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Segura a Curva das Mães cria rede de apoio a desempregadas na pandemia: “É preciso cuidar de quem cuida”

Foto: Thaiz Leão, uma das idealizadoras do movimento

Maria José da Silva Pinto Neta tem 25 anos, é casada e mãe de um bebê. A vendedora faz parte do grupo de mulheres atingidas pelo desemprego durante a pandemia, que alcança recordes históricos não apenas no Brasil, mas na América Latina. É o que atesta a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) ao projetar que o desemprego regional vai bater 13,5% no final de 2020, o que significa 44,1 milhões de pessoas desempregadas ou  quase 18 milhões a mais em relação a 2019. 

“Estou de aviso prévio. Sempre trabalhei como vendedora”, conta Maria José. O patrão, ela diz que alegou ao demiti-la que “não tem como pagar porque o comércio tá parado. Aceitei porque quero cuidar do meu filho. Meu esposo trabalha e eu estou cursando faculdade”, conta. 

A vendedora Maria José perdeu o emprego na pandemia; patrão alegou que não tem como pagar

A situação vivida por Maria José atinge milhares de mulheres, que se viram sem condições de sobrevivência e sem perspectiva de encontrar um trabalho. Foi para ajudar a essas mulheres que surgiu o movimento Segura a Curva das Mães, uma rede emergencial de apoio integral para mães, crianças e suas famílias que estão em situação de vulnerabilidade agravada pelo coronavírus (Covid-19). 

O Eufemea conversou com Thaiz Leão, designer de serviço social, diretora do Instituto Casa Mãe, e uma das idealizadoras da iniciativa. Ela conta que a ação “surgiu como resposta à crise iminente da Covid-19 já em março de 2020, pela autoiniciativa de duas mães e ativistas pelas maternidades e infância, eu e a Thais Ferreira, do Coletivo MASSA (RJ)”.  

“Nos últimos seis meses apoiamos diretamente mais de 2 mil mães de todo o Brasil, um total de 8 mil pessoas impactadas considerando elas e a média de pessoas que compõem suas famílias (4) distribuídas entre 270 cidades em 24 estados mais Distrito Federal”. 

Thaiz lembra que não é só o alimento a fazer parte da iniciativa. “Importante, quando falamos de apoio integral, estamos falando de: atendimento psicológico, pediátrico e em saúde, suporte jurídico, apoio financeiro emergencial, apoio pedagógico escolar e não-escolar), apoio ao luto, apoio à gestação, parto e pós-parto, rede de proteção e segurança contra a violência e o estabelecimento de vínculos e redes de apoio regionais entre as mães”. 

Para garantir o atendimento, são feitas parcerias. “Sempre no intuito de financiar e fomentar o apoio oferecido para as mães que atendemos”, revela Thaiz, ao contar que “por estratégia e agilidade, realizamos o repasse em dinheiro para as mães (R$ 150 por repasse). Elas realizam a gerência do recurso para alocar no item de maior prioridade em suas casas: alimentos, higiene, gás, medicamentos e até mesmo para completar o valor do aluguel e evitar despejo”, pontua. 

Leitura social 

Segundo ela, a meta é continuar assegurando apoio e rede “enquanto durar a pandemia e os efeitos dela e seguir mapeando e produzindo dados específicos sobre a condição de vida das mães e suas famílias em situação de vulnerabilidade por todo o Brasil a fim de entregar uma leitura social assertiva e fomentar o desenvolvimento de tecnologias sociais e políticas públicas que promovam o bem viver das mães e crianças”. 

No Instagram, as voluntárias do movimento chamam atenção para a necessidade de ajudar e acolher

Em que situação geralmente vocês costumam encontrar essas mulheres, questionou o Eufemea. “39% das mães que atendemos já viviam entre abril-maio a situação de ter até R$ 100 por pessoa em casa para investir em alimentação, higiene, moradia, etc. 70% delas hoje estão desempregadas. São mulheres que em sua maioria pagam aluguel, sem rede de apoio comunitária, e que a condição de precarização do trabalho e da vida se estende entre os familiares (por gerações)”.

