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Mães vivem incerteza e medo na volta às aulas presenciais; psicopedagoga alerta para diálogo

A volta às aulas presenciais em meio à pandemia do novo coronavírus e sem uma vacina até aqui descoberta pela ciência, virou um pesadelo para os pais, que temem o contágio dos filhos no ambiente escolar. Mandar crianças e jovens para a sala de aula é algo ainda inimaginável para muitos. Drama também para quem segue tentando acompanhar e ajudar os filhos nas aulas on-line e até para os estudantes universitários. A educação vive um novo momento. 

O Eufemea ouviu mães que falam sobre a preocupação com essa retomada. Ouviu também uma psicopedagoga, que fala sobre a preparação para a retomada do ponto de vista psicológico o que isso representa para o aluno, há mais de cinco meses em isolamento social e em vários casos sem aula nem mesmo virtual. 

“Não concordo com retorno em pleno final do ano. Há riscos pra casa, uma vez que residimos com minha mãe hipertensa e meu irmão diabético”, diz Fernanda Morais, mãe de Sofia Aranda, aluna do ensino fundamental I, quarto ano, em escola privada. 

Ela considera que não há mais como se falar em resgate do ano letivo após tanto tempo sem aulas presenciais. “Por mim, não há como resgatar o ano letivo, pois seria injusto, mesmo sendo uma despesa grande “perdida”. Por mim, continuaria on-line, pois é melhor ter as aulas para que possa fazer alguma atividade do que permanecer totalmente ociosa”. 

Por outro lado, Fernanda chama atenção para a questão do desenvolvimento e rendimento escolar nas aulas virtuais.  

“É complicado pagar e saber que a criança não tem o mesmo rendimento, pois as notas estão ótimas, mas o conhecimento restrito. Ela passará de ano pelas notas, mas sofrerá para acompanhar uma série que exigirá mais. Terá que se esforçar bastante e já prevejo mais gastos com reforço. Por outro lado, seria justo ela passar de ano e quem está na rede pública não passar? Por não ter tido acesso a material, computador, internet, por ter pais ou responsáveis analfabetos que não poderiam ajudar na tarefa de casa… São muitos entraves. Muito complicado”. 

Fernanda Morais, mãe de Sofia Aranda

Dificuldade nas aulas on-line 

Fernanda lembra ainda que o atual cenário é muito difícil para os pais. “Aulas presenciais suspensas e mensalidade com desconto determinado pela Justiça. Aulas on-line pelo mesmo período das aulas presenciais ou seja, umas quatro horas e meia. Implica em ter uma boa internet. Tive que trocar por uma mais cara. Um bom aparelho smartphone ou notebook. No caso meu notebook quebrou durante esse processo.️ E também estou sem impressora. Graças a Deus a escola não manda material além do que consta nos módulos”. 

Diante de todos os entraves, Fernanda considera que se torna complicado exigir da filha criança. “A dificuldade em exigir maturidade a uma criança de 10 anos para que esteja disposta a sentar por mais de quatro horas estudando, sem contar com as tarefas de casa, tendo ao seu redor inúmeros atrativos como TV, Internet, jogos… Distrações de toda sorte! Dificuldade em mudar a rotina porque teria que sentar e estudar com ela, passando as quatro horas e meia dedicadas as tarefas”, ela revela. 

“Confesso que não estou exigindo após vê-la aos prantos depois que chamei sua atenção após a coordenadora me informar que ela estava entrando nas aulas atrasada. Chorou dizendo não gostar de aula on-line, que prefere a escola física. Acredito que exigir à força não vai render aprendizado”. 

Dona de escola e mãe: “Não concordo” 

Kátia Rejane da Silva, 40 anos, é mãe de Karen Rayane da Silva Lobo, 20, cursando Pedagogia na Ufal, e de Maria Karollyne da Silva Lobo, 19 anos, que cursa Administração em faculdade particular. Kátia é  proprietária de uma escola de porte pequeno na parte alta de Maceió. Ela analisa com precaução a volta às aulas.  

