Vídeos que pregam o “resgate da masculinidade”, discursos que ridicularizam o feminino e tratam a igualdade de gênero como ameaça se multiplicam nas redes sociais e acumulam milhares de curtidas. O que antes era restrito a ambientes conservadores agora alcança adolescentes e jovens de todo o mundo.
Segundo a historiadora inglesa Laura Bates, estudos recentes apontam que, pela primeira vez na história, o machismo avança mais entre jovens homens do que entre as gerações anteriores.
A reorganização do machismo na sociedade

Apesar da percepção de que o machismo esteja crescendo, Marli Araújo, assistente social e pesquisadora de gênero, alerta que essa ideia precisa ser relativizada. Para ela, o machismo nunca deixou de existir; o que acontece são momentos de reorganização e avanço estratégico, dependendo do contexto histórico.
“Atualmente, com o fortalecimento do discurso conservador e da extrema direita, existe uma tentativa de retroceder os avanços conquistados por grupos minoritários”, afirma. Nesse cenário, os direitos das mulheres — construídos nas últimas décadas — passam a ser ameaçados por uma nova configuração do machismo.
“O machismo não cresce. Ele avança dentro de uma sociedade onde nunca deixou de existir. E uma das estratégias utilizadas para isso é fazer com que ele ganhe espaço entre as gerações mais jovens. É uma forma de perpetuar esse pensamento patriarcal”, destaca Marli.
Ainda segundo a pesquisadora, a propagação de discursos religiosos que apresentam a família heteronormativa como modelo ideal contribui para naturalizar a desigualdade de gênero. Em muitos casos, esse padrão chega a ser apresentado como algo positivo.
Redes sociais ampliam o alcance do machismo
Para uma geração conectada quase o tempo todo, as redes sociais se tornaram o principal espaço para a disseminação de discursos misóginos e a propagação de ideias que reforçam o comportamento machista. “A misoginia não foi criada pela rede social. Ela apenas encontrou nela um meio de se propagar com nova roupagem”, explica Marli Araújo.
O funcionamento dos algoritmos também contribui para esse cenário. Um monitoramento realizado no TikTok pelo Núcleo Jornalismo, em parceria com a Revista AzMina, criou dois perfis fictícios na plataforma: João, nascido em 2009, e Kaio, em 2010. A pesquisa revelou que, à medida que os perfis interagiam com conteúdos motivacionais e religiosos, o feed passou a exibir cada vez mais vídeos associados à extrema direita e a discursos que reforçam estereótipos de gênero.
É nesse contexto que surgem e se fortalecem grupos como os “redpill” e os “incels”, conhecidos por promoverem o ódio às mulheres como projeto de masculinidade.
“As redes sociais têm um lugar político. Elas não são neutras”, alerta Marli. “Elas reafirmam padrões e ideologias. Jovens que vêm de contextos familiares conservadores encontram nas plataformas conteúdos que validam essas crenças, muitas vezes com discursos de ódio direcionados a corpos femininos.”
Adolescência, pertencimento e masculinidades tóxicas
Durante a adolescência, fase marcada pela construção da identidade e necessidade de pertencimento, o contato com discursos machistas influencia diretamente a maneira como os jovens enxergam o mundo. Para muitos meninos, comportamentos misóginos passam a ser vistos como naturais — e até necessários — para a organização da sociedade.
A psicóloga Ellen Quintela, especialista em desenvolvimento juvenil, explica que o funcionamento do cérebro na adolescência contribui para essa vulnerabilidade. “Os jovens têm um cérebro emocional mais ativo do que as áreas ligadas à razão e ao senso crítico. Isso os torna mais suscetíveis à influência de conteúdos violentos e discriminatórios”, afirma.
A busca por aceitação dentro de grupos sociais também é um fator decisivo. Nesse contexto, o comportamento machista não surge apenas como forma de pertencimento, mas como uma tentativa de compensar inseguranças, medos e dificuldades afetivas. “A misoginia, nesses casos, pode oferecer uma falsa sensação de poder”, alerta a psicóloga.
As consequências do machismo para meninos e meninas

A exposição precoce a comportamentos e ideias machistas impacta diretamente a forma como os jovens expressam suas emoções e constroem suas relações. E não afeta apenas os meninos: as meninas seguem como as principais vítimas do aumento do machismo entre os mais jovens.
“O machismo cobra um preço alto: meninos reprimidos e meninas inseguras diante da vida”, afirma a psicóloga Ellen Quintela.
Entre os meninos, os efeitos mais comuns são dificuldades em expressar emoções, resultando em tristeza ou raiva reprimida e, em casos mais graves, quadros depressivos. A autoestima e a autoimagem também são afetadas, já que passam a se basear em padrões rígidos de sucesso e poder.
No caso das meninas, as consequências aparecem no sentimento de inferioridade e inadequação, na maior propensão a aceitar relações abusivas e na perda da confiança para ocupar espaços de liderança.
A interação entre esses dois grupos também se torna prejudicial. Relações de amizade e vínculos amorosos acabam marcados por controle, medo da vulnerabilidade e dificuldade de diálogo. “Seja na amizade ou nos relacionamentos, a presença do machismo sempre resulta em dinâmicas disfuncionais”, explica Ellen.
Como construir uma sociedade mais igualitária?

Diversos fatores podem contribuir para a construção de relações mais igualitárias entre homens e mulheres, mas, segundo Leidiane Oliveira, pesquisadora especialista em gênero, a luta feminista segue como a principal ferramenta para alcançar esse objetivo.
Foi a partir dessa mobilização histórica que as mulheres conquistaram avanços importantes, incluindo a criação de políticas públicas voltadas aos direitos da mulher e à promoção da igualdade de gênero.
Leidiane explica que o feminismo também deu visibilidade às experiências de violência e desigualdade enfrentadas pelas mulheres. Como resultado dessas lutas, surgiram serviços especializados como equipes treinadas nos hospitais para identificar casos de violência, delegacias especializadas, juizados de violência contra a mulher e centros de referência — instrumentos públicos que colaboram para relações sociais mais justas.
“O feminismo é um elemento fundamental. Ele tira a violência do privado e a transforma em denúncia pública”, destaca Leidiane.