Aos 32 anos, a advogada Emilly Vieira fez história ao romper uma barreira que persistia no mundo jurídico alagoano: tornou-se a primeira pessoa negra a ocupar a Secretaria-Geral da Escola Superior de Advocacia de Alagoas. A conquista, fruto de anos de resistência contra o racismo e o elitismo na profissão, carrega um significado que vai além da sua trajetória é também um ato de representatividade e inspiração para quem ainda luta por espaço.
Raízes e determinação
Criada entre Maceió e Viçosa, no interior de Alagoas, Emilly sempre foi intolerante a injustiças. Desde criança, sabia que seu propósito estava no Direito. “Nos dias mais difíceis, lembro daquela menina obstinada e reencontro forças para seguir”, diz.
A aprovação na Universidade Federal de Alagoas foi um salto no escuro. Sem familiares com experiência acadêmica, precisou aprender sozinha a lidar com as complexidades da universidade.
A falta de apoio financeiro foi outra barreira ao longo da graduação. Como muitos estudantes de baixa renda, Emilly precisou conciliar os estudos com um trabalho do outro lado da cidade, enfrentando longas horas no transporte público.
“Lembro claramente das noites em que voltava de ônibus me perguntando se todo aquele esforço realmente valeria a pena. Era exaustivo”, recorda.
O início de uma carreira sem atalhos
Sem sobrenome influente nem contatos na área, ingressar no mercado foi um desafio. O talento, no entanto, falou mais alto: ainda no estágio no Ministério Público Estadual, um promotor reconheceu seu potencial e a convidou para ser sua assessora. Foi seu primeiro emprego com renda fixa e a estabilidade que precisava para se dedicar à advocacia.
A divulgação de seu trabalho começou de forma simples, mas eficiente. “Fiz cartões e minha mãe distribuía na igreja e entre amigos. Foi assim que vieram os primeiros clientes. Depois, o boca a boca fez o resto”, conta.
Paralelamente, seguiu estudando e hoje soma três graduações (Ciências Criminais, Processo Civil e Direito Digital), um mestrado em Propriedade Intelectual e atua como professora e palestrante.
Racismo institucional e resistência

A falta de representatividade de pessoas negras, sobretudo mulheres, sempre foi evidente para Emilly e, muitas vezes, acompanhada de preconceito. “Até hoje as pessoas se surpreendem quando digo que sou advogada e quais são as minhas qualificações”, relata.
O racismo também se manifesta na forma como sua aparência é julgada. Um colega perguntou se ela não iria “domar” os cabelos cacheados. Ao usar tranças, ouviu que “não era cabelo de advogada”.
“Nunca está bom para eles. Afinal, o que seria um cabelo de advogada?”, questiona.
Para a advogada, a trajetória de pessoas negras no meio corporativo é marcada por uma prova constante de competência, acompanhada da certeza de que, cedo ou tarde, um episódio de racismo vai atravessar o caminho. Ainda assim, ela defende a importância de abrir portas para quem está por vir e de honrar a luta de quem veio antes.
“O racismo é como um monstro cheio de tentáculos: em algum momento, um deles vai te atingir”, compara.
Do sonho à liderança na ESA

Ao longo da carreira, Emilly tornou-se a representatividade que tanto buscou encontrar no meio jurídico. Passou a atuar ativamente na pauta racial, integrando a Comissão de Promoção de Igualdade Racial e presidindo a Comissão de Propriedade Intelectual.
Também esteve à frente de mobilizações, ao lado de outros advogados e advogadas negros, para ampliar a representatividade e incluir a questão racial na agenda da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Em 2024, foi eleita secretária-geral da Escola Superior de Advocacia (ESA), tornando-se não apenas a primeira mulher negra, mas a primeira pessoa negra a ocupar o cargo.
“Esse meu caminho mostra o avanço da instituição, que passou a dar destaque a mulheres, pessoas negras e outras pautas de diversidade”, afirma.
Para ela, essa presença não é apenas simbólica, mas estratégica: inspira, fortalece e permite cobrar mudanças de dentro. “É claro que precisamos reconhecer os avanços, mas sem nos acomodar. Ainda há muito a ser feito para evoluir no quesito diversidade”, reforça.
Mudança estrutural e combate às desigualdades
Para Emilly, a evolução do meio jurídico passa, antes de tudo, por mudanças estruturais que garantam representatividade em todos os níveis. Isso significa abrir espaço para pessoas negras, indígenas, mulheres, pessoas com deficiência e LGBTQIA+ em cargos de liderança e decisão.
Ela também destaca a necessidade de enfrentar o machismo e o racismo institucional, presentes desde a universidade até a progressão na carreira.
Entre as ações práticas, aposta em programas de mentoria e apoio a jovens profissionais, para facilitar a transição entre a graduação e o mercado de trabalho.
“A educação mudou a minha vida. Como docente, vejo nos jovens a chance de quebrar ciclos de exclusão e construir uma advocacia mais plural e representativa”, afirma.