Colabore com o Eufemea
Advertisement

No Setembro Amarelo, mulher relata ajuda espiritual contra depressão e médica orienta: “Ofereça a escuta”

A perda da mãe foi o estopim para o agravamento de uma depressão em Maria (nome fictício), que já enfrentava o processo após passar por um câncer. Sozinha, separada do ex-marido e com mudança de cidade, ela se viu diante de uma situação que a sufocava, que bateu a sua porta causando um enorme dano. Maria buscou ajuda no hospital onde fez o tratamento contra o câncer, iniciou terapia e tempos depois procurou refúgio também em um centro espírita, onde relata ter recebido acolhimento e apoio espiritual que a fizeram superar a doença.  

Ela conversou com o Eufemea, a quem pediu para não ser identificada, mas diz que hoje se sente livre do que chama de ‘pesadelo da depressão’. O Eufemea ouviu também Tainá Carvalho, médica residente em Psiquiatria pela Ufal (Universidade Federal de Alagoas), que fala sobre as doenças mentais, os tratamentos e orienta as famílias sobre como proceder.

“Eu vinha fazendo tudo para minha mãe, cuidando. Éramos eu, minha mãe e minhas filhas, que casaram e eu fiquei sozinha com ela. Minha mãe faleceu e foi muito doloroso. Eu já vinha  de uma depressão pós-câncer, mas que estava sendo tolerável, e depois que minha mãe faleceu juntaram as duas coisas”, conta Maria.  

À morte da mãe e ao câncer se juntaram outras perdas. “Eu fiquei também sozinha, tem a questão da idade, as amigas casadas, eu separada, afastada de todo mundo porque estava tomando conta de mamãe já há muito tempo, aí não deu outra: fiquei bem deprimida. Depois eu me mudei, saí da minha cidade e vim morar em Maceió. Chegando aqui, mais obstáculos porque não conhecia ninguém, tudo novo, diferente, tive que batalhar, começar tudo de novo, mais dificuldades e nada de controlar. Comecei então a fazer terapia porque estava ficando insuportável”, relata Maria. 

Chegou um momento, ela confessa, que falou: “Não, eu não quero chegar nas últimas consequências, eu quero viver. Então eu tive uma ajuda muito boa e fui para a terapia gratuita, graças a Deus. Como sou ex-paciente de câncer, tenho direito à terapia no hospital onde fiz o tratamento.  Tive a princípio terapeutas diferentes e eu não estava gostando, porque cada semana  era uma diferente e eu tinha que começar tudo de novo, apesar de que elas foram maravilhosas, todas elas, mas eu estava desgastada de contar tudo de novo. Até que fiquei com uma que é fixa do hospital, e aí continuei com o tratamento. Ela viu que a coisa era séria, foi tratando com carinho, até que chegou um ponto que não tinha mais para onde correr”, ela lembra. 

Ajuda espiritual

Orientada por um amigo, Maria diz que acabou procurando também um centro espírita, embora tenha relutado. “Sempre fugi dessa coisa de espiritismo, sempre fui meio cética. Passei muitos meses sem ir. Enfim, quando comecei a ficar muito ruim, que vi que não tinha para onde correr, cheguei numa casa espírita, falei com o pessoal, e fui muito bem acolhida. Não esqueço mais nunca como foram carinhosos comigo. Como os espíritas são acolhedores. Não me falaram de espiritismo, de religião, só conversaram comigo. Me falaram que eu deveria tomar seis passes durante seis semanas e eu tomei. No primeiro já senti uma melhora fantástica. E eu dizia: isso é psicológico, só pode ser”.

“Nunca mais eu deixei de ir. Hoje me considero uma aprendiz espírita. Leio bastante e faço evangelho no lar duas vezes por dia (risos), já faz mais de um ano que eu sou espírita. Outro dia fui no hospital, antes da pandemia eu estava para fazer uma pequena cirurgia, e um médico que eu não conhecia olhou pra mim e disse: qual o centro espírita que a senhora frequenta? Perguntei: como o senhor sabe. Ele disse: está aqui no seu prontuário que a senhora melhorou bastante de uma depressão graças a um tratamento espiritual.  E eu tinha até medo, não gostava nem da fisionomia de Alan Kardec. Hoje em dia sou leitora”.

“Às vezes eu ainda fico um pouco deprimida, aqui e ali como qualquer pessoa, mas aquele pesadelo que é uma depressão mesmo, Deus me livre!”. 

