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Visão das Grotas: jovens se engajam na batalha contra a Covid e dão voz à comunidade

Ewelyn Lourenço tem 19 anos, é estudante de História pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e é uma das nove jovens que integram o Visão das Grotas, projeto emergencial do ONU-Habitat de Monitoramento da Covid-19 em Maceió. Ela mora com os pais na Grota Santa Helena, na Chã da Jaqueira, na periferia da capital, tem dois irmãos (Emilly e Emerson) e sonha com uma vida de igualdade para sua comunidade. Foi com esse pensamento que decidiu participar da iniciativa, ajudar a traçar as condições de vida local e engajar os moradores na luta por melhorias. 

“Meu sonho é todos terem oportunidades de trabalho, estudo de qualidade, lazer e moradia digna, porque é o que falta na em muitos casos aqui. Achei interessante a ideia de ter jovens protagonizando e dando voz as suas comunidades. Representa uma forma das periferias de Maceió mostrarem seus cenários, sua cultura e mudar aos poucos a forma marginalizada que a sociedade tem sobre esses locais”, disse Ewelyn ao Eufemea. 

Ela conta que “através das entrevistas, dos relatos dos moradores” é possível dar espaço de participação à comunidade. “Nós mostramos a voz da comunidade, e de certa forma conscientizarmos os moradores sobre a Covid. Inclusive, com apoio do projeto houve doações de máscara, álcool em gel e um kit com lanche para o dia das crianças em cada equipe (o projeto é dividido em três equipes)”. 

Ewelyn Lourenço, da Grota Santa Helena, na Chã da Jaqueira, é uma das nove jovens que integram a ação: “Representa uma forma das periferias mostrarem seus cenários”

REDES SOCIAIS 

A participação, no caso da equipe dela, se dá por meio de oficina popular online. Nela, diz Ewelyn, “’são passadas dicas de como gravar, entrevistar… falamos sobre o tema que é passado a cada fase (já estamos na quarta e última fase). Com essas orientações, podemos entrar em contato com a comunidade, através das entrevistas e gravações, tendo pessoas que abraçam o projeto, gostaram de serem entrevistadas”. 

Nas redes sociais, os jovens mostram como está sendo produzido o trabalho deles. “O projeto foi pensado como um jogo, com fases e a cada fase tem seu desafio, para o nosso perfil @visaodasgrotas ter engajamento, na fase 3 o desafio foi uma live, com tema livre para cada equipe, minha equipe chamada Representa (formada apenas por mulheres), tratou sobre a Representatividade Feminina no Audiovisual. 

O QUE É O PROJETO 

Paula Zacarias é analista de Programas da ONU-Habitat | Brasil. Ela também conversou com o Eufemea, a quem contou como funciona o Visão das Grotas.  

Nas comunidades, os moradores são orientados sobre os cuidados para a prevenção da Covid-19

“O Visão das Grotas integra o Projeto Emergencial do ONU-Habitat de Monitoramento da Covid-19 em Maceió. Esse projeto possui dois componentes. O primeiro com o objetivo de diagnosticar e monitorar as condições sanitárias e socioeconômicas das “grotas” de Maceió – fundos de vales ambientalmente vulneráveis e historicamente ocupados pela população de baixa renda -, por meio da produção de dados obtidos com a aplicação de questionários junto aos moradores e às moradoras desses assentamentos”, informa Paula, que é arquiteta e urbanista (Ufal), especialista em reabilitação ambiental sustentável arquitetônica e urbanística (UnB) e em Direito Urbanístico e Ambiental (PUC Minas). 

O segundo componente, ela explica que é “voltado para comunicação e engajamento comunitário, busca criar e intercambiar ideias e conteúdos de comunicação por e para jovens moradores e moradoras de “grotas” e comunidades periféricas de Maceió, do Rio de Janeiro e dos países africanos de língua oficial portuguesa (Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique e São Tomé e Princípe)”. 

De acordo ainda com Paula,  o projeto emergencial é coordenado pela equipe local do ONU-Habitat em Alagoas e “para o segundo componente foi contratada uma equipe de apoio, formada por uma mobilizadora social, um comunicador social, três tutores(as) e um grupo de nove jovens das “grotas” de Maceió”.

“Essa equipe de apoio está envolvida na realização de oficinas de comunicação popular, conduzidas em uma plataforma de reuniões online, com a finalidade de orientar a produção das peças gráficas e audiovisuais pelos(as) jovens”.  

E também recebem iniciativas como o Dia das Crianças, que foi marcado por várias atividades

“Para o engajamento do grupo de jovens, foi criada uma estratégia de gamificação – o jogo “Visão das grotas: jovens contra a Covid-19” – dividida em quatro fases, com temas e objetivos distintos, que serão concluídas no final de outubro. O processo de criação e os bastidores das oficinas de comunicação popular estão sendo registrados em um perfil do Instagram criado para esse componente do projeto, o @visaodasgrotas”, explica Paula Zacarias. 

