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Especialistas alertam para fake news sobre relação entre paracetamol e autismo na gravidez: “Não há evidência científica”

Foto: Fabiana Lisboa

Não há evidências científicas conclusivas que liguem o uso de paracetamol durante a gravidez ao autismo. Ainda assim, a declaração do presidente americano Donald Trump, que fez essa relação ao citar o uso do Tylenol (nome do medicamento nos Estados Unidos), gerou dúvidas e foi um dos assuntos mais buscados no Google Trends nessa terça-feira (23). Para a neuropsicóloga Fabiana Lisboa, mestra e especialista em autismo, trata-se de “um perigo enorme e uma desinformação”.

De acordo com Fabiana, o estudo citado por Trump não tem peso científico para tal conclusão. “É uma pesquisa de correlação, e não de causalidade. Ou seja, não é uma pesquisa com viés científico considerável para essa afirmação.”

Ela lembra ainda que em 2024 uma pesquisa sueca acompanhou milhões de crianças e foi categórica: não existe relação entre o uso de paracetamol e o autismo.

“Esse estudo é considerado um dos mais robustos e reforça que, ao comparar irmãos expostos e não expostos ao medicamento, não há evidência clara de risco. O que se observa é que fatores familiares e genéticos podem estar por trás das associações encontradas em análises menos rigorosas”, explica.

A especialista destacou que, por ser amplamente utilizado desde 1893 e recomendado durante a gestação, o paracetamol é difícil de isolar em pesquisas, já que as próprias condições que levam ao seu uso também estão associadas a riscos para o desenvolvimento neurológico.

O risco da desinformação

Fabiana também ressalta que manchetes sensacionalistas agravam o problema. Segundo ela, mesmo quando se observa algum aumento estatístico, esse número costuma ser pequeno em termos absolutos.

“O problema é que manchetes exageradas levam a frases como ‘paracetamol causa autismo’, quando, na realidade, os dados mostram apenas uma associação modesta ou circunstancial”, afirmou.

Outro ponto destacado pela especialista é que vacinas não causam autismo e que a condição não está relacionada à falta de afeto. “Essa já é uma fake news amplamente desmentida. O autismo não é resultado de estilo parental, de falta de afeto ou de modo de criação”, explicou.

A neuropsicóloga reforça que o autismo é uma condição multifatorial. “Envolve fatores genéticos e ambientais complexos que não podem ser reduzidos a uma explicação simplista”, disse.

Impacto das mudanças na bula

Durante o anúncio feito por Trump, o FDA (órgão regulador americano equivalente à Anvisa no Brasil) enviará notificações aos médicos para orientar sobre o risco. Segundo o republicano, a recomendação seria de que mulheres grávidas limitassem o uso de Tylenol, a não ser quando clinicamente necessário.

No mesmo comunicado, o FDA ressaltou que a relação causal entre paracetamol e autismo não foi comprovada, embora existam estudos que identifiquem associação entre o medicamento e algumas condições neurológicas.

Porém, o FDA anunciou que irá alterar a bula do paracetamol. De acordo com Marty Makary, comissário da agência, a medida tem como objetivo ampliar a conscientização de médicos e pais sobre os riscos potenciais associados ao uso do medicamento durante a gestação.

Impacto na confiança da população

Foto: Mariana Oliveira/Arquivo Pessoal

Para a farmacêutica Dra. Mariana Oliveira, mudanças em bulas podem gerar dois efeitos distintos na população. O primeiro é a impressão de que o medicamento nunca foi seguro e de que pessoas que já o utilizaram estariam sob risco. O segundo é o pânico, muitas vezes alimentado por notícias divulgadas de forma precipitada ou sensacionalista.

“Mudanças bem comunicadas e explicadas por profissionais da saúde, como o farmacêutico, podem até aumentar a confiança no medicamento. Mas conclusões tiradas a partir de poucos estudos, muitas vezes controversos, só geram um uso irracional, abandono de tratamentos e até a troca por medicamentos sabidamente menos seguros”, explicou.

Mariana lembra que todos os medicamentos envolvem riscos e benefícios, e que ajustes na bula podem, sim, acontecer para aumentar a segurança do paciente.

“Isso não deveria servir de combustível para rumores, resistência ao uso ou fake news. Na dúvida, o caminho mais seguro é sempre consultar um farmacêutico”, diz.

Como identificar informações confiáveis

Diante da avalanche de fake news, Mariana destaca que é essencial buscar fontes seguras. É preciso confiar em profissionais ligados ao medicamento e à ciência. “O farmacêutico estuda o mecanismo de ação, os efeitos colaterais e sabe interpretar artigos científicos. Esse é o profissional preparado para orientar sobre o uso seguro”, disse.

Ela reforça que mesmo medicamentos de venda livre, como o paracetamol, precisam de atenção. “Lugar de medicamento é na farmácia, com a presença do farmacêutico para esclarecer dúvidas sobre uso, riscos e interações. Esse cuidado faz diferença, inclusive em medicamentos que parecem inofensivos.”

Gestantes e o risco da automedicação

No caso das gestantes, o alerta é ainda maior. Mariana explicou que elas fazem parte de um grupo de risco em relação ao uso de medicamentos e que todo consumo deve ser feito com prescrição médica.

Segundo a farmacêutica, o ideal é que esse acompanhamento seja feito também por um profissional da farmácia, capaz de orientar sobre a forma correta de utilização e encaminhar ao médico diante de qualquer risco potencial.

Ela lembrou ainda que febres altas durante a gravidez podem representar riscos ao bebê, o que torna indispensável a presença de profissionais de saúde na tomada de decisão. “O farmacêutico é o elo que pode trazer tranquilidade às gestantes, ajudando a entender quando o uso do paracetamol é seguro e quando é necessário buscar avaliação médica”, conclui.

Foto de Raíssa França

Raíssa França

Cofundadora do Eufêmea, Jornalista formada pela UNIT Alagoas e pós-graduanda em Direitos Humanos, Gênero e Sexualidade. Em 2023, venceu o Troféu Mulher Imprensa na categoria Nordeste e o prêmio Sebrae Mulher de Negócios em Alagoas.
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