Relato de Dayanna Klécia
De 2022 a 2024, passei quatro vezes pela pior dor da minha vida: a perda perinatal dos meus filhos. Sei que você vai ficar curiosa pela causa, então já vou te dizer o motivo. Eu tenho uma patologia no meu colo do útero chamada insuficiência ístmico-cervical, que faz com que ele aja de forma “incompetente”, ocasionando partos prematuros. E assim, apesar das intervenções médicas, sofri a perda perinatal dos meus filhos.
Desde então, ouvi inúmeros comentários sem noção e dolorosos, mas um sempre me intrigou: “Nossa, como você é uma mulher forte.” Essa é, quase sempre, a primeira frase que escuto quando conto minha história — seja pelas palavras, seja pelo olhar. Eu nunca entendi. Afinal, a última coisa que eu me senti foi uma mulher forte.
A dor me dilacerou todas as vezes — algumas mais, outras menos. Há uma passagem bíblica, do dia em que Maria e José apresentaram Jesus no templo, que diz: “Uma espada transpassará tua alma” (Lc 2,35). Essa é exatamente a imagem do sofrimento de uma mãe que perde um filho. Meu coração foi transpassado por uma espada, e uma tatuagem de dor foi feita na minha alma. Como eu poderia ser chamada de mulher forte? Que força é essa que eu teria que mostrar depois de enterrar meu filho?
Passei a ignorar esse comentário. Não tenho que receber esse título porque vivi algo impossível de ser ignorado. Não escolhi, nem escolheria isso. Não existe romantismo no luto. Não deveria ser exigido de uma mulher que ela seja exemplo de superação, porque a perda de um filho não é uma história de superação, mas de interrupção.
Com o tempo, percebi apenas que a forma como eu tentava me levantar era diferente. Fui ao fundo do poço, dei de cara com a tristeza crua e nua, senti vontade de me matar, de não existir, de vegetar pelo resto da vida. Mas olhei tudo isso — inclusive o pensamento suicida — e, com a ajuda da minha psicóloga e da espiritualidade que escolhi seguir, disse a mim mesma: “Viver é necessário.” Meditei essa frase por longos anos, e ela me fez ressuscitar.
Não falo de superação, porque não há o que superar — não caia nessa. Mas há, sim, o que viver.
Ganhei o título que não queria ganhar, não porque o fato me fez assim, mas porque a forma como lidei me fez. No mês do Setembro Amarelo, com a estatística assustadora de que 49% das mulheres que sofrem perda perinatal apresentam sintomas depressivos (RDP, 2021), falar sobre esse tema é colocar luz sobre a dor de tantas mulheres que sofrem, muitas vezes caladas e sem apoio. É falar para dar nome ao que é incurável.
Me levantei não porque sou heroína, mas porque precisava sobreviver. Cuidei de mim não por força, mas por respeito à minha existência. E escrevo este texto por respeito à minha dor e à dor de tantas mulheres que passam pelo mesmo e se veem desnorteadas, sem saber como viver.