ONU-HABITAT 

A ação, de acordo com Paula, é uma das 13 propostas selecionadas pelo Fundo Emergencial do ONU-Habitat para atividades de reforço contra a Covid-19, lançado em março de 2020.  

“Esse Fundo buscava financiar projetos que abordassem questões como: apoio a governos locais para preparação e resposta à crise; água, saneamento e higiene; mobilização comunitária; e mobilidade mais segura. Foram submetidas 56 propostas ao Fundo, 13 foram selecionadas na África, Ásia e América Latina. Dessas 13, três são da América Latina, sendo uma do Brasil (Alagoas), México e Bolívia. O Projeto Emergencial está sendo implementado pelo Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat) em parceria com o Governo de Alagoas”, diz Paula. 

Ela conta também que o Visão das Grotas “contempla quatro fases intituladas: (1) “Eita, que vírus é esse?” para identificar os conhecimentos gerais da Covid-19 e as percepções sobre a pandemia; (2) “A pandemia na minha quebrada” para identificar os impactos urbanos, sociais e econômicos nas “grotas” durante o período; (3) “Minha grota é massa!” para identificar as potencialidades urbanas e as vocações sociais e econômicas dos moradores e moradoras das grotas; e (4) “Um futuro urbano melhor” para estabelecer conexões entre jovens de Maceió, Rio de Janeiro e África Lusófona para que possam juntos(as) compartilhar perspectivas para um futuro urbano melhor pós-pandemia”. 

 DOCUMENTÁRIO 

A produção realizada após as oficinas de comunicação popular, como explica Paula Zacarias, “resultará em um documentário sobre os impactos e percepções da Covid-19, as potencialidades urbanas e as vocações sociais e econômicas dos moradores e moradoras das “grotas”. 

 “O grupo de nove de jovens, com idade de 16 a 28 anos, é composto por seis moradoras das grotas do Rafael, Santa Helena, Piabas, Morro do Ary, Vale do Reginaldo e Boa Esperança; e 3 moradores das grotas do Arroz, José Laranjeiras e Beco da Morte”. 

Segundo Paula, as jovens foram selecionadas pela equipe local do ONU-Habitat com auxílio da equipe de apoio contratada, “que já possuía uma rede de contatos ou atuação nas grotas, o que permitiu identificar mais rapidamente jovens de acordo com alguns critérios pré-definidos, como preferencialmente ter idade maior que 18 anos, possuir computador ou celular e acesso à internet, uma vez que todos os contatos estão sendo realizados de forma online”. 

“O papel do grupo é registrar com a linguagem que utilizam – deles e para eles mesmos – fotos e vídeos sobre os impactos e percepções da Covid-19, as potencialidades urbanas e as vocações sociais e econômicas dos moradores e moradoras das “grotas”. 

RESPONSABILIDADE COLETIVA 

Letícia Sant’Ana é formada em Comunicação Social (Jornalismo) e percussionista, integrante do Coletivo AfroCaeté, da banda Tamboricas (primeira roda de samba 100% feminina de Alagoas) e, mais recentemente, colaboradora no Visão das Grotas. É uma das três tutoras do projeto e tem como função apoiar e orientar os jovens nas produções de fotos e vídeos solicitadas em cada fase de execução do projeto. 

Letícia Sant’Ana é uma das tutoras e diz que é uma oportunidade de “trazer o olhar da periferia para retratar a própria periferia, mas também de aprender com eles”

“Está sendo um processo de troca e isso é muito rico. Poder trabalhar num projeto em que você não só está auxiliando jovens, alguns desenvolvendo pela primeira vez trabalhos com audiovisual e sendo protagonistas, trazendo o olhar da periferia pra retratar a própria periferia, mas também de aprender com eles e expandir a percepção de mundo para além da nossa realidade”, diz Letícia.

“Conhecer as potencialidades dos jovens moradores das Grotas de Maceió e das suas comunidades e apoiar essas iniciativas é uma responsabilidade coletiva”.  

Ela conta ainda que no trabalho que realiza com cultura popular, desenvolveu algumas oficinas de percussão em grotas de Maceió. “Em 2009, na Grota do Arroz, junto com a percussão do Maracatu Acorte de Alagoas e em 2019, na Grota do Poço Azul, com crianças do projeto Toque Coletivo. Ambas foram desenvolvidas pelo Coletivo AfroCaeté, grupo que faço parte. Fora das grotas, trabalhando também com música em áreas de vulnerabilidade social, atuei como professora de percussão no Instituto Mandaver, dando aulas para crianças e adolescentes do Vergel do Lago”.