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Karol Conká escancara xenofobia contra nordestino: “Legitimação de um discurso de ódio”, diz advogada

Karol Conká vem sendo bastante criticada por sua postura e falas no BBB21. Ela, que participa do reality show como uma das convidadas, foi acusada de ter praticado xenofobia contra a paraibana Juliette Freire ao se dizer mais educada do que ela por ser de Curitiba.  Ganhou uma avalanche de críticas e abriu a polêmica sobre a discriminação contra nordestinos. 

“Aí as pessoas dizem, ‘não, mas é o jeito, porque lá na terra dessa pessoa é normal falar assim.’ E eu, ‘ahh, tá’. Eu sou de Curitiba, é uma cidade muito reservadinha. Por mais que eu seja artista e rode pelo mundo, eu tenho os meus costumes. Eu tenho muita educação. Eu tenho meu jeito brincalhão, mas reparem que eu não invado, não desrespeito, não falo nem pegando nas pessoas”, disse Conká sobre Juliette. 

Conká sobre Juliette

Para falar sobre o que caracteriza a xenofobia e os efeitos na vida de quem sofre, o Eufemea ouviu a alagoana Anne Amaral Hermes, 34 anos, advogada na área do Direito de Família e Sucessões.  Ela explica que para compreender o conceito de xenofobia, podemos partir da epistemologia da palavra.  

“O termo origina-se das palavras gregas xénos, que nos remete a “estrangeiro”, “estranho” e “diferente”, assim como da palavra phóbos, cujo significado é sinônimo de “medo”, “repulsa”. Logo, xenofobia é o “medo do diferente” ou “medo do estrangeiro”. 

Intolerância, preconceito 

Entretanto, destaca Anne Amaral, “a prática da xenofobia não se resume ao simples medo de estrangeiros ou de pessoas diferentes, como a origem da palavra traduz. As atitudes xenofóbicas estão diretamente relacionadas à intolerância, preconceito, difamação ou exclusão de determinadas pessoas que possuem atributos distintos dos predominantes da região ou país que as recebe”. 

Ela diz que “essas diferenças são evidenciadas nos estereótipos raciais, nos costumes, na religião, no sotaque, nos aspectos culturais daquelas que recebem os estrangeiros”. 

Prática que que se assemelha a outras, como por exemplo, o bullying. “O bullying é uma prática violenta, tirana e abusiva de exclusão e perseguição do outro. A xenofobia se assemelha não somente ao bullying, como também às demais formas de preconceito e exclusão social, como o capacitismo, o racismo, a gordofobia, a homofobia e o tão famigerado cancelamento virtual”. 

Anne Amaral explica que são diversas as formas de caracterização. “Elas podem se manifestar em comentários maldosos sobre as características físicas e estereótipos específicos de uma região ou país, como olhos puxados, cor da pele. Rejeita-se o dialeto e os tipos de vestimentas, os costumes, quando essa exclusão está relacionada à cultura, por exemplo”. 

Discursos de ódio 

Porém, como informa a advogada, também existem formas veladas dessa prática. “Um grande exemplo está relacionado à criação de políticas que impeçam que imigrantes cheguem ao país distinto de sua origem ou quando estes só são aceitos em empregos que não remunerem bem. Esses comportamentos xenofóbicos surgem geralmente de grupos sociais de cultura predominante e quando somados à propagação dos discursos de ódio, passam a reproduzir um comportamento padrão de exclusão, apesar de baseado em achismo ou informações imprecisas”. 

“A ideia de que o oriental não é higiênico, que nordestino é burro, que os negros são agressivos, que mulçumanos são terroristas ou que religiosos de matriz africana são perigosos, são estigmas que marginalizam esses grupos sociais. Nota-se que essa rotulação é uma forma “sutil” de rejeição e não está relacionada somente ao medo do que é diferente. A xenofobia está diretamente relacionada ao preconceito e a intolerância e, por isso, se assemelha tanto às demais formas de banimento social de determinados grupos.” 

Anne Amaral Hermes, advogada, feminista,
mestranda em Sociologia pela Ufal

No Brasil, como ressalta Anne Amaral, a xenofobia é sofrida principalmente por pessoas oriundas das regiões Norte e Nordeste.

“Esse é o retrato da discriminação e da negação da história, etnia, religião e cultura do outro. Mas, não é só nesse sentido que os xenófobos acreditam que a sua região é predominante. O processo de migração de povos do Norte e Nordeste para as regiões Sul e Sudeste do Brasil está principalmente motivado pela busca de uma oportunidade de vida melhor. Isso acontece pelo marcante desequilíbrio socioeconômico de cada região, assim como a forte influência da globalização nas regiões onde estão as grandes metrópoles”. 

Migrar de regiões menos desenvolvidas para outras que possuem mais recursos, ressalta a advogada, “pode ser visto como um nicho maior de oportunidades para crescimento financeiro. Nesse sentido, quem pratica a xenofobia entende que os “estrangeiros” tomam seus empregos ou “mancham” a sua imagem e cultura”.

