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Brasileiras que moram em outros países relatam vida longe da família e rotina durante pandemia

A pandemia do novo coronavírus impôs mudança de rotina no mundo todo diante do risco causado pelo vírus. E para as brasileiras que vivem em outros países, como está sendo lidar com o desconhecido, com uma nova forma de viver? O Eufemea conversou com três profissionais que moram em outros países e mostra como está sendo o dia a dia delas desde que a pandemia foi declarada.  

A jornalista alagoana Dora Nunes mora em Milão, na Itália, que foi o epicentro global do novo coronavírus durante semanas, com o pico de casos de óbitos nos meses de março e abril. Dora contou  o que mudou para ela.  

“Eu vim para passar um ano, pensava em estudar a língua. Na verdade, era indefinido, tipo, um ano sabático mesmo. Eu já havia morado antes na Espanha, em Madri, onde fiz um mestrado em políticas públicas e em seguida, passei mais um ano em Londres, para estudar inglês e sempre que tinha férias vinha para a Itália, para onde voltei outras vezes depois, quando já tinha voltado para o Brasil. Sempre gostei demais desse país e pensava em morar em Roma, mas acabei indo inicialmente para Gênova, onde conheci meu companheiro, que já vivia em Milão. Acabei mudando para cá”. 
 
Ela diz que saiu de Alagoas no início de 2015 e foi morar em São Paulo. Não precisou largar trabalho porque atuava como freelancer e que até hoje escreve matérias para o Brasil. Na Itália, ela conta que trabalha.  

“Para uma agência de comunicação, a InPagina, e também com receptivo de turistas em aluguéis temporárias tipo Airbnb e outros. Durante algum tempo fiz a newsletter para um projeto voluntário junto com o Consulado brasileiro em Milão, o IntegrazionNow, que auxilia na inclusão social e laboral de quem migra para a Itália. Tive que deixar o projeto porque as minhas outras atividades foram crescendo e não tinha mais tempo”, diz Dora Mas foi chegada da pandemia que trouxe também medo e incertezas.   

“Essa parte foi bem dura. Primeiro porque a minha família estava muito apreensiva com a situação da Itália, todos viam que aqui foi bem complicado, era a primeira experiência prática com o vírus para nós ocidentais. Depois porque tanto eu como o meu marido (ele é holandês) estávamos longe de nossas famílias. Sentíamo-nos ainda mais isolados porque todos ao nosso redor estavam perto dos seus e isso tornou a situação ainda mais angustiante”. 
A comunicação com a família no Brasil é frequente e se dá via redes socais e lives. Já o home office, ela conta que não trouxe muito impacto. “Isso para mim não mudou muito, porque parte do meu trabalho já era assim. Entretanto, as minhas atividades externas, por se tratarem de turismo, foram absolutamente bloqueadas e só agora estão recomeçando”, relata Dora.
 
Dora Nunes é jornalista, alagoana, e mora na Itália, que durante semanas foi o epicentro da pandemia: “Parecia um filme, as ruas vazias, as pessoas assustadas em casa, as notícias cada dia mais aterrorizantes e angustiantes”

Lockdown e compras para dois meses 

Questionada sobre o que mudou na rotina dela e do companheiro, Dora conta que com a pandemia mudou tudo. 

“Nós haviamos chegado do Brasil e uma semana depois começou a contaminação aqui. A cada semana eram editadas novas regras pelo governo até culminar no Lockdown. Assim, fomos saindo cada vez menos de casa. inicialmente, fizemos uma compra grande no supermercado que durou dois meses, depois só saíamos para buscar as compras que fazíamos online. Com relação a atendimento médico, fomos logo avisados que só deveríamos ir no consultório do nosso médico (de família) em último caso. A nossa médica forneceu o número de telefone que nos atenderia diretamente e explicou que as receitas seriam colocadas em um local com senha fora do consultório e depois do lockdown, passaram a ser online.” 

Eufemea – A Itália foi durante um tempo o epicentro da Covid. Como foram seus dias nesse período? 

Dora – Foi uma loucura. Era muito estranho, uma situação inimaginável, ver a Europa de joelhos. Parecia um filme, as ruas vazias, as pessoas assustadas em casa, as notícias cada dia mais aterrorizantes e angustiantes. Particularmente, uma das piores partes da quarentena foi causada pelo meu “defeito profissional”. Sempre fui ávida por notícias e passo o dia seguindo os jornais e telejornais europeus e era muito difícil ter tranquilidade recebendo notícias diárias de centenas de mortos. Muitos que viviam sozinhos estavam praticamente deprimindo porque não podiam visitar os filhos e pedindo no grupo de WhatsApp do condomínio  que saíssemos nas varandas para que pudessem ver gente e conversar.  Saíamos, conversávamos um pouco sobre como estava nossa vida e isso passou a ser constante, nos falarmos pelas varandas. Depois, parece que todos pensaram o mesmo e começaram a circular os vídeos de música nas varandas. Outra coisa que me lembro bastante, era ter as viaturas da polícia paradas nas esquinas, vigiando quem saía e exigindo os certificados de permissão impressos e preenchidos com os motivos pelos quais eram fora de casa. O meu marido imprimia esses certificados e deixava no hall do condomínio para quem precisasse. 

