Quem disse que depois dos 40 não se começa do zero? Rose, Janaina e Rafaella provaram que essa fase pode, sim, ser o início de tudo. Entre demissões, perdas familiares e recomeços solitários, elas criaram negócios do zero com coragem, criatividade e desejo de autonomia. Foram apoiadas por iniciativas como o Programa Efeito Furacão, parceria do Sebrae com a Be.Labs, e hoje transformam o próprio caminho e o de outras mulheres.
Da ciência à costura
Aos 50 anos, Rose Ramos tinha uma carreira consolidada como pesquisadora científica e professora universitária na área de Biologia. Mas os anos em sala de aula trouxeram um desafio inesperado: um problema nas cordas vocais que a afastou da profissão.
Na mesma época, seu filho mais velho, diagnosticado com autismo nível 3 e deficiência intelectual severa, passou a demandar cuidados mais intensos. As dificuldades, no entanto, viraram combustível para um recomeço e a chance de redescobrir propósito.
Buscando uma alternativa de renda que lhe permitisse conciliar a rotina com o cuidado do filho, Rose resgatou uma habilidade antiga: o artesanato. A primeira peça foi uma mochila feita com retalhos de jeans para um dos filhos. “Achei o molde na internet e resolvi tentar. Mal sabia costurar ou usar a máquina, mas consegui. A partir dali, fui praticando e, no fim de 2022, criei a Ressigna”, lembra.
Com propósito socioambiental, ela começou a produzir bolsas e acessórios reutilizando jeans descartados. Parte da renda é destinada a ações voltadas a famílias em situação de vulnerabilidade.

No início, amigos e familiares questionaram a mudança de rumo. Para muitos, era difícil entender como ela trocaria uma carreira acadêmica por vendas em feiras. Mas Rose tem uma resposta simples: “Sempre gostei de ensinar, mas gosto ainda mais de aprender.” Hoje, aos 52 anos, encontra plenitude ao criar com as próprias mãos.
“Às vezes vejo alguém na rua usando uma peça que fiz. Isso me enche de alegria e me dá força para continuar, mesmo com todos os desafios. Me sinto realizada”, diz.
O ato de amor que virou virada de vida
Em 2021, um gesto simples de afeto mudou completamente a trajetória de Janaina Ramos. Durante o isolamento social da pandemia, ela buscava uma forma de animar a mãe e teve uma ideia: transformar panos de prato em telas para frases e expressões da cultura nordestina. Ela pintava; a mãe, finalizava com o acabamento.
Sem grandes pretensões, levou dez unidades para o trabalho e ofereceu aos colegas. O resultado foi imediato: vendeu todos e ainda recebeu encomendas. Foi assim, de forma despretensiosa, que nasceu a “Panos de Cordel”.
Na época, Janaína tinha 46 anos e trabalhava como gerente financeira em um hotel de luxo em Maceió. Com a demanda crescente, ficou impossível conciliar o novo negócio com a antiga rotina. Tomou, então, a decisão que mudaria tudo: pediu demissão após 21 anos de carreira para se dedicar integralmente ao empreendimento.

“Tive medo de tudo. Passei a vida em salas fechadas fazendo contas e planilhas. Não tinha experiência nenhuma com esse universo. Mas fui com medo mesmo e deu certo”, relembra.
O sucesso veio rápido. Ela registrou a marca, estruturou o negócio e conquistou reconhecimento em Alagoas, com milhares de seguidores e uma clientela fiel. Em 2023, recebeu o 3º lugar no Prêmio Sebrae Mulher de Negócios.
Em 2024, a Panos de Cordel ultrapassou fronteiras: Janaina recebeu uma encomenda de 600 peças para a estreia da novela Rancho Fundo, da TV Globo. Criou um site próprio, montou seu ateliê e ampliou o negócio para o atacado, com pontos de revenda em estados como São Paulo, Pernambuco, Bahia, Ceará e Rio Grande do Norte.
O doce recomeço de Rafaella
Em janeiro de 2024, aos 43 anos, Rafaella Patrizia tomou uma das decisões mais difíceis da vida: pediu demissão do trabalho como professora para acompanhar o pai em Recife, onde ele passaria por um transplante de medula óssea. Era o início de uma nova fase — marcada por incertezas, mas também por propósito.
“Esse período de mudanças e desafios me motivou a buscar uma nova forma de trabalhar. Algo que me trouxesse flexibilidade e, ao mesmo tempo, fosse prazeroso”, conta.
Foi então que ela resgatou um antigo plano guardado com carinho: fazer pão de mel. Não apenas como complemento de renda, mas como um negócio com significado. “Eu disse para mim mesma: vou fazer pão de mel, me especializar e fazer a diferença!”, relembra, emocionada.

