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Fundação paraibana realiza ‘Projeto Repensar’ para homens condenados pela Lei Maria da Penha

Foto: Acervo/Fundação Margarida Maria Alves

Diante do cenário de violência contra mulheres, a Fundação Margarida Maria Alves, da Paraíba, pôs em prática o “Projeto Repensar: Refletindo Coletivamente a Violência Doméstica e Familiar Contra Mulheres”, voltado para homens que foram condenados pela Lei Maria da Penha (e que aguardam a sentença) e que funciona em parceria com Ministério Público da Paraíba.

Ao longo de 2020, o país registrou mais de um chamado por minuto para denunciar violências cometidas contra mulheres em suas próprias casas, de acordo com dados do 15º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, lançado em 2021.

Ainda segundo a pesquisa, foram contabilizados 230.160 registros de lesão corporal dolosa cometida em contexto de violência doméstica em 2020, ou seja, ao menos 630 mulheres procuraram uma autoridade policial diariamente para denunciar um agressor.

Os números impressionam, mas não chegam a ser uma surpresa. O grande questionamento em relação aos casos de violência doméstica no Brasil se refere ao que fazer para que esses dados diminuam. Como proteger meninas e mulheres da violência que acontece dentro de suas casas?

Um caminho nesse processo, e talvez o mais complexo, é a mudança de mentalidade na percepção social dos homens em relação às mulheres e qual a responsabilidade deles nesse contexto.

O primeiro passo

No total, foram realizados 10 encontros que tiveram início em 5 de julho, na sede da Fundação. Os ofensores, como são chamados os homens que participam das reuniões, são encaminhados pelo Ministério Público Estadual. Todos já passaram pelo processo e aguardam a sentença do juiz.

Tâmisa Rúbia, agente de direitos humanos facilitadora, me explica como funciona essa abordagem. “Recebemos uma lista do MP e entramos em contato direto com eles e formamos a primeira turma, com 15 ofensores”.

Ao longo do projeto, foram três facilitadoras da equipe da Fundação, Tâmisa Rúbia, Ana Beatriz Eufrauzino, ambas advogadas; e a psicóloga Vera Rodrigues, que atuou nas oficinas com mulheres feitas em janeiro e fevereiro deste ano em comunidades beneficiadas da Fundação. Além delas, o médico Eduardo Simon, professor da Universidade Federal da Paraíba que desenvolve desde 2018 rodas de diálogo com homens.

Foto: Acervo/Fundação Margarida Maria Alves

Vera Rodrigues e Ana Beatriz iniciaram o projeto em outubro do ano passado, organizando o cronograma, entrando em contato com o Ministério Público e realizando essas oficinas com mulheres. Com uma reestruturação na equipe da Fundação, a Vera saiu do projeto e a Tâmisa entrou, seguindo junto com Ana Beatriz e a estagiária de direito, Joana Karen, na formulação dos grupos reflexivos e nos contatos com o MPPB para o encaminhamento dos homens.

“Se a necessidade é minha, a obrigação é sua“

As reuniões trataram de questões como a reflexão sobre papéis familiares e conflitos de convivência; gênero; violência; solução de conflitos a partir do diálogo; convivência familiar: comportamento agressivo; Direitos Humanos; Lei Maria da Penha; sexualidade; doenças sexualmente transmissíveis e comportamentos de risco; violência sexual; entre outras.

Foram utilizadas metodologias diversas, como exibição de vídeos, círculos reflexivos e dinâmicas, como a “teia da violência” e “o que seria coisa de homem e coisa de mulher?”, para discutir a construção cultural da relação dos homens com as mulheres.

Um novo caminho possível

No último encontro, ocorreu uma avaliação e os ofensores puderam expor quais suas percepções sobre o processo e qual o momento mais marcante de cada um. Um dos homens relatou ter ficado impressionado com a história de Maria da Penha, com a crueldade que ela viveu e com a demora na justiça brasileira em reconhecer os crimes que ela foi vítima.

Um outro participante, bem mais velho, lembrou das perdas que viveu e da primeira vez que chorou em público. Um dos ofensores salientou que não iria criar o filho do jeito que foi criado.

Ao final, todos assinaram a lista de frequência, que será enviada, junto com um relatório individual, para o Ministério Público. Esse relatório pode servir de atenuante para a pena, é o juiz que irá decidir. Mas esse não é o objetivo principal do Projeto Repensar.

Para Ana Beatriz, a mudança de comportamento é o ponto principal. “Para além dos encontros teóricos, o projeto proporcionou momentos de acesso desses homens para com seus próprios sentimentos e sua própria construção individual, trabalhando o uso da comunicação não violenta e a compreensão e interpretação de seus próprios sentimentos. No todo, conseguimos observar algumas mudanças bem interessantes em alguns homens, o que mostra um quadro bastante positivo sobre a existência e exercício do projeto”.

Tâmisa aponta que é necessário um acompanhamento desses homens para além do âmbito do projeto, tendo em vista que se trata de um processo de quebra de paradigmas, de um processo de transformação de vida.

“Nisto se encontra a importância da atuação em rede também em relação ao acompanhamento dos progressos dos ofensores. Entretanto, foi possível observar que o Projeto contribuiu para o desenvolvimento de atitudes positivas nesses homens em suas relações de forma geral e que, no mínimo, despertou seus olhares para este necessário processo de mudança pessoal”.

*com Paraíba Feminina