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Após perder esposa e filho no parto, marido faz clipe emocionante para homenageá-la: “Uma forma de me declarar”

Foto: Arquivo Pessoal

A dor do luto é inimaginável e cada pessoa lida com esse momento de uma forma. Natural de Teresina (PI), o empresário Felipe José Bezerra Gomes, de 38 anos, encontrou na música uma maneira de suportar a tristeza de ter perdido a esposa e o filho em 2021, após um parto traumático. Quase um ano depois, o pai escreveu a música “Amor roxo” e a interpretou em um clipe emocionante. Hoje, o vídeo já tem mais de 100 mil visualizações.

“Fiz a música como forma de continuar me declarando para ela, que é a coisa que mais gosto de fazer”, contou Felipe em entrevista à CRESCER. Em julho de 2021, a odontóloga Maria Cristina Carvalho de Almendra Freitas — carinhosamente chamada de Kiki — perdeu a vida durante o parto após um quadro de embolia amniótica [confira a explicação no final da matéria].

Cinco dias depois, seu bebê — chamado Antônio, em homenagem ao avô materno, Antônio de Almendra Freitas, ex-governador do Piauí — também faleceu. 

Marido faz clipe para esposa que faleceu durante o parto (Foto: Arquivo Pessoal )Foto: Arquivo Pessoal

Em suas redes sociais, o empresário sempre lembra da esposa por quem se apaixonou ainda na infância. O casal viveu um verdadeiro conto de fadas com um pedido de casamento na Disney e uma lua de mel nas Maldivas. Logo após, a notícia da gravidez deixou os dois bem emocionados. 

O pequeno Antônio, chamado de Tonino, foi muito esperado. Perder duas pessoas tão importantes deixou Felipe sem chão, no entanto, o empresário decidiu que não deixaria sua família no esquecimento. “Aos poucos, fui vendo que queria honrar o legado da minha esposa, a pessoa mais incrível que conheci, e fruto desse amor”. 

Em depoimento, Felipe relata como conheceu a esposa e como a família lidou com a perda precoce da odontóloga em um parto traumático. 

