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Do IML à perícia genética, vítimas de estupro enfrentam sofrimento na busca por vestígios do crime

Foto: Marcelo Cabral Júnior/Agência Brasil

É no Instituto Médico Legal (IML) que as vítimas de violência sexual, sejam mulheres ou crianças (meninas ou meninos), são atendidas para exames iniciais. Em Alagoas, são dois: o de Maceió e o de Arapiraca. Diretor-geral do IML da capital, o médico-legista Fernando Marcelo de Paula revela que os casos de estupro envolvem geralmente mulheres em idade infanto-juvenil, que chegam ao Instituto quase sempre acompanhadas de parentes (mãe) ou conselheiro tutelar, fragilizadas e na maioria das vezes relatam “possíveis abusos cometidos por pessoas menos suspeitas e do convívio regular”, como ele informa.  

Casos que chamam atenção e marcam até mesmo a vida de profissionais mais experientes, como confessa o diretor do IML.

“Houve um caso da semana passada, uma jovem franzina de 12 anos, do interior, onde precisou ser submetida a sutura do hímen devido laceração oriunda do ato. Foi atendida no Hospital Santa Mônica”, relata Fernando Marcelo. 

As vítimas, diz o diretor, são em geral “de classe social baixa. Mas tem de tudo”. “É realizado exame de conjunção carnal e o prazo para conclusão é o que preconiza o Código de Processo Penal, 10 dias”. Após o IML, como informa Fernando Marcelo, “o encaminhamento é dado para a rede de proteção às vítimas desse tipo de delito. Seprev [Secretaria Especial de Promoção da Paz ] ou RAVVS [Rede de Atenção às Vítimas de Violência Sexual]”. 

Médico-legista Fernando Marcelo, diretor-geral do IML de Maceió conta que os casos envolvem geralmente mulheres em idade infanto-juvenil, que chegam ao Instituto fragilizadas

Lei do Minuto Seguinte 

Chefe do Laboratório de Genética Forense do Estado, a perita criminal Rosana Coutinho informa que para atender “a Lei 12.845/2013, que determina que os hospitais do Sistema Único de Saúde devem oferecer às vítimas de violência sexual atendimento emergencial, integral e multidisciplinar, de forma a controlar e tratar agravos físicos e psíquicos, incluindo a realização de exames para detectar gravidez e doenças sexualmente transmissíveis, em Maceió, esse atendimento está sendo realizado no Hospital da Mulher por meio de um acordo de cooperação entre a Perícia Oficial e a Secretaria de Saúde”.  

“Durante o atendimento, é realizado o tratamento profilático com medicamentos que evitam infecções sexualmente transmissíveis e gravidez, além do tratamento de lesões provocadas pela agressão sexual”, ela revela. 

De acordo com a perita, esse atendimento hospitalar foi possibilitado pela Lei 12.845, de 2013, elaborada com base no protocolo do Ministério da Saúde, e denomina-se Lei do Minuto Seguinte. 

Corpo de delito 

No atendimento, informa Rosana Coutinho, “também são coletados, por peritos médico-legistas, vestígios do crime, como secreções vaginais e anais em que pode haver sêmen do agressor e sangue da vítima, bem como, outras secreções em outras partes do corpo, pois, tão importante quanto o atendimento médico, é a realização de um boletim de ocorrência e a coleta de material biológico para exame de confronto genético, visando identificar o agressor”.  

“No Brasil, a legislação processual penal determina que, nos crimes que deixam vestígios, é indispensável a realização do exame de corpo de delito, que é realizado por meio de análise e coleta de vestígios diversos deixados nas cenas de crime ou nos corpos das vítimas, sendo um desses vestígios, os materiais biológicos, que contêm DNA, e são encontrados nas mais variadas formas, como manchas, de sêmen, sangue, saliva, dentre outros objetos, além de fragmentos de tecidos humanos em suportes diversos”, explica Rosana Coutinho. 

Segundo ela, “essas amostras contêm DNA e, se coletadas adequadamente, podem ser utilizadas na identificação de autores de crimes, uma vez que o exame de DNA é espécie do gênero prova pericial e ocupa lugar entre os meios legais de prova, que, ao lado dos demais, contribuirão para elucidar o fato e auxiliarão o juiz a formar o seu convencimento quando do julgamento da lide”. 

Perita criminal Rosana Coutinho: “Material coletado nas vítimas, juntamente com o material do suspeito, quando houver, será encaminhado para o Laboratório de Genética Forense”

Perícia genética 

O material coletado nas vítimas, como conta a perita criminal, juntamente com o material do suspeito, quando houver, “será encaminhado para o Laboratório de Genética Forense para serem traçados os perfis genéticos e comparados, visando identificar se o material genético masculino encontrado na vítima é daquele suspeito”.  

 “Até bem pouco tempo só analisávamos o que chamamos de “casos fechados”, que é quando há material biológico coletado da vítima e o material referência de um ou mais suspeitos. A partir da entrada do Laboratório de Genética Forense no Banco Nacional de Perfis Genético, que é coordenado por peritos da Polícia Federal, onde os perfis genéticos das amostras são checados com os bancos de todos os estados do país, passamos a traçar e inserir nesse banco, os perfis genéticos masculinos identificados em “casos abertos”, em que só existe o material coletado da vítima”, revela a especialista. 

Esse perfil, ela diz, “é confrontado com os perfis de referência existentes no Banco de Alagoas e com os perfis de outros estados do país”. 

“Ainda não são muitos os casos que chegam porque aqui se tem a cultura de só realizar o exame de DNA se houver um suspeito do crime e ele concordar em doar material biológico para confronto, porque ele pode se negar. A lei permite que ele não é obrigado a gerar provas contra si mesmo, mas ele pode querer doar. Assina um termo de consentimento ou então o juiz determina que ele doe. Aí não tem escolha”. 

Rosana Coutinho lembra ainda a importância da perícia e do banco genético na identificação dos verdadeiros culpados. Ela cita duas situações. 

“Caso de um militar que estuprou e matou uma jovem no Trapiche. Sequestrou o casal, matou a moça e pensou que tinha matado o namorado, que se fingiu de morto e depois reconheceu ele, Josevildo Valentim. As delegacias mandaram amostras de outras vítimas, que poderia ser ele o estuprador. Só que deu negativo para ele. Não foi identificado como autor desses crimes. Deu um estuprador em série. Um perfil genético masculino nas seis vítimas que é idêntico ao de um mesmo homem, que a gente não sabe ainda quem é, mas que vai ser inserido no bando e checado, que a gente pode identificar quem é o autor desses estupros. O banco genético é um instrumento muito eficaz e importante”. 

“Teve também um caso que o acusado foi inocentado. Ele era acusado por cinco vítimas, que quando olhavam ele choravam, se desesperavam, e quando a gente foi ao presídio, por determinação judicial, coletar material, ele disse: ‘Graças a Deus que vocês vieram!’. Ele ficou preso um ano e meio e quando a gente fez o exame de DNA não deu o perfil dele. Ele era inocente. Elas falavam que o estuprador era um trabalhador de usina, que elas lembravam da farda da usina, da bota. Eles estupravam as mulheres logo cedo, quando elas iam saindo para trabalhar e esse rapaz não tinha nada a ver com usina. Tinha uma lojinha de coisas para celular e ele foi libertado. Então o DNA tem essas duas vertentes, tanto de dar a autoria do crime como de inocentar pessoas que não cometeram o crime, porque a vítima está muito confusa, então ela tem uma tendência. O reconhecimento é muito perigoso. A pessoa no calor da emoção dizer: foi esse. O DNA tem esse caráter.”