Inspirada por uma professora de confeitaria que conheceu anos antes, nasceu a Pão de Mel do Bem. Durante os meses em Recife, os doces foram sua principal fonte de renda. E, ao retornar a Maceió, incentivada pelas filhas, decidiu seguir firme com o empreendimento.
Hoje, Rafaella equilibra múltiplas jornadas: é empreendedora, mãe de três meninas – uma delas atípica —, e também cuida da casa. “Carrego a casa nas costas”, resume.
Mesmo com a rotina exaustiva, ela segue determinada. Para Rafaella, o empreendedorismo é mais do que vender: é resistir, adaptar-se e acreditar.
“Empreender não é fácil, mas é possível e é isso que me faz continuar todos os dias.”
Empreender depois dos 40: entre desafios e conquistas
As histórias de Rose, Janaina e Rafaella têm particularidades, mas se cruzam em um ponto central: todas decidiram empreender depois dos 40. E, apesar dos obstáculos, provaram que nunca é tarde para recomeçar. Reinventar-se, aliás, é uma habilidade que pode florescer justamente na maturidade, mesmo diante das pressões sociais e da velocidade das mudanças no mercado.
Para Rafaella, um dos maiores desafios foi se readaptar. “O mercado está cada vez mais competitivo. Às vezes, a gente duvida da própria capacidade. Mas, a cada conquista, por menor que seja, eu me sinto mais segura e confiante”, diz. Ela conta que o empreendedorismo não apenas lhe deu autonomia, como também fortaleceu sua autoestima.
“Claro que nem sempre é fácil. Existem dias de insegurança. Mas olhar para tudo que já construí me dá força. Hoje, me sinto mais dona da minha trajetória.”
Rose também enfrentou resistências, inclusive as externas. Começar um novo negócio aos 50 exigiu ignorar julgamentos e vencer o próprio medo. “As pessoas olhavam com desconfiança. Não entendiam minha mudança de carreira. No começo, isso me afetava. Mas aprendi a me blindar”, conta.
Outro obstáculo foi a falta de conhecimento técnico. “Eu vim da área acadêmica. Gestão, finanças, redes sociais… tudo era novo para mim.” Com o tempo, no entanto, ela descobriu uma vantagem da maturidade: a leveza com os erros.
“Quando eu era mais nova, me cobrava demais. Hoje não. Se erro, tento de novo. E sei que, na próxima vez, vai sair melhor.”
Quem são as empreendedoras alagoanas?
Em um levantamento realizado pelo Sebrae a partir dos dados disponibilizados pela Pnad Contínua em 2024, Alagoas conta com 114,62 mil empreendedoras. Deste número, 66,46 mil se declaram como chefes do domicílio, ou seja, responsáveis pelo sustento financeiro da residência.
75,86 mil empreendedoras afirmam receber até um salário mínimo como renda mensal, enquanto 18,44 mil recebem de um a dois salários. 8,25 mil mulheres responderam que recebem mais do que dois salários mínimos mensalmente.
Quanto ao nível de instrução dessas mulheres, o levantamento aponta que 28,99 mil cursaram o ensino fundamental, enquanto 48,73 mil possuem o ensino médico completo ou incompleto. Deste número, 25,78 mil mulheres cursaram o ensino superior.
Empreendedoras iniciam o negócio após os 35
Do total de empreendedoras alagoanas, o levantamento mostra que 79,96 mil (69,8%) têm a partir de 35 anos. Os dados refletem que, cada vez mais, mulheres consideradas “não-jovens” têm apostado no empreendedorismo como uma forma de recomeçar e alcançar autonomia e independência financeira.

Gráfico: Mica Pereira