  • Eu gostava da Kiki desde a infância! Nós nos conhecemos por meio de uma menina que meu amigo era apaixonado. Ela era amiga da Kiki. Quando a conheci, fiquei “apaixonadinho” pela tal Maria Cristina, coisa de criança, mas não aconteceu nada!
  • Desde então, nos víamos ocasionalmente em nossa cidade. Quando estava com 16 anos, lembro de me encontrar com ela em uma festa e levar vários “foras” [risos]. Depois, comecei um relacionamento e ela também, mas sempre quando falava com a Kiki, lembrava o quanto era apaixonado por essa menina.
  • Depois de um tempo, fiquei solteiro, com 34 anos, e a primeira pessoa que lembrei foi da Kiki. Mas, vi que ela estava namorando e deixei para lá! Até que um dia postei um vídeo do meu aniversário e ela comentou! Na mesma hora descobri que ela não estava mais namorando e tentei marcar um barzinho por meio de alguns amigos em comum.
  • A primeira vez que ficamos foi em setembro de 2017. E aí foi um grude! Começamos um relacionamento e todos os nossos amigos falavam que era “amor roxo demais”, de tão grude que éramos! Vivemos quatro anos juntos!
Vivendo um conto de fadas!
  • Após um ano namorando, fiz um vídeo contando a nossa história e com depoimentos de familiares e de amigos próximos. Então, eu a pedi em casamento na Disney em uma viagem com amigos. Escrevi uma carta dizendo que ela era o meu conto de fadas! Em setembro de 2019, nós nos casamos e esse foi um dos dias mais felizes da minha vida. Passamos nossa lua de mel nas Maldivas, tudo perfeito! 
  • Com o tempo, ela decidiu parar com o contraceptivo e começamos a pensar em ter filhos. Na época, eu até vi uma camisa que dizia assim: “Tatuado, bonito, papai. Como um pai normal, mas mais legal” e mostrei para ela e brinquei dizendo que queria uma camisa dessa. Ela foi até o site, pediu escondido de mim e logo engravidou.
Pedido de casamento na Disney (Foto: Arquivo Pessoal )
Pedido de casamento na Disney (Foto: Arquivo Pessoal )
  • Em 2020, ela fez o teste que deu positivo e me entregou junto com a camisa. Eu não esperava, porque tinha sido recente que ela tinha liberado [o contraceptivo]. Choramos bastante, comemoramos muito!
  • A gravidez foi perfeita! Ela praticamente não enjoava. De vez em quando, ela tinha uma dor de cabeça, porém bem pouco. Tirou 10 em todos os exames que fez. Eu participei de tudo, até da fisioterapia pélvica, para fortalecimento da musculatura. Nós optamos pelo parto normal, ela queria muito por causa da recuperação. Tudo que podíamos nos policiar do nosso conhecimento fazíamos, tínhamos até bloquinho de notas no celular.
O casamento foi em 2019 (Foto: Arquivo Pessoal )
Foto: Arquivo Pessoal
O parto
  • Na manhã do dia 21 de julho de 2021, a Kiki acordou por volta das 5 horas da manhã, sentindo as primeiras contrações, ela já estava com 40 semanas. Imediatamente, ligamos para a enfermeira e para a fisioterapeuta pélvica. Elas chegaram bem rápido! Medimos as contrações e, logo depois, fomos para a maternidade.
  • No hospital, ela chegou caminhando, sentindo as dores da contração. Enquanto eu resolvia as questões do quarto, ela já foi para a sala de parto. Eu me paramentei rapidamente e já entrei! Teve um momento que ela começou a não se sentir bem, estava sem força para fazer o expulsivo. Aí, tudo começou a desandar!
  • A situação se agravou. A equipe se apressou para tirar meu filho por meio do vácuo extrator, o que já foi traumático. Neste momento, estranhei e percebi que estava acontecendo algo de errado. Na hora que meu filho nasceu, já cortaram o cordão umbilical e o colocaram na incubadora, às pressas. Essa foi a hora que me assustei de fato! Ficaram reanimando meu bebê até conseguirem. Eu o vi passando em uma incubadora e sendo levado para a UTI neonatal.
  • Algum tempo depois, a Kiki começou a piorar, com dificuldades de respiração. Na época, não sabíamos, mas a maternidade não tinha UTI [para adultos]. Além disso, a UTI móvel só poderia ser solicitada caso tivéssemos um leito reservado em um outro hospital.
  • Após o parto, tentaram reanimá-la, eu saí da sala para dar espaço para os médicos. No entanto, depois nos chamaram e nos avisaram que a minha esposa tinha falecido. O laudo saiu apontando que foi embolia amniótica, mas não conseguimos confirmar, pois não fizemos a autópsia, não queríamos aumentar o sofrimento e seria um procedimento muito invasivo.
  • Para cuidar do meu filho, veio uma equipe de São Paulo. Quando ele nasceu, os médicos precisaram reanimá-lo, ele teve uma lesão no cérebro. Com o tempo, Tonino não reagiu, estava em estado vegetativo, sem funções neurais. Depois de cinco dias, ele teve uma parada cardiorrespiratória e faleceu. 
  • A médica disse que meu filho foi um guerreiro por resistir esses cinco dias. Foi bem marcante para mim, porque passar esses dias com o meu bebê no hospital aumentou ainda mais o meu laço com ele. Foi muito importante!
“Deixar o nome dela vivo”
  • Durante 15 dias, meu coração bateu totalmente descompassado, jurava que iria infartar. Foi um momento muito desesperador. No entanto, depois de um tempo, você começa a tentar criar um novo propósito de vida. Minha vida era a Kiki e perder a pessoa que me norteava fiquei totalmente sem chão. E, ainda, perdi meu filho. Aos poucos, fui vendo que queria honrar o legado da minha esposa, a pessoa mais incrível que conheci, e do fruto desse amor.
  • A forma que encontrei para passar por isso foi continuar me declarando para ela, uma pessoa humilde, centrada e justa, tenho saudades até das discussões. Quero sempre manter o nome dela vivo! Por isso, fiz a música como forma de continuar me declarando, que é a coisa que mais gosto de fazer. Sempre gostei de escrever, então, falei com um amigo que é músico e pedi para ele criar algumas melodias e falei mais ou menos o estilo que eu queria. 
  • Então, escolhi uma das melodias e trabalhei em cima com a letra. Em 20 dias, a música estava pronta. Gravamos no estúdio para deixar com a melhor qualidade. É uma forma de enaltecer e de continuar me declarando para ela. 
  • Todos os recursos que consegui com essa música ou mesmo com um possível livro serão destinados para a Associação Kiki Freitas. A entidade foi nomeada em homenagem a Kiki pela professora dela, Maria Fidela Navarro, da USP de Bauru. As duas eram muito próximas. O objetivo da associação é transformar escolas públicas abandonadas em escolas promotoras de saúde para atender crianças [a ONG oferece atendimento gratuito às crianças]. Foi uma homenagem póstuma, a Kiki não chegou a saber do projeto. Caso a instituição não precise, doarei o dinheiro para outras entidades beneficentes. 
  • Assim, resumindo, a música foi uma forma de enaltecer, homenagear, de me declarar e tentar tornar o nosso amor o máximo conhecido possível. 

Embolia amniótica 

O médico Wagner Hernandez (SP), que é obstetra especialista em gestação gemelar e de alto risco, explica que casos de embolia amniótica são raros. A estimativa é de 5 casos para cada 100 mil gestações. “Quando eles acontecem, realmente, são catastróficos. Tem uma mortalidade estimada de mais ou menos 20%”, esclarece o especialista. 

Hernandez ressalta que os especialistas ainda não sabem por que esse quadro ocorre nas mulheres. “O que sabemos é que o conteúdo do líquido amniótico eventualmente cai na circulação da mãe e algumas dessas substâncias acabam causando uma reação no organismo da paciente que entra em colapso cardiorrespiratório, como se fosse um infarto ou tromboembolismo pulmonar”, afirma o obstetra. 

Nesses casos, as mulheres começam a passar mal e podem ter queda de pressão. Esse tipo de quadro grave acontece durante o trabalho de parto, parto e até 30 minutos após o parto. Para diagnosticar a embolia amniótica, os especialistas, geralmente, fazem por meio de exclusão de outras condições. “No entanto, nem sempre o diagnóstico será conclusivo, muitas vezes, só será confirmado na autópsia”. 

O tratamento é identificar o quadro e estabilizar a paciente. Como a mãe está tendo um colapso cardiorrespiratório, a ideia é manter o coração da mãe funcionando e monitorar a respiração, sendo necessário, em alguns casos, até mesmo intubar. “É um tratamento de choque para recuperar os sinais vitais dessa mulher”, pontua o médico.

*com Revista Crescer