Eufemea – E hoje, como está, passado o momento mais grave? 

Dora – Hoje tudo funciona de uma forma muito tranquila porque na Itália nos habituamos com o uso das máscaras,  do higienizante para as mãos e com a distância de segurança. São poucas as pessoas que não respeitam. Está sendo muito civilizado nesse sentido. Vamos ver agora que começou o verão europeu como serão as férias. Estou me sentido segura agora para sair de casa porque vejo que existe um esforço coletivo para que o vírus não volte a ser letal como já foi, com algumas exceções, claro. Sempre existirão os “complotistas” que acham que o vírus é uma invenção, ou mesmo, os egoístas que não se preocupam com os outros. No mais, devemos esperar pela vacina para ver se um dia tudo voltará ao normal. 

Blog e quarentena rígida 

Rosi Guimarães é de Minas Gerais (BH) e se mudou para o Chile com a família, há seis anos.  Relações Públicas e pós-graduada em cerimonial e organização de eventos, ela é  casada com Flávio, ela é mãe de dois filhos, Arthur, 20 anos e Yasmim, 15. “Viemos pelo trabalho do meu marido. Ele veio primeiro, em 2013, o contrato dele era de um ano apenas, então a gente tinha decidido não vir. Porém, no final de 2013, o contrato foi renovado e em janeiro de 2014, eu e meus filhos chegamos aqui no Chile. Viemos para morar com ele”, conta Rosi. 

A relações públicas Rosi Guimarães é de Minas e mora no Chile com a família: “A gente só pode sair de casa duas vezes por semana, mesmo assim com autorização do governo chileno”. Foto: @sr_e_Sra_photography

Ela diz que trabalhava com eventos corporativos em Belo Horizonte e teve que deixar o trabalho para mudar para o Chile. “Chegando aqui no Chile, eu me reeinventei e criei o Blog Nós no Chile. Na verdade, eu criei o blog para eu ter um passa tempo, alguma coisa para fazer , porque como sempre trabalhei com eventos, sempre fui muito agitada, muito ativa no mercado de trabalho, eu cheguei aqui no Chile nos primeiros meses fui organizar a vida, casa, buscar colégio pros meus filhos, fomos nos adaptando os primeiros meses. Depois que meu marido já estava tranquilo no trabalho, meus filhos já estava começando a a se adaptar no colégio, aí foi a hora que eu tive para cuidar de mim”, ela revela. 

Primeiro, Rosi revela que foi fazer um curso de espanhol. “Nós chegamos aqui no país e a gente não falava nada da língua. Comecei a ver as diferenças do Chile e escrever sobre essas diferenças no Facebook e vi que despertava o interesse das pessoas. Então, a partir daí, eu criei um blog, que foi uma coisa bem caseira, eu mesma que fiz tudo, o blog foi crescendo, fui profissionalizando, mudei a plataforma, contratei uma pessoa para desenvolver uma logomarca, um design, o blog foi ficando cada vez mais profissional, com maior número de acessos, e isso passou de hobby a trabalho. Hoje, o blog  é o meu trabalho, sair, mostrar o Chile para os brasileiros, escrever as minhas impressões, dá as dicas para as pessoas viajarem para o Chile sem passar perrengue”. 

Rosi conta que a quarentena no Chile está sendo bastante rígida.

“A gente só pode sair de casa duas vezes por semana, mesmo assim com autorização do governo chileno. Eu preciso entrar no site, retirar uma permissão para poder sair para a rua. Nessa semana, o governo já começou a liberar alguns bairros da quarentena. Porém, o bairro que eu moro ainda não foi liberado, ou seja,  gente está há 120 dias em casa, as fronteiras estão fechadas e a minha comunicação com minha família, com meus pais, minha mãe, é através de chamada pelo WatsApp. Estou sempre ligando, porque eu também fico aqui, mas fico preocupada com eles, que já são idosos, sei que a situação no Brasil está super complicada”. 

Segundo ela, todos seguem em home office na família. “Meus filhos estão tendo aula on-line. Arthur faz Engenharia na Universidade Católica e Yasmim está no segundo ano médio. Meu marido também está em casa, trabalhando há mais de 120 dias e o meu trabalho, que é o blog, não vou dizer que parou porque eu ainda continuo produzindo conteúdos. Tenho aproveitado meu tempo para escrever uns posts antigos, de viagens que eu fiz, e tenho ficado também muito ativa nos stories do Instagram”. 

Ela diz ainda que com as fronteiras fechadas, muitas pessoas que pretendiam viajar ao Chile tiveram de adiar o sonho para o próximo ano.  

“No princípio da pandemia, em maio, as pessoas acreditavam e eu também, que até setembro as coisas já estariam normalizadas, mas as fronteiras continuam fechadas. Então acredito que para esse ano vai ser impossível viajar para o Chile. O governo chileno criou um plano de desconfinamento que compõe cinco passos, o meu bairro está no primeiro passo, como o meu, que é a quarentena. Alguns bairros já passaram ao passo dois, que é libera a quarentena de segunda a sexta, porém continua em quarentena sábados, domingos e feridos. Algumas regiões que o número de casos subiu, eles estão voltando à quarentena. Está sendo tudo muito bem controlado”. 

