Quantas mulheres negras você conhece que estão na liderança de uma pasta importante, por exemplo? Ou à frente de uma instituição, de uma empresa? Recentemente, estive envolvida em um projeto no qual precisei convidar algumas mulheres que representam instituições relevantes para participar do evento. Fui enviando os convites e, no meio do processo, a constatação veio: conseguimos contar nos dedos quantas mulheres negras estão na liderança ou no comando em Alagoas.
Cito Alagoas, mas estou falando de uma realidade geral, que escancara o quanto ainda estamos distantes de ocupar os espaços de poder de forma justa e representativa. Ontem escrevi um texto para o LinkedIn sobre: “Quantas mulheres negras você vê no comando em Alagoas?”.
Horas depois, me deparei com os vídeos da atriz Taís Araújo, que interpreta Raquel no remake de Vale Tudo. Ela contou ter ficado frustrada ao ver que, no final da trama, a personagem voltaria ao mesmo lugar de onde saiu: vendendo sanduíches na praia.
“Quando peguei a Raquel para fazer, falei: ‘Cara, a narrativa dessa mulher é a cara do Brasil! Ela vai ter uma ascensão social a partir do trabalho. Vai ser linda, ela vai ascender e vai permanecer. Isso vai ser uma narrativa muito nova do que a gente vê sobre a representação da mulher negra na teledramaturgia brasileira’”, disse Taís.
Não assisto Vale Tudo, mas a fala de Taís me trouxe à lembrança um livro que terminei recentemente: a autobiografia de Viola Davis. No livro, Viola conta que, por muitas vezes, os papéis oferecidos a atores negros ainda eram carregados de estereótipos e julgamentos. Ela narra que quase sempre lhe ofereciam os mesmos personagens: a dependente química, a empregada, ou aquilo que “sobrasse”.
Tudo isso me fez pensar sobre como a ficção e a realidade se encontram. Enquanto escrevia sobre a ausência de mulheres negras no comando em Alagoas, percebi que essa limitação de possibilidades não é só institucional ou política: é também cultural, simbólica. Está nas histórias que contam sobre nós, nos lugares que acreditam que devemos ocupar, nos papéis que insistem em nos entregar.
Aí você pode dizer: “mas não vejo isso como racismo. O que tem a ver?” Tem tudo a ver. Quando a televisão, o cinema ou até a política mostram sempre as mulheres negras nos mesmos lugares, como empregadas, dependentes químicas ou personagens que não vencem na vida, isso vai criando no imaginário coletivo que esse é o espaço que elas merecem.
Isso é racismo porque limita nossas possibilidades, já pensou nisso? Bom, explicando de forma mais clara ainda: se uma menina negra só vê mulheres como ela em papéis de sofrimento, subalternidade ou derrota, dificilmente vai acreditar que pode ser uma juíza, cientista, empresária ou presidente. O problema não é “ser” empregada ou vendedora de sanduíche. O problema é quando só esses lugares são oferecidos a nós.
O que você vê na novela, no filme, no livro, interfere na forma como as pessoas enxergam o mundo real. E se o mundo insiste em mostrar mulheres negras sempre em situações de fracasso, isso reforça estereótipos que já existem e dificulta a abertura de espaços de liderança, respeito e poder.
Faça um rápido exercício agora: respire fundo e olhe ao seu redor. Pense nos cargos mais importantes, nos espaços de decisão, nas posições de poder. Quem são as mulheres que estão lá?
Se você conseguiu listar muitas mulheres negras, ótimo! Mas imagino que essa não tenha sido a realidade.