Kátia é dona de escola na parte alta de Maceió, perdeu cerca de cem alunos, as filhas Karen e Maria Karollyne cursam universidade, mas ainda assim ela diz não concordar com a volta às aulas: “Vejo de perto o quanto as pessoas ainda não estão preparadas”

“Bem, a filha que faz Ufal  pra mim foi uma decepção por ser federal e não estar tendo nenhum tipo de aula remota e não entendo qual a dificuldade em passar essas aulas já que há recursos pra isso. Me preocupa, pois será um período perdido. Isso me deixa triste como mãe. A filha que faz faculdade privada está tendo aula sim remota, porém a faculdade neste momento de pandemia deveria dar um suporte maior a esses alunos universitários. Percebo também a dificuldade em professores não preparados para este momento que vivenciamos”. 

Quanto ao retorno das aulas presenciais, Kátia afirma que é contra. “Tanto como mãe ou como empresária, não concordo. Tenho uma escola de porte pequeno na periferia do bairro Cidade Universitária e vejo de perto o quanto as pessoas ainda não estão preparadas para o que estamos vivenciando e parece que está tudo “normal” e não é bem assim”, ela diz. 

“Pois bem, meu lado mãe não deixará minhas filhas retornarem à faculdade. E meu lado gestora não concorda também. Trabalho com crianças de 2 a 8 anos e não vejo entendimento deles para um convívio em escola. É difícil também ser contra onde muitas escolas lutam pra que retornem eu vejo que o retorno trará maiores consequências do que manter como estamos em aulas remotas, apesar da inadimplência que me deixou no vermelho a ponto de fechar”.  

Kátia diz ainda não conseguir imaginar “abrir a escola e uma criança pegar Covid ou ter algum sintoma desses que a mídia aos poucos está trazendo à população. Nunca acreditei que a criança era imune. Nossa, não fazia sentido algum isso! O que mais vejo é adulto de máscara e crianças não. Como essas crianças ficariam na escola de máscara? Elas iriam trocar máscara, objetos abraços e beijos”, avalia. 

Ela lembra também que “esta faixa etária requer atenção, muito carinho e o tocar entre elas é essencial. Bem sei que minha empresa está abalada com tudo isso, mas tenho que pensar que se ficamos até agora, então aguentamos até dezembro. Só gostaria que os pais vissem a responsabilidade em manter as mensalidades para que a escola assim não fechasse, daí tenho certeza que a maioria das escolas não estaria nesta ânsia de abrir porque nada mudou em nossas contas. Respeito a opinião de todas as escolas, porém a minha visão é esta”. 

Ao Eufemea, Kátia destacou a situação das escolas da periferia. “Que bom que abriram este espaço para nós pequenos empresários. Estamos preparados da forma que a nossa condição nos permite para receber esses alunos, apesar de achar que deveria ser opcional as escolas retornarem ou não com as aulas presenciais”. 

A escola dela, revela Kátia, perdeu em torno de cem alunos. “Me sinto péssima com tudo isso, mas caso não possamos voltar, digo até que fico aliviada. Os riscos são muitos em aglomerações, contato físico, e não sabemos se há familiares contaminados. São inúmeras dúvidas e medo. Professores estarão também em riscos constantes. Somos doação de amor. Como não passar para nossos alunos isso? Eu não consigo imaginar!”. 

Kátia Rejane, mãe de Karen Rayane e Maria Karollyne

Quanto a planos futuros, ela diz que apesar das dificuldades não pretende fechar a escola. “Tentarei me segurar até o último aluno. Nos manter está sendo praticamente um milagre, assumo isso. Tá muito difícil. Tem dias que nem dá ânimo pra continuar. Estou em oração para que nos ajude até isso passar, sabe … A escola é minha vida meu trabalho, meu sonho, e tenho que buscar forças pra não cair. Porém, repito: apesar de toda dificuldade que estou passando, voltar não é a saída”. 