Maria faz questão de dizer que continua com o tratamento psicológico. “Continuo fazendo terapia. Dei uma parada agora por conta da pandemia, mas continuei nos dois, fazendo o tratamento espiritual e o clínico, que é muito importante. Um trabalho que me ajudou muito”, ela ressalta.

“É preciso individualizar cada situação”

A médica residente em Psiquiatria pela Ufal, Tainá Carvalho, revela que o transtorno mental “como assim denominamos um estado alterado da saúde, apresenta em geral uma etiologia multifatorial. Ou seja, podemos falar em fatores que desencadeiam, precipitam e que interagem entre si”. 

Seriam esses problemas decorrente da infância, de traumas passados ou podem ser atuais, questionou o Eufemea. “Bem, fatores estressores advindos da infância são importantes, assim como os atuais, podem influenciar. Porém é preciso individualizar o impacto da situação para cada sujeito”. 

A profissional orienta que “é necessário buscar um tratamento com o psiquiatra quando determinado sintoma ou transtorno está na medida do insuportável para cada sujeito, prejudicando suas atividades, seus relacionamentos, sua vida. O psicólogo pode perceber essa demanda e fazer o devido encaminhamento”. 

O tratamento recomendado, ressalta Tainá, “vai depender da questão de cada um, do sintoma. Porém, importante que as pessoas entendam que “ter um sintoma parecido com alguém” não significa que vai poder utilizar a mesma medicação. Muita gente busca o caminho da automedicação. O qual é perigoso. Há diferença não só sobre a idade, mas também sobre peso, presença ou não de comorbidades, sintomas assoaciados…”. 

Tainá Carvalho diz ainda que são as mulheres quem mais buscam ajuda contra os transtornos mentais.  

“O que se percebe, de fato, é que as mulheres buscam mais o atendimento. O que não significa dizer que necessariamente o homem sofra menos. Porém, percebemos essa diferença”. 

Pandemia e isolamento

Na pandemia, com o isolamento social, ela conta que a procura por ajuda aumentou. “Sim, aumentou a procura por profissional da saúde mental. O isolamento social trouxe à tona questões como lidar com a solidão, consigo mesmo, além do medo da morte. Em uma percepção própria, os casos se acentuaram, porém também houve quem  buscasse uma ressignificação positiva nessa mesma época”.  

“A depressão já vem sendo apontada como uma grande causa de incapacitação das pessoas em atividade, ou seja, o número de pessoal com Transtorno Depressivo Maior realmente é considerável”, ressalta Tainá, que abaixo esclarece.  

Eufemea – E num “pós-pandemia”, como superar esse problema tão grave para que não tenhamos uma sociedade mergulhada na dor da alma?  

Tainá– O processo do autoconhecimento é um caminho. Nem sempre é calmo e tranquilo, nele lidamos com a angústia, com a percepção de si. Então, se permitir a uma psicoterapia (mesmo na ausência de um transtorno), fazer atividade física, cultivar hábitos prazerosos, bem como compreender e respeitar o próprio processo é fundamental. 

Esses problemas têm cura, tipo depressão? O tratamento é necessariamente à base de medicamentos?  

Um indivíduo pode apresentar graus variados de depressão. No caso da depressão leve, a psicoterapia pode ser utilizada sem o acompanhamento psiquiátrico, a depender do caso. Já nas moderadas a grave, a medicação pode ser indicada. 

No mês de prevenção do suicídio, o Setembro Amarelo, como a família, amigos, pessoas próximas podem ajudar?   

Oferecendo a escuta. Evitando frases de estigma, descrédito. Por exemplo: comparar a situação do sujeito com a de outra pessoa não fará o mesmo se sentir melhor. O mais adequado é se colocar à disposição e mostrar os caminhos de ajuda. 

Muitos acreditam ainda que depressão, suicídio são falta de fé, de Deus. Essas expressões são corriqueiramente ouvidas. Isso seria um mito ou de fato a falta de fé faz adoecer?  

Levar ao sujeito com depressão a fala de que ele está de tal forma pela falta de fé fortalece sua culpa e pode acentuar o seu quadro. Ao contrário disso, pode-se pensar em utilizar à espiritualidade/religiosidade do indivíduo, caso ele expresse, ao seu favor. Por exemplo, oferecendo escuta.