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Após ser demitida por homofobia, professora luta pela inclusão de LGBTs na educação

Professora Aniely Mirtes. Foto: Arquivo pessoal

A professora Aniely Mirtes, de 42 anos, lecionava há mais de 15 anos em escolas privadas de elite em João Pessoa (PB), quando foi demitida por homofobia.

“Meu maior medo era com relação aos pais e aos estudantes —mas, para a minha surpresa, as piores experiências de preconceito que tive foram com os meus colegas de trabalho”, relata.

Ela conta que passou 10 anos casada, em uma relação heterossexual e estava em um momento de descobertas de uma vida afetiva homossexual.

“Não é um período fácil, é uma espécie de transição, envolve família, amigos, relacionamentos profissionais. A partir do momento em que a gente se assume, coloca a cara no sol, está exposto a todo tipo de preconceito. Por isso eu entendo e respeito as pessoas que escolhem viver no armário, [sair] não é para todo mundo”, diz.

Segundo Aniely, no começo do seu atual relacionamento – é casada há 5 anos com Edivânia – a escola em que trabalhava organizou uma confraternização de final de ano para todos os professores. “O requisito para levar acompanhante era de que fossem noivos ou casados, e eu brinquei com ela: ‘A gente vai noivar e eu vou te levar'”.

No dia da festa, que seria de noite, ela ligou para a esposa e disse: “‘Compra duas alianças e vamos usar hoje, na mão direita’. Levar Edivânia à festa tinha um significado enorme para mim —não pelos outros, mas por ela, pela relação que estávamos construindo. Eu sentia muita vontade de não esconder mais quem eu era. Até conhecê-la, eu tinha medo, mas minha atual esposa foi a pessoa com quem eu consegui sair do armário, sem medo de ser feliz”.

‘Recebi olhares de reprovação’

A professora afirma que, chegando ao local, foi muito constrangedor. “Recebi olhares de reprovação, muitos questionamentos, uma certa hostilidade de parte das colegas, sobretudo das mulheres, o que me surpreendeu muito”, conta.

“Eu sou mais introspectiva, mas ela é uma pessoa muito extrovertida, comunicativa. A festa tinha banda ao vivo, ela dançou, se divertiu, e eu fiquei mais tempo sentada, observando tudo. Foram muito nítidos os olhares, a hostilidade das pessoas com ela. Era como se, na cabeça das pessoas, ela não deveria estar ali, eu não deveria estar expondo meu relacionamento”, explica.

Muitos colegas perguntaram se era minha irmã, minha amiga, enquanto usávamos alianças iguais. Eu sabia qual era a intenção.

A professora Aniely Mirtes com a esposa, Edivânia, com quem é casada há cinco anos - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A professora Aniely Mirtes com a esposa, Edivânia, com quem é casada há cinco anos Imagem: Arquivo pessoal.

De acordo com Aniely, durante a semana seguinte houveram muitos comentários. “Colegas mais distantes cercaram as professoras mais próximas a mim para perguntar quem era a Edivânia, o que ela era minha. Uma delas chegou a ser chamada na sala da diretora para responder qual era a minha relação com a minha esposa”.

Outras pessoas chegaram a fazer comentários na frente dela, dizendo que ela estava ‘feliz demais’, em tom crítico. “Como se dissessem: ‘Se contenha, fica aí no seu lugar'”.

O preconceito foi explícito, não foi velado

Duas semanas depois, na primeira semana de 2018, ela foi até a escola e encontrou com o vice-diretor. “Acabamos, ele disse que estava tudo certo e, quando eu estava indo embora, ele perguntou meu nome, respondi, e ele disse: ‘Professora, volta aqui, por favor’. E continuou: ‘Eu não tenho nada contra a senhora. Não é pessoal. Mas recebi uma indicação para dispensar seus serviços'”.

Mirtes foi dispensada e, nesse mesmo período, a esposa também foi demitida do trabalho dela e começaram a vida juntas desempregadas. “Foi bem desafiador economicamente”.

“Mas a primeira coisa que eu pensei foi que, para trabalhar em escolas privadas aqui de João Pessoa, eu teria que ser uma personagem. Conheço algumas colegas professoras que são casadas com mulheres, mas que, por medo de retaliação, dizem que têm maridos. E eu não queria mais nada disso”, fala.

Entendi que, se eu decidisse continuar com aquele posicionamento, de não me esconder, de falar abertamente sobre quem eu sou, teria que dar conta de retaliações.

Ela explica que não denunciou porque são inúmeros casos [de demissão por homofobia], não só em escolas, mas em empresas também. “Além disso, é muito difícil comprovar —quem nos demite jamais vai dizer que nos demitiu por isso e nenhum colega vai testemunhar. É difícil”.

Antes do ocorrido, ela estava começando a trilhar seu caminho em movimentos sociais, principalmente LGBTQIA+ e antirracistas. “Afinal, minha vida toda foi permeada por negação de direitos —antes de ser lésbica, também sou uma mulher negra e periférica. Por isso, decidi transformar tanto a minha carreira quanto a minha vida pessoal, tudo o que vivi, em ações políticas”.

Atualmente, Aniely trabalha na Secretaria de Educação do Estado [da Paraíba], na gerência de Diversidade e Inclusão da Coordenadoria de Educação Étnico Racial.

“Quando estou no trabalho, posso fazer comentários do tipo: ‘Vou jantar com a minha esposa’. Não preciso mais inventar que em vez de esposa, tenho um esposo. Isso é muito reconfortante”, destaca.

“Entendo que essa ausência de direitos que sofri em sala de aula forjou a defensora de direitos que sou hoje, e consigo atuar em um espaço muito mais amplo, difundindo para mais e mais pessoas, especialmente professores e gestores escolares, ideias de uma educação diversa, que combate a LGBTfobia e o racismo”, finaliza.

*com Universa/UOL