Rosi Guimarães
Rosi criou o blog Nós no Chile, que atrai pelas postagens onde mostra o turismo do país: “Tenho aproveitado meu tempo para escrever uns posts antigos, de viagens que fiz”. Foto: @silvianepicioli

Intercâmbio e reviravolta na vida 

A jornalista Drica Cerqueira é alagoana e mora em Portugal. Ela conversou com o Eufemea, a quem contou sobre sua rotina e o que mudou em sua vida durante a pandemia. “Cheguei em Portugal em meados de fevereiro desse ano. Vim morar na cidade do Porto. No Brasil estou cursando a minha segunda faculdade que é Pedagogia (a primeira é o jornalismo)”, relata. 

Ela conta o que a fez mudar de país. “Desde a época do colégio que eu queria ter feito intercâmbio para aprender inglês. Meus pais não tinham condições de pagar por esse sonho na época, então foi adiado. Fiz Jornalismo, com esse sonho que mais uma vez foi adiado. O tempo foi passando, tive uma empresa de eventos durante 10 anos. E decidi mudar de vida. Fazer a tal “reviravolta”, mudar meu ciclo e colocar meus sonhos em ação”.  

Drica Cerqueira
A alagoana Dirca Cerqueira está morando em Porto, onde realiza o sonho de estudar: “Com a ajuda da minha psicóloga do Brasil, pude ressignificar minha estadia aqui e aproveitar esse momento com outros olhos”

“O primeiro foi resgatar a paixão pela educação. Comecei a fazer Pedagogia em 2017-2 (segundo semestre). E o Cesmac todos os anos abre um edital pra intercâmbio. Submeti duas vezes e na segunda passei e cá estou. Portugal nunca foi meu sonho, mas com essa nova oportunidade e dentre as instituições de ensino superior que tem parceria com minha faculdade, escolhi a Universidade do Porto, que por sinal, achei muito assertiva”. 

Como já havia fechado a empresa que tinha em 2017 e estava apenas estagiando, Drica conta que não precisou largar emprego.  “Vim me dedicar aos estudos. Aqui quem faz mobilidade acadêmica é chamado de aluno Erasmus. Eu vim fazer um semestre da faculdade aqui”. 

Além disso, o afastamento da família já era previsto, mesmo antes da pandemia. “Quando eu vim pra cá, como a intenção era passar um ano e não ir ao Brasil durante esse tempo, pra mim, esse aspecto não pesou. O que pesou foi ficar confinada na Europa, estudando através de plataformas online, sem a socialização que o contato pessoal promove e que são promovidas as grandes trocas do intercâmbio”, ela diz. 

E revela: “Com a ajuda da minha psicóloga do Brasil, pude ressignificar minha estadia aqui e aproveitar esse momento com outros olhos. A experiência foi totalmente pessoal, a acadêmica ficou como coadjuvante. Senti não poder explorar a cidade que estava instalada. Agora, eu consegui fazer um tour por quase todo Portugal e quando as fronteiras foram abertas entre os países da EU, consegui ir pra Espanha e estou indo pra França ter com uma amiga brasileira”. 

Pelo menos uma vez por semana, ela conta que a comunicação com os pais ocorre “Fazemos chamada de vídeo com meus pais. Mas todos os dias trocamos mensagens. Usamos o WhatsApp, skype e às vezes o zoom”. 

Quanto a mudanças por conta da pandemia, ela confessa que não deu nem tempo de estabelecer uma rotina.  

“Cheguei e em menos de um mês estava trancafiada dentro de uma casa com pessoas que não conhecia direito ainda. Mas que foram grandes parceiras de confinamento, cuidamos umas das outras como uma família. Não tinha ideia que iria vir pra Europa e ficar confinada. Imaginava que iria viajar muito. Mas a viagem foi do auto conhecimento, brinco dizendo que fiz várias viagens pro interior do meu ser.” 

Quantas a planos para voltar ao Brasil quando a pandemia passar e ela concluir os estudos ou ficar para morar em Portugal, Drica diz: “Hoje, estou arrumando as malas literalmente pra ir para a França passar as férias com uma amiga que tem família e mora lá. Depois da pandemia, não fiz mais planos. Tenho a pretensão de aproveitar a validade do meu visto até o último momento. Voltar para o Brasil, pra terminar a faculdade e depois só o tempo dirá”.

“Estou aberta para as oportunidades e vivendo um dia de cada vez. Os planos que tenho hoje, não são mais radicais e metódicos como eu sempre quis planejar e controlar – afinal, não temos controle de nada, tenho objetivos mas deixo que o universo conduza o melhor caminho para chegar até eles e posso escolher mudar esses objetivos no meio desse percurso. Esse e mais alguns outros estão sendo meu aprendizado.” 

Drica diz que prefere não fazer planos para o futuro quanto a sua permanência em Portugal: “Estou aberta para as oportunidades e vivendo um dia de cada vez”