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Alagoas não elegeu mulheres negras na eleição de 2022: “Carência enorme de representatividade”

Em Alagoas, nenhuma mulher autodeclarada negra foi eleita nas eleições de 2022. Os dados são do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), disponíveis na plataforma de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais.

A Assembleia Legislativa de Alagoas terá, a partir de 2023, 21 deputados que se declaram brancos e seis pardos. Na bancada feminina, as seis mulheres eleitas são brancas.

Ainda conforme o TSE, em Alagoas, o número de candidatos pretos teve crescimento de 53% em quatro anos. Os dados apontam registro de 41 candidatos pretos nas eleições de 2018, representando 8,89% do total. Já nas eleições de 2022, foram 63, com 12,91%.

“Pessoas negras lutam para sobreviver”

Foto: Cortesia

Ao Eufemea, Alycia Oliveira, integrante da Bancada Negra de Alagoas, afirma que Alagoas é o pior estado do Brasil para nascer negro, com 17 vezes mais chances de ser assassinado do que uma pessoa branca.

“Somos referência no país para os piores indicadores, esse é o impacto de termos esse tipo de representação no legislativo e executivo. O povo alagoano sofre enquanto o estado atende aos interesses dos aristocratas”, conta.

Questionada sobre o que representa o estado não eleger nenhuma mulher autodeclarada negra, Alycia expõe que “a política é ocupada de forma majoritária por homens cis, brancos e heterossexuais”.

Para ela, pessoas negras não ocupam cargos políticos em Alagoas porque as organizações da política institucional refletem o racismo estrutural. Além disso, ela destaca que os partidos precisam discutir questões de raça e mudar as estruturas para que pessoas negras e indígenas possam concorrer de forma igualitária com os outros candidatos.

“Em uma sociedade que tem o racismo como o pilar organizador, as pessoas negras lutam pra sobreviver o tempo todo. Principalmente em um estado como Alagoas, em que o genocídio negro é acentuado”, expõe Oliveira.

A candidata nas eleições de 2022 avalia que votar em pessoas negras é um ato revolucionário. De acordo com Alycia, apenas quem vivencia as urgências de nascer pobre e preto compreende quais as prioridades que devem ser colocadas em prática com urgência.

“Para além da representação Negra nos espaços de decisão, é necessária uma transformação social”, explica.

Desigualdade racial e de gênero

Foto: Cortesia

Para Synthya Maia, vice-presidente da Comissão de Promoção de Igualdade Racial da OAB, Alagoas não elege candidatos pretos e nenhuma mulher negra representa uma sociedade atrasada, marcada pelo racismo estrutural e pelo sexismo.

“Eleição após eleição, em Alagoas, continuamos vendo passos muito lentos na ocupação de espaços pelas pessoas negras. A desigualdade racial e de gênero ainda é um desafio a ser superado, a ausência de mulheres negras nesses espaços de poder nos traz uma carência enorme em termos de representatividade”, avalia.

Synthya analisa que em Alagoas não haverá mulheres negras fazendo política e participando da tomada de decisões e implementações de projetos e políticas públicas interseccionais. “É uma denúncia desse sistema político que não nos representa.”

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pessoas negras são mais de 56% de toda a população brasileira, no entanto apenas 0,1% da população negra brasileira ocupa uma cadeira no legislativo. Já as mulheres negras são 28% da população, mas ocupam menos de 5% das vagas do executivo e legislativo do país.

“Pessoas negras não ocupam cargos de destaque nos mais diversos cenários porque o racismo estrutural nos autoriza e permite que ocupemos apenas os índices de homicídios, encarceramento, subempregos, violência doméstica, obstétrica, entre outros indicadores de marginalização e pobreza”, diz Maia.

Falsa declaração

Em 2020, o TSE decidiu que os candidatos negros devem receber recursos proporcionais na distribuição das verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão. Após a decisão, a Justiça Eleitoral registrou um recorde no número de candidatos negros, que pela primeira vez passaram a ser maioria.

Os números acendem alerta para falsa declaração na disputa de 2022. Synthya explica que os candidatos que se autodeclararam brancos nas eleições de 2018 se reclassificaram como pardos para concorrer a reeleição em 2022 e acessar indevidamente recursos de campanha destinados a candidatos negros.

“Neste ano, a Justiça Eleitoral registrou um recorde no número de candidatos negros, que, pela primeira vez, passaram a ser maioria.
Só que nós não temos uma definição clara de critérios para a autodeclaração e para combater casos de afirmação por conveniência, apenas para ter acesso aos recursos de campanha específicos”, explica.

O Código Eleitoral prevê ser crime omitir ou fazer declarações falsas em documentos para fins eleitorais. A pena prevista, quando os documentos são públicos, é de reclusão de até cinco anos e pagamento de multa.

“A falsa declaração representa uma tentativa de esvaziamento e, ao mesmo tempo, de apropriação indevida de uma luta que não é individual, mas, sim, coletiva”, conclui.

Rebecca Moura

Rebecca Moura

Estudante de Jornalismo pela Universidade Federal de Alagoas e colaboradora no portal Eufêmea, conquistou o primeiro lugar no Prêmio Sinturb de Jornalismo em 2021. Em 2024, obteve duas premiações importantes: primeiro lugar na categoria estudante no 2º Prêmio MPAL de Jornalismo e segundo lugar no III Prêmio de Jornalismo Científico José Marques Melo.