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De Penedo para o mundo: bordados são verdadeira obra de arte da Pontos e Contos

O município de Penedo, na região do Baixo São Francisco de Alagoas, guarda não apenas casarios e prédios históricos preservados em sua origem, mas é de lá que sai uma arte tão antiga quanta a própria existência da cidade: o bordado feito à mão, que dá vida e cor a roupas femininas e atrai pela beleza e detalhes em cada ponto.  É de Penedo a Pontos e Contos, associação que reúne mulheres bordadeiras responsáveis por peças exclusivas e de uma delicadeza singular. 

O Eufemea conversou com Francisca Lima Lessa Lobo, uma das fundadoras e presidente da associação, engenheira agrônoma aposentada, que mora em Penedo há 40 anos, onde chegou para trabalhar e se instalou até hoje. Ela conta como tudo começou e faz um ‘passeio’ pelas memórias da associação, que hoje se prepara para alçar voos e ganhar o mundo. 

“O projeto nasceu em 1997, eu ainda trabalhava na Codevasf, meu marido é do Rotary e eu fiz alguns trabalhos com adolescentes junto com ele na Casa da Amizade, instituição que existe no Brasil inteiro e reúne as mulheres dos rotaryanos. Um dia estava no meu trabalho e recebi a visita de uma moça me pedindo para ajudá-la a montar uma associação de bairro, numa localidade que tem um estigma muito forte por reunir pontos de prostituição”, conta Francisca.  

Francisca Lessa é presidente e fundadora da associação: “É muito gratificante ver a mudança das meninas, de pensar, de sonhar, porque elas não tinham sonhos”

Ao chegar em casa, ela lembra que conversou com a mãe e ficou pensando o que poderiam fazer para ajudar. Daí veio a ideia, e por que não ensiná-las a bordar!

“Minha mãe foi bordadeira a vida inteira, aprendeu muito jovem e bordava para fora, nos sustentou durante muito tempo. Ajudava na renda da família. E eu aprendi a bordar com sete anos e ajudava minha mãe nos bordados dela. Para me formar, na Universidade de Brasília, eu bordei muito para fora, para as amigas, para as pessoas que eu conhecia para me manter e ajudar minha mãe. Resolvi ensinar as meninas a bordar. Organizei e montei um grupo de bordado com elas”, relata. 

As aulas eram dadas por Francisca na casa das jovens. “Eu levava a minha mãe para o bairro logo depois do almoço, ficava um pouquinho com ela, deixava na casa de uma das meninas, e era tudo muito difícil. E assim a gente passou durante muito tempo. A gente não tinha espaço. Aí a coisa foi começando a crescer. A gente bordava ponto cruz, pano de prato, coisas pequenas e bem comuns, que todo mundo borda. Vendia para as amigas, pros meus parentes”, ela lembra. 

Busca por espaço e cidadania 

Mas o crescimento veio com o tempo e a dedicação ao trabalho. “A gente conseguiu um espaço no mercado do artesanato, a prefeitura deixou a gente usar e montamos uma loja”, conta Francisca. Ela diz que nessa época foi convidada a ser presidente novamente da Casa da Amizade e como estava com muito trabalho com os bordados, só aceitou mediante a aceitação de uma contraproposta feita às mulheres do Rotary, de que acolhessem o projeto como sendo da Casa da Amizade, o que deu mais visibilidade aos bordados. “Começamos a fazer um trabalho de resgate, de cidadania, da dignidade, de profissionalização delas”. 

Nas peças, as bordadeiras trazem as lendas, o folclore, o acervo arquitetônico e cultural de Penedo

O passo seguinte foi procurar um espaço próprio. “A gente ficava perambulando, ia para o clube, dava aula nos fundos da igreja, era muito complicado. A gente chegava com as meninas no mercado do artesanato e as pessoas ficavam olhando meio enviesado, porque como elas eram do Camartelo, todo mundo tinha preconceito com elas. E elas ficavam intimidadas, não queriam entrar nos lugares porque se sentiam muito incomodadas com aqueles olhares”. 

Francisca lembra ainda que em Brasília conheceu Sávia Dumont, “uma bordadeira muito famosa, de uma família de bordadeiras de Minas Gerais. Ficamos amigas e um dia ela veio a Penedo, num tipo de comitiva de barco, que saiu de Pirapora (MG), passando por todas as cidades, trazendo vários profissionais e as bordadeiras. Elas davam oficina de bordado, me convidaram para participar e eu fui”, relata. 