Além disso, “28% delas afirmam que não dividem o cuidado das crianças com nenhum outro adulto na casa (não havendo ou havendo esse adulto). Nós as encontramos via chamadas, tanto eu quanto a Thais Ferreira já desenvolvemos esse trabalho pelas maternidades e infâncias há anos, já temos capilaridade nos territórios Brasil afora, o que nos ajuda a conseguir acionar e nos conectar com agilidade às mães”, relata Thaiz Leão.  

Os pedidos de ajuda, ela conta, são feitos por rede social. “Nós usamos o WhatsApp. Elas têm contato direto conosco e as voluntárias para acionar sobre qualquer emergência e utilizamos os grupos para informar sobre o desenvolvimento do projeto e ações. Os grupos também funcionam como redes de apoio independentes para que elas compartilhem sobre suas vidas, desafios ou mesmo sobre oportunidades que possam interessar as outras mães do mesmo estado/cidade. Nós optamos por utilizar o WhatsApp por ser a plataforma mais conhecida e acessível a todas”. 

Vaquinha eletrônica 

Atualmente, são mais de 50 voluntárias e voluntários atuando no movimento. “São profissionais das áreas de saúde, direito, pedagogia, assistência social, comunicação, captação de recursos, etc. São tanto pessoas que se aproximaram depois de ter conhecido o trabalho quanto pessoas que já atuavam no ativismo das maternidades e infâncias em seus territórios e que hoje são pontes para as ações de distribuição e atendimento físicas”. 

Elas também alertam para a situação vivida pelas mulheres e mães desempregadas na pandemia e pedem apoio para doações

Do governo, elas não recebem nenhum tipo de apoio. “Por hora, zero apoio governamental. Recebemos o apoio financeiro de pessoas físicas, empresas, institutos e fundações”. Daí porque criaram uma vaquinha eletrônica para assegurar os recursos que precisam para tocar o projeto.  

“Nossos objetivos se renovam todos os dias, porque as necessidades se renovam todos os dias, de maneira geral conseguimos realizar muito. Da perspectiva do que entendemos como mínimo, ainda temos o desafio de arrecadar o R$ 1,3 milhão que falta para garantirmos a essas mães apoio até pelo menos dezembro de 2020”.  

As  doações podem ser feitas no link vakinha bit.ly/doecurvadasmaes; via depósito em conta direto: Instituto Casa Mãe, Banco Itaú | Agência 0786 | Conta corrente 26300-4, CNPJ, 32.542.253/0001-83. Enviar comprovante para emissão de recibo para financeiro@acasamae.org Abrace uma mãe da curva – Amadrinhe/Apadrinhe uma mãe com pelo menos R$ 150 por mês e garanta que ela e sua família recebam apoio financeiro emergencial durante a pandemia. Bit.ly/abraceasmaesdacurva e doações e parcerias institucionais – envie um email para thaiz@acasamae.org

Segundo Thaiz, para fortalecer essa rede de apoio às famílias em situação de vulnerabilidade falta “o entendimento do tamanho do problema e da necessidade (lógica) de aporte financeiro para garantir dignidade e direitos básicos em meio a essa situação que vivemos. Não podemos nos conformar com um “novo normal” ainda mais nocivo do que o de antes da pandemia. É preciso cuidar de quem cuida”. 

Que lição vocês tiram de um movimento tão significativo como esse e em meio a uma pandemia, indagou o Eufemea. “O que a gente tira é mais uma vez a certeza de que o exercício da maternidade é a ação social mais fundamental para garantia e manutenção da vida desde o início dos tempos. E que apesar do seu papel central à existência humana ela foi colocada em condição precária, subalterna, ora romantizada ora marginalizada – a depender da raça, classe, condição, orientação e/ou gênero da mãe que a exerce”, afirma Thaiz. 

“Esse contexto nos prova que as mães são a principal figura não institucional no Brasil e que elas trabalharam pela garantia dos direitos e da dignidade humana de todas as pessoas desde o começo de suas vidas. E que por isso apoiar mães e crianças de forma prioritária é intrínseco ao desejo pelo desenvolvimento sustentável e equânime de toda a sociedade”.