Em tom de desabafo, Kátia fala: “Peço desculpas aos colegas gestores que estão ansiosos com o retorno. Eu entendo e respeito, mas esta é minha opinião pessoal, pela qual também sou apoiada pelos pais dos meus alunos e isso me dá mais forças em pensar que estou certa na minha visão. A maioria que tenho contato já me falou que se voltarem as aulas o filho não volta, ficarão em aulas remotas e outros pais optaram em tirar da escola e falaram que só próximo ano. Então temos que aceitar a realidade e buscar manter os pais que continuaram conosco nesta luta e tentar o máximo dar segurança e passar segurança aos nossos alunos. Isso pra mim hoje é o mais importante”. 

“Quem deve decidir são os órgãos competentes” 

Ester Monteiro é formada em Pedagogia e Psicopedagogia pelo Unifai (Centro Universitário Assunção), em São Paulo, onde integrou a diretoria da  Associação Brasileira de Psicopedagogia- Seção SP, no período de 2011 – 2015. Atualmente atua em Maceió e conversou com o Eufemea sobre a volta das aulas presenciais.  

Ester Monteiro é formada em Pedagogia e Psicopedagogia: “Acredito que a maior dificuldade será  o distanciamento, pois a interação social na escola é essencial”

“Muitas escolas já estão preparadas para o retorno, com  protocolos e recursos de materiais. As escolas deverão planejar um retorno que seja eficiente e tranquilo. O retorno precisa ser cauteloso, mas quem deve decidir o retorno às aulas, sem uma vacina, são os órgãos competentes da Saúde.   Caso as aulas voltem sem uma vacina,  as instituições  deverão seguir com diretrizes rígidas  e claras  para prevenção.  Como por exemplo, garantir distanciamento e higienização”, ela afirma. 

Ester Monteiro, psicopedagoga

Segundo a profissional, “algumas escolas já estão preparando informativos, lives, debate, canais de comunicação. Atualmente faz parte do nosso cotidiano usar máscara,  distanciamento e álcool em gel. As crianças já estão “socializando” com a nova mudança de rotina.  Sendo assim, o retorno será mais  tranquilo. Acredito que a maior dificuldade será   o distanciamento, pois a interação social na escola é essencial e primordial, principalmente para os menores”. 

“O momento é delicado, há muitas incertezas e medos. Os responsáveis devem conversar com as crianças, levando em consideração a idade e o nível de compreensão. O adulto deve ouvir a criança, suas aflições e dúvidas. O diálogo deve ser transparente, passando para as crianças informações seguras”. 

A psicopedagoga falou ainda sobre o que diz a lei em relação à garantia da criança e do jovem de estudar. “Sabemos que por lei os pais têm direitos e obrigações em relação aos filhos.  E está no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), caso os responsáveis não levem a criança para escola, é considerado negligência, podendo vir perder a guarda. Mas nesse momento está havendo um debate, pois muitos pais não querem enviar seus filhos para escola. Algumas cidades do Brasil, como por exemplo São Paulo, está elaborando uma resolução, onde permitirá aos responsáveis  optar por mandar ou não as crianças, mesmo com o retorno autorizado pelo Estado. O aluno poderá assistir e participar de forma online”.  

Ester diz ainda que é preciso “confiar nos órgãos competentes. Está sendo um ano difícil para todos, crianças, pais e escola.  Temos muitas realidades, uma sociedade desigual que acaba refletindo na aprendizagem. Para aquele aluno que mora na periferia, que não tem uma internet, o ensino não será satisfatório.  Caberá  a escola  estruturar e implementar uma gestão que possa recuperar  esse ano, através de cronogramas de reposição, organização de atividades complementares,  revendo  o planejamento anual para o retorno das aulas”.