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Major do Exército é exposta em redes sociais por militares após revelar ser mulher trans

Major do Exército Brasileiro, Renata Gracin, 38 anos, é uma mulher trans e desde que decidiu  fazer sua transição de gênero, passou a ser alvo de troca de mensagens entre os militares. Renata mora em São Paulo, é divorciada e era a major Seixas, efetiva na corporação. Em julho, ao postar uma foto do antes e depois em suas redes sociais Facebook e Instagram, quando até aí era major Seixas, ela se viu às voltas com os ataques e divulgou uma nota. 

“Hoje acordei com minhas redes sociais lotadas de notificações. O dia que eu sabia que iria chegar, chegou! Estou sendo exposta em grupos de WhatsApp do Brasil todo, o que não me abala. Sou uma lutadora da causa LGBTQI+ e defensora dos direitos humanos. Sou Major do Exército Brasileiro e minha luta continua”, relatou. 

O Eufemea conversou com Renata, que contou sua história de sofrimento até superar uma depressão. “Há 3 anos entrei em depressão por causa dessas questões de gênero. Quando senti que não aguentava mais lutar sozinha, busquei ajuda médica no Exército, onde tive todo o apoio psicológico e psiquiátrico”, ela conta. 

“Há cerca do dois anos entrei em licença médica para tratamento da depressão e ao mesmo tempo iniciei minha transição de gênero. Passei a tomar hormônios e neste ano fiz diversas cirurgias plásticas pra adequar o corpo ao que minha mente buscava. Passei a viver como uma mulher trans, já havia informado ao comando e no meio desse processo todo houve um vazamento de informações para os grupos de WhatsApp de militares do Brasil todo”. 

Ela conta que o comando do Exército a acolheu e em nenhum momento se colocou de forma preconceituosa em relação a ela.  

“Não houve ameaça de expulsão. A intenção do comando foi me acolher e buscarmos uma solução para algo ainda novo no Exército. Eu também tinha consciência de que não poderiam me expulsar, pois sou militar de carreira, com 20 anos de serviço e tenho meus direitos garantidos por ter passado em um concurso público. Outro fator importante é que atualmente transfobia é crime, isso me deu coragem e força”, conta Renata, que é formada no curso de Infantaria da Aman (Academia Militar das Agulhas Negras). 

O mesmo não ocorreu em relação aos colegas de farda. “Depois que me assumi ao comando, fui chamada algumas vezes no quartel onde estou lotada e pediram que enviasse alguns documentos. Creio que alguns militares se surpreenderam ao me ver toda transformada e com isso espalharam a notícia”, diz. 

Segundo ela, o Exército sabia sobre sua transição de gênero. “A parte médica do Exército sempre soube desde o início quando busquei ajuda. Para o comando operacional, decidi revelar quando meu processo de transição já estava bem avançado, às vésperas de realizar a cirurgia de mamoplastia de aumento. Já soube de um caso de uma sargento há cerca de 10 anos, porém ela foi reformada (aposentada). Sou a primeira oficial combatente a se assumir transexual”. 

Renata  diz ainda esperar contribuir com a mudança de comportamento das pessoas. “As Forças Armadas seguem as leis existentes em nosso país. Quem precisa mudar o pensamento são as pessoas. Eu espero contribuir na luta contra o preconceito, porém sou uma das pioneiras nesse caminho, então pra mim tudo também é novidade. Tento fazer o que estiver ao meu alcance. Busco estudar sobre esses assuntos para que eu tenha melhores condições de contribuir nessa luta”, afirma. 

Na rede social, Renata fala sobre a criminalização da transfobia e busca combater preconceito

Como lhe tratavam no Exército antes de saber que você é trans e o que mudou quando você se revelou, questionou o Eufemea.  

“Antes, do ponto de vista social, eu era um homem branco, hétero, classe média. Tenho consciência que eu era uma pessoa privilegiada e ainda sou. Me tratavam de forma respeitosa e profissional, pois ninguém sabia da minha condição que eu guardava em segredo. Depois que me assumi, ainda não voltei ao trabalho. Só saberei como será o tratamento depois que retornar ao trabalho em breve”. 

A major conta também que ainda não foi preciso acionar a Justiça para ter o direito assegurado. Estamos no meio de todo esse processo. Creio que não será necessário. Os tempos são outros”, ela afirma ao falar sobre o apoio que vem recebendo nas suas redes sociais. “Significou bastante. Eu não esperava tanto apoio. Isso me deu muita força e coragem pra continuar”. 

Renata conta ainda que sempre se percebeu diferente. “Eu sempre soube que era diferente desde criança, mas eu cresci em uma família de militares, bastante preconceituosa, aprendi que tinha que esconder. Parte da minha família aceitou, outra parte não”.  

Ela também agradece as mensagens de apoio que vem recebendo de todo País

Quant o às demais mulheres trans, que também sofrem preconceito, ela diz ser difícil transmitir uma mensagem. “É um conselho muito difícil. Conheço centenas de mulheres trans não assumidas que ao longo de suas vidas constituíram famílias e têm suas profissões. Não é uma decisão fácil. Por isso luto por uma sociedade sem preconceito onde essas pessoas possam se assumir cedo e não tenham que passar por isso mais tarde. Para as que já são assumidas eu desejo muita força e coragem. Busquem seu auto aperfeiçoamento para que possam ocupar cada vez mais lugares no mercado de trabalho e em nossa sociedade”. 

Quanto ao retorno ao Exército, ela revela: “Ainda estou na ativa e estamos vendo como será o meu retorno. Agora que já transicionei a depressão acabou e já estou em condições de retornar ao trabalho. É natural que os militares mais velhos, no decorrer da carreira sejam direcionados para funções administrativas e pretendo seguir esse caminho, ocupando funções inerentes ao posto de major”. 

Sobre viver uma rotina normal no quartel, Renata fala que tudo é incerto. “Ainda não sei, é tudo muito novo, mas no Exército existem organizações onde servem homens e mulheres indistintamente, como um hospital militar, por exemplo. Acredito que no momento em que estamos hoje, unidades assim sejam melhores do que em unidades operacionais formadas basicamente só por homens. Sou uma pessoa comum, que sofri, passei uma grande depressão e decidi ser feliz”. 

Renata: “Sou uma pessoa comum, que sofri, passei uma grande depressão e decidi ser feliz”