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Falta de visibilidade dificulta acesso à saúde sexual de mulheres lésbicas e bissexuais

Reportagem de Lívia Tenório – Foto: Freepik

A saúde sexual das mulheres ainda é considerada um tabu, mas as dificuldades se acentuam ainda mais para as mulheres lésbicas e bissexuais. Invisíveis, elas relatam constrangimentos e falta de preparo por parte dos profissionais durante os atendimentos.

Ao Eufêmea, Míriam Pimentel e sua esposa, Samara dos Anjos, que estão juntas há quase uma década, contaram suas experiências em consultas ginecológicas. Elas relataram que as perguntas feitas durante as consultas são voltadas exclusivamente para uma vida sexual heterossexual. “Sem mesmo antes mesmo de fazer perguntas com intuito de conhecer a nossa orientação sexual”, desabafa Míriam.

Uma alternativa que o casal buscou para obter informações foi através da internet, em perfis de profissionais dedicados à saúde da comunidade LGBTQIAPN+. “É uma maneira rápida e precisa de buscar informações, tendo o cuidado com as fontes, claro. Gostamos muito dos conteúdos da Dra. Marcela Mc Gowan, que é ginecologista, bissexual e tem muitas postagens voltadas para o assunto de forma leve e didática”, relatam.

Preconceito

Foto: Cortesia

A mestra em psicologia pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Bárbara Abreu, explica que o preconceito envolvendo sexualidades que não sejam heteronormativas reflete no acesso aos serviços de saúde. “As campanhas de prevenção às Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) ainda são muito voltadas para o público que tenha atividades sexuais com penetração, o que dificulta a aderência das pessoas com outros tipos de relação às campanhas e aos alertas de cuidado”, enfatiza.

Ela esclarece ainda que a ausência de profissionais capacitados tecnicamente e eticamente para trabalhar com essa temática também contribui com o afastamento.

“Estar em comunidade auxilia nessas situações, pois, no geral, com a dificuldade de encontrar locais e profissionais que acolham estas demandas, ter uma indicação de uma amiga ou colega de trabalho que vivencie a mesma experiência sexual e que tenha encontrado um local de atendimento satisfatório pode auxiliar na criação de uma rede de proteção e cuidado”, explica a psicóloga.

Saúde da mulher lésbica e bissexual

Segundos dados da pesquisa “Expectativa da mulher brasileira sobre sua vida sexual e reprodutiva: as relações dos ginecologistas e obstetras com suas pacientes”, realizada pela Febrasgo, 76% das mulheres realizam consultas ginecológicas anualmente. Ao considerar somente as mulheres que fazem sexo com mulheres, o percentual cai para 47%, de acordo com o relatório Atenção Integral à Saúde das Mulheres Lésbicas e Bissexuais, do Ministério da Saúde.

Para Bárbara, é urgente que haja uma atualização dos programas de prevenção e de cuidado em relação às Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) e Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs). Segundo ela, a esperança é de que as políticas públicas acompanhem a necessidade da população e viabilize a implementação de estratégias de prevenção, proteção e recuperação do público feminino que se enquadre nessas designações.

“Para isso, é preciso falar mais, debater mais sobre o assunto, expor as lacunas e participar ativamente da construção de conhecimento sobre o tema que possa embasar o desenvolvimento dessas políticas”, sugere. 

Uma mulher lésbica, que preferiu não se identificar, relatou que por diversas vezes ao ser questionada sobre quais métodos contraceptivos utilizava, tinha sua sexualidade invalidada pela ginecologista. “Eu sempre afirmava que tinha vida sexual ativa, mas quando falava que era lésbica, a resposta era sempre ‘então você não tem vida sexual ativa’. É como se você deixasse de existir sexualmente quando se é lésbica”, desabafa. 

Como se prevenir?

A ginecologista Adelina Pimentel explica que a falta de prevenção pode ocasionar doenças e infecções em qualquer relação sexual onde haja penetração.

“Se essa primeira mulher tiver alguma doença ou alguma infecção sexualmente transmissível, ela vai transmitir para outra parceira, então tudo vai depender da introdução vaginal. Se não tem introdução vaginal, o máximo que pode acontecer, por exemplo, seria uma candidíase vulvar ou uma infecção pelo Papilomavírus Humano (HPV)”, explica.

Para analisar os riscos de contágio, é importante pensar em como as doenças são transmitidas, não apenas na orientação sexual dos pacientes. Segundo ela, a recomendação básica vai ter relação com a introdução de artefatos compartilhados por ambas. “O ideal é que se faça uso de preservativo, como ocorre em relações heterossexuais”, finaliza. 

Mas é aí que mora o desafio: a falta de métodos pensados para o sexo entre mulheres. Considerando que algumas infecções podem ser transmitidas através do sexo oral e contato de mucosas.

Uma opção é pegar uma camisinha (masculina ou feminina) e recortar, tirando o anel e fazendo um pequeno lençol. O mesmo pode ser feito com luvas descartáveis e o dental dam, um pequeno lençol de borracha utilizado por dentistas. No entanto, as alternativas não são nem um pouco práticas ou direcionadas especificamente para esse público. 

Apenas em 2011 o Ministério de Saúde instituiu uma portaria (nº 2836/2011) voltada para o atendimento humanizado e qualificado da saúde da população LGBTQIAPN+. E a última oficina realizada pelo Governo Federal, direcionada a saúde sexual de mulheres lésbicas e bissexuais ocorreu em 2014, na gestão da então presidente Dilma Rousseff.