Bordar contando história 

Ela conta ainda que levou a mãe e as meninas. “Lá, a gente aprendeu um tipo de bordado diferente, porque eu aprendi o tipo tradicional, que é o crivo, o matiz. E elas não fazem um bordado comum, fazem uma obra de arte. E ensinaram a gente essa técnica de misturar linhas, textura. E uma coisa super importante: de bordar contando história, que para a gente foi uma grande novidade”. 

Com os paninhos bordados na oficina, Francisca conta que fez uma colcha de retalho. “Um dia ela (Sávia Dumont) veio na minha casa me visitar e encontrou a colcha de retalho em cima do sofá. Eu estava terminando de montar a colcha. Ela ficou enlouquecida quando viu, aí comprou e me perguntou se queria que ela viesse dar um curso aqui em Penedo pra gente. Ela veio, trouxe máquinas de costura, era um projeto que ela tinha na Fundação Banco do Brasil, chamado bordando o Brasil. Trouxe linha, agulha, tudo o que precisava pra se bordar, e deu uma oficina pra gente de uma semana”. 

“No dia que ela foi embora a gente ficou com muita bagagem, muito aprendizado. E começamos a fazer um bordado que a gente não fazia. Começamos a bordar roupas, bolsas e outros acessórios. A gente só bordava coisas de cozinha”. 

A partir daí, o trabalho era conseguir o espaço próprio. “Participamos do Programa Nota 10, do governo do Estado de Alagoas, de nota fiscal. Juntamos R$ 63 mil em três anos e compramos uma casa. Quando a Sávia veio, em 2005. A Casa da Amizade fez a campanha para comprar o nosso espaço próprio e é a mantenedora da entidade, que se chama Associação de Inclusão Social Bordadeiras de Penedo. O Sebrae também nos achou e nos convidou para participar de concursos, a gente fez e o primeiro que ganhei foi o Mulher de Negócio”. 

“Elas agora têm sonhos” 

“Começamos a participar de feiras, de eventos, cursos de tudo o que precisávamos, inclusive de preços, de como viver em associação, tudo o Sabrae faz com a gente. Um apoio muito importante. Ganhamos as três edições do Top 100 do Sebrae e hoje a gente vende para o Brasil inteiro. As meninas são completamente diferentes do que elas eram quando a gente começou a fazer o trabalho”.

“Hoje temos meninas de vários bairros da cidade, não só do Camartelo. É muito gratificante ver a mudança delas, de maneira de pensar, de sonhar, porque elas não tinham sonho. Hoje temos muitas meninas fazendo curso superior, as mães bordam, e as filhas estudam na faculdade. É muito gratificante para a gente isso”. 

O bordado da Pontos e Contos, explica Francisca, “é livre. A gente utiliza uma mistura de linha, de cores. Num bordado só, a gente faz vários pontos diferentes. Uma árvore só, a gente pode bordar vários pontos. Tem pontos que a gente inventa na hora”. 

“Nossos desenhos traduzem a nossa cidade. Moramos numa cidade histórica, tombada pelo Patrimônio Histórico Nacional, com quase 400 anos, temos um acervo cultural, arquitetônico muito bonito e moramos na beira do Rio São Francisco”. 

Além de roupas, elas também fazem acessórios, onde misturam linhas e cores

Nos pontos bordados, as artesãs trazem as lendas, o folclore, o acervo arquitetônico, cultural. “Fizemos várias coleções: as lendas do São Francisco, a religiosidade, com a procissão de Bom Jesus dos Navegantes e o rio, contando as histórias. Os nossos desenhos hoje são feitos por um artista plástico autodidata, que trabalha na usina. É muito legal a gente poder fazer com que pessoas que nunca imaginaram que fossem um dia ser reconhecidos, ser reconhecido como artista plástico”. 

E como Francisca percebe o bordado hoje? “Hoje eu não sou uma bordadeira. Sou uma artista, porque também bordo junto com as meninas”, ela diz, ao destacar que fazem peças do vestuário feminino, infantis e acessórios. O trabalho é feito em tricoline, brim, linho e algodão cru. 

Onde encontrar 

As bordadeiras têm sede em Penedo, uma loja em Maceió, que vende as peças, a Calidoscópio, parceria iniciada este ano. “Temos uma parceria também com a loja Le Soleil d’été, em São Paulo. Agora mesmo elas estão lançando uma coleção de verão e as peças foram bordadas por nós. É a segunda coleção delas que a gente borda. E vamos bordar esse ano também uma coleção de tênis para uma loja de sapatos”.