarefa, preparar comida, planejar o dia seguinte.”

Segundo uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas (2022), o Brasil tem 11 milhões de mães que criam sozinhas filhos ou dependentes. Na ausência do pai, muitas famílias contam com uma rede de apoio formada, em geral, por outras mulheres, como as avós.

É o caso da entrevistada, que desde a separação mora com a mãe, com quem divide o teto, mas sem apoio financeiro regular. “A ajuda era mais com presença física. O resto era por minha conta.”

Ela também aponta fatores que dificultam o acesso ao direito à pensão: a lentidão da Justiça, a dificuldade em comprovar a renda de pais que trabalham informalmente, o medo de represálias e o desgaste emocional. “Nem sempre temos força para iniciar uma disputa judicial. Já estamos esgotadas”, desabafa.

Abandono que se repete

A história de abandono financeiro e emocional vivida pela primeira entrevistada não é um caso isolado. Situações semelhantes afetam milhares de mulheres no Brasil, que assumem sozinhas a criação dos filhos enquanto enfrentam a omissão paterna. Outra mãe solo, que também prefere não ser identificada, compartilhou sua trajetória à Eufêmea.

“Desde 2010, eu crio meus filhos sozinha. É uma menina, hoje com 20 anos, e um rapaz de 16”, conta. Ela se divorciou naquele mesmo ano e, desde então, ficou com a guarda e toda a responsabilidade sobre os filhos.

O processo de separação foi consensual e, ainda durante a tramitação judicial, ficou definida a pensão alimentícia. No entanto, até a homologação do divórcio, o pai não arcava integralmente com suas obrigações. Após a formalização, os valores passaram a ser descontados diretamente da folha de pagamento.

Interrupção nos pagamentos

Entre 2010 e 2019, a pensão foi paga regularmente. “Era depositada na conta destinada para isso, sem atrasos”, conta. Tudo mudou, porém, quando o pai foi desligado da empresa. “Ele passou quatro anos sem pagar a pensão alimentícia.”

Durante esse período, ela não cobrou formalmente os valores devidos. “Não contava mais com esse dinheiro. Mas tomei consciência de que estava negligenciando um direito dos meus filhos. Foi isso que me fez acionar a Justiça.”

Ela também critica o valor geralmente fixado nas pensões. “A gente sabe que, no Brasil, um pai que paga pensão contribui com muito menos do que seria necessário para garantir a qualidade de vida de um filho”, observa.

Além do abandono financeiro, aponta a ausência afetiva. Os filhos, segundo relata, não mantêm contato com o pai. “Não houve atrito ou impedimento. Ele simplesmente formou uma nova família e desapareceu da vida deles.”

“Meus filhos, graças a Deus, não sentem mais essa ausência. Quando eram menores, sentiam, porque havia uma convivência. Mas, ao perceberem a falta de interesse, seguiram seus caminhos sem depender dele.”

Ela encerra com um desabafo, dizendo que se magoa ao ver que, mesmo conhecendo pais separados que continuam presentes na vida dos filhos, essa não foi a realidade dos seus. Para ela, a separação do casal não deveria impedir uma relação saudável entre pai e filhos. “Mas isso é uma escolha individual. Infelizmente, não posso decidir isso por ele”, lamenta.

Advogada explica os caminhos legais para garantir a pensão

Foto: Arquivo Pessoal

Diante dos relatos de mães que enfrentam dificuldades para receber a pensão alimentícia, a advogada Raphaela Batista, secretária-geral adjunta da Comissão de Direito de Família da OAB/AL, detalha como funciona o processo de cobrança judicial e os instrumentos legais disponíveis para quem vive essa realidade.

Ela explica que a execução da pensão pode seguir dois caminhos principais: prisão ou penhora. “Pelo rito da prisão, a mãe pode pedir a detenção do pai quando houver atraso nas três últimas parcelas, incluindo as que vencerem durante o processo. A prisão, de caráter coercitivo e não punitivo, varia de um a três meses, em regime fechado”, afirma.

Para dívidas mais antigas ou acumuladas, é possível recorrer à penhora de bens. “Nesses casos, o Judiciário pode bloquear contas bancárias, inclusive via PIX, apreender CNH e passaporte, além de incluir o nome do devedor nos cadastros de inadimplentes.”

Raphaela reforça que a prisão civil por dívida de pensão continua válida no Brasil, conforme o artigo 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal. “É a única hipótese em que a Constituição admite prisão por dívida.” No entanto, a medida só é aplicada quando o devedor não comprova impossibilidade real de pagamento.

Quando o genitor não possui bens ou renda formal, a cobrança pode ser mais difícil, mas não impossível. Segundo a advogada, mesmo nesses casos o Judiciário pode buscar valores em contas bancárias, protestar a dívida em cartório e restringir documentos como passaporte e CNH.

Como se proteger no momento do divórcio

Para se proteger já no momento do divórcio, Raphaela orienta que o valor da pensão seja definido com clareza no processo. “O valor pode ser estipulado como percentual do salário mínimo, o que garante reajuste automático. Ou definido com base em um índice oficial, como o INPC, quando for fixo. Quanto mais detalhado for o acordo ou a sentença, maior a segurança jurídica para cobranças futuras.”

A advogada reforça que é essencial buscar apoio jurídico o quanto antes e lembra que, para quem não tem condições de pagar, a Defensoria Pública é uma opção gratuita e preparada para ajudar. Ela orienta que toda documentação que comprove a dívida e a decisão judicial deve ser reunida com cuidado.

“A pensão é um direito da criança e do adolescente. Não é caridade, nem favor: é uma obrigação legal. Nenhuma mulher deve se sentir culpada ou constrangida por exigir esse direito”, afirma.

Foto de Rebecca Moura

Rebecca Moura

Jornalista formada pela Universidade Federal de Alagoas e colaboradora no portal Eufêmea, conquistou o primeiro lugar no Prêmio Sinturb de Jornalismo em 2021. Em 2024, obteve duas premiações importantes: primeiro lugar na categoria estudante no 2º Prêmio MPAL de Jornalismo e segundo lugar no III Prêmio de Jornalismo Científico José Marques Melo.