Existe uma cena que se repete em silêncio, todos os dias. Uma mulher extremamente qualificada hesita, pensa duas vezes antes de enviar o currículo, revisa o e-mail mais uma vez, tenta encaixar mais um curso, mais uma certificação, mais um ajuste na própria personalidade, como se existisse algum tipo de senha invisível para finalmente se sentir autorizada a existir em público.
Enquanto isso, um homem mediano, levanta a mão e diz que dá conta. Ele não está preparado, ele só não tem vergonha de sentir pronto… A autoestima está em dia.
As mulheres não perdem espaço por falta de competência. Perdem porque foram ensinadas a duvidar de si na mesma velocidade em que os homens foram ensinados a se achar geniais por existirem. E essa diferença subjetiva de confiança se transforma, todos os dias, em números objetivos, contracheques desiguais e futuros amputados.
O novo relatório do Ministério do Trabalho comprova aquilo que o cotidiano já gritava: as mulheres recebem 21,2% menos do que os homens no setor privado. A desigualdade não diminui, aumenta. Em um ano, a diferença salarial passou de 19,4% para 21,2%. Nada piorou na capacidade feminina. Só ficou mais evidente o que sempre esteve acontecendo: eles avançam, elas se justificam.
Quando o recorte é racial, a crueldade se multiplica. Mulheres negras ganham 53,3% a menos que homens não negros. Um homem branco pode ganhar o dobro, fazer menos, errar mais, e ainda ser considerado o “perfil ideal” porque aprendeu que a mediocridade masculina é, culturalmente, sinônimo de potencial. Enquanto isso, mulheres negras precisam ser brilhantes para serem vistas, e mesmo assim seguem subpagas, subaproveitadas e subestimadas.
Não é coincidência que os cargos mais bem pagos sigam masculinos, enquanto a escolaridade mais alta está nas mãos das mulheres. O Brasil tem mais mulheres graduadas, pós-graduadas e qualificadas do que homens. Ainda assim, a maior parte do dinheiro segue para eles.
As empresas tentam justificar a desigualdade com argumentos burocráticos como tempo de experiência ou metas cumpridas, mas quase nenhuma se pergunta por que as mulheres têm menos tempo de experiência se, por décadas, pararam a carreira para fazer o que o Estado e os homens não fazem: cuidar de filhos, pais, casas, famílias. Só 21,9% das empresas oferecem auxílio-creche. Apenas 20,9% adotam licença parental estendida.
E é por isso que esse texto não é sobre “motivação feminina”, nem sobre “sair da zona de conforto”. É sobre perceber que, enquanto você se prepara para ser perfeita, um homem mediano já está assinando contrato.
Talvez a pergunta que você precisa fazer não seja “estou pronta?”, mas “por que eu ainda acho que preciso estar?”.