Raíssa França, especial para A Eufêmea, de Brasília
Teve início nesta segunda-feira (15), no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília (DF), a 5ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Conapir). No xirê de discussão sobre “Direito à cidade como reparação a partir da matripotência das mulheres e povos tradicionais de matriz africana”, Alagoas foi representada por Salete Bernardo, presidenta do Conepir Alagoas e presidenta estadual de Promoção da Igualdade Racial, e por Lucélia Silva, coordenadora de Igualdade Racial de Maceió.
Além das alagoanas, participaram do xirê a Iya Vera Soares, conselheira do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR); a Iya Itanajara de Oxum, coordenadora nacional de Finanças do Fonsanpotma e conselheira nacional de Segurança Alimentar e Nutricional; e Regina Nogueira, mais conhecida como Kota Mulangi — que significa ‘combatente’ —, presidenta do Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos de Matriz Africana (Fonsanpotma).

Tradicionalmente, no candomblé, o xirê é uma celebração aos orixás, com cantos, rezas e danças. No contexto da Conapir, o termo foi ressignificado como espaço de debate, resgatando a força ancestral das mulheres negras e de matriz africana na formulação de políticas públicas.
Quebra de Xangô
Salete Bernardo destacou em sua fala os desafios históricos enfrentados pelos povos de terreiro em Alagoas. Ela lembrou a quebra de Xangô, que há mais de 100 anos silenciou os tambores da cultura afro-religiosa no estado, e ressaltou que, mesmo após o “perdão” simbólico, a reparação cultural ainda está longe de ser efetiva.
O Quebra de Xangô, ocorrido em 02 de fevereiro de 1912, foi um violento episódio de intolerância religiosa em Alagoas, onde terreiros de religiões de matriz africana foram invadidos e depredados por uma milícia política, levando à perseguição, espancamento e morte de praticantes como a yalorixá Tia Marcelina.
“Nossa cultura ainda não está como gostaríamos, e seguimos enfrentando o racismo religioso, a invisibilidade e até crimes ambientais contra nossos espaços sagrados”, pontuou.
Crime da Braskem prejudicou terreiros

O segundo ponto abordado por Salete foi o crime ambiental provocado pela Braskem, que obrigou muitos terreiros a deixarem seus locais após anos de existência. Para ela, a situação expõe ainda mais a dificuldade no reconhecimento desses espaços como templos religiosos, já que muitos funcionavam em quintais de casas e, por isso, não são oficialmente certificados.
“Quando uma mãe ou pai de santo muda de bairro, muitas vezes não consegue abrir uma nova casa de santo porque a vizinhança não permite, por exemplo. Sabíamos onde estavam as igrejas, mas para onde foram mães e pais de santo?”, questionou.
Ela ressaltou a luta por políticas públicas direcionadas aos povos de terreiro e a importância de a sociedade compreender que não se trata apenas de religião, mas também de uma expressão cultural. “Precisamos de união para avançar. A branquitude quer que sejamos inimigos”, afirmou.
Matripotência, tradição e resistência

Já Lucélia Silva, coordenadora de Igualdade Racial de Maceió, chamou atenção para o racismo ambiental. “Quantos de nós são proibidos de tocar nossos tambores nas praias do Brasil, por exemplo? O racismo passa também por aí”, destacou.
A coordenadora reforçou que falar da matripotência das mulheres e dos povos tradicionais de matriz africana é reconhecer o poder feminino que se manifesta na dança, nos banhos de ervas e nos saberes aprendidos e transmitidos de geração em geração. “Nós aprendemos isso com as nossas bisavós, avós, mães, são saberes que foram repassados”, disse.
Lucélia concluiu destacando que, ao falar de religiões de matriz africana, não se trata apenas de fé, mas de povos com tradição: uma tradição que também se constrói no cotidiano, na forma como cada pessoa organiza sua casa. “Somos nós que vamos falar sobre nós”, afirmou.