Além desses fatores, diz Anne Amaral, “a influência do eurocentrismo e o etnocentrismo determinam uma massa de conceitos elitistas que reverberam em comportamentos excludentes, pois definem quais os atributos são aceitáveis e os que não são, potencializando ainda mais as diferenças e dificultando sua aceitação”, explica a advogada, integrante do Grupo de Estudos Carmim Feminismo-Jurídico/Ufal e da Comissão de Direitos Humanos da OAB/AL. 

A cantora Karol Conká é acusada de xenofobia contra a paraibana Julliete. Foto: Divulgação

Poder do discurso midiático” 

No BBB 21, Karol Conká foi acusada de praticar xenofobia contra a paraibana Juliette Freire. O que dizer desse tipo de comportamento em um programa de tanta audiência? 

Precisamos atentar para o fato de que a sociedade tem evoluído e se politizado bastante nos últimos tempos. As pautas das minorias têm ganhado notabilidade nos veículos de comunicação em massa, como na TV aberta e nas redes sociais. É fato tão notável que a fama de futilidade que o programa possuía já não é tão marcante já que tem dado espaço para uma repercussão positiva de discussão sobre assuntos relevantes para a sociedade, como esse da xenofobia. 

Karol Conká é uma artista popularmente conhecida, que possui 1,2 milhões de seguidores em suas redes sociais e diversas marcas atreladas a sua imagem. A cantora é um símbolo de sua cultura, ritmo musical, sua cor, gênero e classe social e tem bastante representatividade na população de massa. Sua fala xenofóbica teve relação com o fato de ela ser sulista e, por isso, “ter educação”, o que ela acredita não ser um atributo da nordestina a quem ela se referiu. Ela foi muito infeliz em sua fala, mas escancarou, de maneira “natural” e em rede nacional, uma das maiores formas de discriminação sofrida pelos nordestinos em seu cotidiano.  

Então, quando uma pessoa com sua influência e representatividade tem esse tipo de comportamento, ela colabora para a legitimação de um discurso de ódio e para a naturalização de uma ideia preconceituosa contra o nordestino. E sem adentrar ao mérito de possíveis motivos psicossociais que possam ter influenciado não só essa fala como inúmeros outros comportamentos abusivos praticados pela artista dentro do reality, ela infelizmente está sendo “cancelada” fora da casa do BBB21. Ou seja, está acontecendo com ela exatamente o que fez com alguns colegas ali dentro. 

Ao agir dessa forma na televisão, a Karol estaria incentivando outras pessoas a fazerem o mesmo?  

O poder do discurso midiático dita como devemos nos comportar. Através dessa influência, trabalhada principalmente através de símbolos, são disseminados valores entendidos como aceitos e legitimados, manipulando os comportamentos dos indivíduos de uma sociedade. E por vivermos inseridos numa lógica capitalista, pertencer à sociedade significa consumir o que se vende nas novelas, realitys, propagandas, etc… E nesse mesmo caminhar, nessa ditadura de tendências, os comportamentos também são “comprados”. Afinal, entende-se que você só será aceito ou pertencente à sociedade se estiver adequado às suas “regras”. 

Para que se possa pertencer a ela, você precisa comprar bens, para que sinta a necessidade da utilização de serviços específicos ou adotem um estilo de vida aceito. Por exemplo, se formos adolescentes, devemos ser espertos, independentes e descolados. Para sermos uma pessoa de sucesso profissional, precisamos ser um grande empreendedor ou ter um cargo com salários altos. Já como mulheres, precisamos ser bonitas, magras, sensíveis.

Todos esses símbolos nos mostram como devemos ser, o que devemos comprar, o que devemos fazer para sermos aceitos como parte da sociedade. Ou seja, a tv é uma vitrine com imagens que conseguem fazer uma conexão com o que simboliza a sociedade e que você “precisa” relacionar com a sua identidade. Tudo o que está ali exposto deve ser consumido.  

Então, pessoas que já são preconceituosas e construídas culturalmente para excluir o outro, mas que ainda não se sentem encorajadas para tal, passam a ter seu comportamento legitimado ao se verem representadas por uma pessoa influente como a Karol Conká. 

Do ponto de vista legal, quais as penalidades para quem pratica xenofobia? 

 Para termos uma sociedade mais justa devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades. Essa é a essência do princípio da isonomia, que rege o direito à igualdade, uma garantia constitucional prevista no art. 5ª da Constituição Federal. Nesse sentido, a xenofobia é tipificada como crime de ódio, que são aqueles atrelados aos crimes que relacionam atos de preconceito e não aceitação das diferenças do outro.  

O artigo 140, § 3º, do Código Penal, estabelece uma pena de 1 a 3 anos de prisão (“reclusão”), além de multa, para as injúrias motivadas por “elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem, ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência”. 

Diante da polêmica, os representes de imprensa de Karol Conká se manifestaram com post no Instagram