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Mãe Mirian, a mais antiga sacerdotisa das religiões de matriz africana em AL, recebe título de Doutora Honoris Causa da Ufal

Fotos: Izadora Garcia Ascom/Ufal

Em uma noite carregada de emoção, ancestralidade e reverência à cultura afro-indígena, a Universidade Federal de Alagoas (Ufal) concedeu o título de Doutora Honoris Causa a Mirian Araújo Souza Melo, a Mãe Mirian Yá Binan, a mais antiga sacerdotisa das religiões de matriz africana em Alagoas.

Aos 91 anos, a ialorixá recebeu o reconhecimento diante de um auditório lotado, em uma cerimônia que entrou para a história não apenas da instituição, mas também da luta por respeito, diversidade e justiça social.

Uma vida dedicada à resistência

Mãe Mirian construiu sua trajetória entre os movimentos sociais, o acolhimento comunitário e a defesa intransigente da dignidade da pessoa negra. A sua vida é um testemunho da força das mulheres que transformam dor em luta e espiritualidade em ação social. Não à toa, o evento foi marcado por rituais, batuques e cânticos que celebraram a ancestralidade, lembrando que cada conquista de hoje é fruto de resistências seculares.

Ritos, símbolos e reconhecimento

Logo no início, os tambores do grupo Samba de Roda K’posú Betá anunciaram que aquela não seria uma solenidade comum. Ao som do Ouriki Exú, entoado por Adeilson Alexandre Ogã Alagbê, a cerimônia se transformou em uma celebração da força dos terreiros e da espiritualidade que resiste.

Em respeito às suas convicções, Mãe Mirian não vestiu a beca preta tradicional. Preferiu trajar a samarra azul e o capelo, reafirmando que dignidade também se traduz em escolhas. Com esse gesto, recebeu o diploma de Doutora Honoris Causa, sob aplausos calorosos e olhares emocionados.

Vozes que ecoam

Durante a noite, falas de docentes e autoridades reforçaram o simbolismo da homenagem. A professora Luciana Santana destacou o papel de Mãe Mirian no enfrentamento às intolerâncias.

“Devemos reconhecer sua importância para as resistências, representando Alagoas, o Brasil e todos os países que combatem o preconceito. Aprendemos muito com sua trajetória, como seres humanos que buscam uma sociedade mais justa.”

Visivelmente emocionada, a professora Rosa Correia destacou a importância do título para a história e o reconhecimento que a experiência afro-indígena brasileira constitui, um saber que merece reverência e inclusão nos currículos acadêmicos. “Esse reconhecimento resgata a cultura africana, reforça a emancipação e valoriza o poder e a sabedoria das mulheres africanas e indígenas, que historicamente desempenharam papéis de liderança política e espiritual. Com este ato, a Universidade também reconhece sua negritude e suas raízes africanas, abrindo caminho para uma reparação histórica”.

A professora Rosiane Martins, integrante do Neabi, destacou o trabalho realizado por Mãe Mirian às causas sociais, que seguem no acolhimento de jovens e adultos, orientando e curando, também dando voz àqueles mais necessitados. “Hoje, vem denunciando o abandono e a dificuldade dos idosos, ao ponto que celebra a sabedoria e que a velhice seja respeitada como direito e não fardo, chamando sempre a atenção da sociedade para diferentes temas que merecem um outro olhar”, declarou.

A vice-reitora Eliane Cavalcanti destacou as realidades dos terreiros e do Candomblé. Também falou das vivências e existências que seguem propondo uma união entre os povos de terreiro e celebrando a homenageada. “A caridade e a compaixão se manifestam em seu abraço, a energia e a força de uma mulher guerreira, nordestina e orgulhosa de sua trajetória. Este é um momento de reconhecimento, um marco na história desta instituição e deste estado”, declarou.

O reitor Josealdo Tonholo reforçou o sentimento de reparação histórica que esse título representa para a Ufal, um espaço aberto ao diálogo e à pluralidade.

“Ao conceder este título, a Universidade não age por preferência ou adesão religiosa, mas, sim, como um gesto profundo de respeito à contribuição cultural, social e humana de Mãe Mirian, e a tudo que ela representa. Aqui honramos também nossos povos originários, os africanos, que aqui foram escravizados, e tantos outros povos que vieram de diversas partes do mundo, encontrando-se em nosso território”.

Gratidão e luta

Diante de um auditório lotado, Mãe Mirian confessou ter se surpreendido com a indicação para receber o título. Ela agradeceu as homenagens feitas, que reverenciaram suas lutas, vivências e resistências. 

“É grande a emoção que sinto, a ponto de me faltarem palavras. Gostaria de cumprimentar a todos os presentes. É difícil expressar em palavras a gratidão que sinto por todos. Este momento é profundamente simbólico, um testemunho de fé e respeito. É com grande emoção que recebo este título da Universidade”, disse a homenageada.

Mãe Mirian também fez referência à evolução das religiões desde a Quebra de Xangô, episódio em que a intolerância religiosa atacou terreiros e destruiu espaços religiosos de matriz africana, e que culminou no assassinato da mais respeitada Mãe de Santo à época: “Reflito sobre a trajetória da Tia Marcelina, em 1912, e observando o crescimento de nossa religião, sou tomada por gratidão. Reafirmo meu respeito e confiança em cada um de vocês. Agradeço, uma vez mais, a confiança que me foi depositada”.

Em um discurso impactante, relembrando também que, apesar de toda a evolução, a luta ainda persiste, o babalorixá Wagner de Xoroquê denunciou a violência que ainda existe, mas também enalteceu a história da homenageada. ”Este é um ato de reparação, de justiça histórica, de reconhecimento à resistência secular de inúmeras mães, pais e filhos de santo. Que seus ensinamentos e exemplos guiem nossos caminhos, e que esta noite seja lembrada como um marco na luta por respeito, dignidade e igualdade para todos”.  

*com Assessoria da UFAL

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